quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

A DESILUSÃO DE VIVER NUM PAÍS DE BARBÁRIE


 

“A não retroactividade das normas é o que distingue a civilização da barbárie” (Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros do Partido Socialista).

Neste dia soberano para fazer um balanço de fim de ano em que as eleições para a Presidência da República batem à porta e as eleições legislativa despontam no horizonte e, principalmente, num tempo em que a  ADSE alargou a inscrição a novos beneficiários, não por amor ao próximo mas para evitar a respectiva falência, evoco, uma vez mais e tantas quanto as necessárias, a retroactividade de uma lei que excluiu antigos familiares de beneficiários com pensões que não atingem, sequer, valores do ordenado mínimo nacional.

Sempre que reagi a este “status quo”,  em exposições endereçadas à ADSE e ao próprio Presidente da República escudaram-se estas entidades na supracitada norma rectroactiva. Salvaguardando  um possível lapso de memória que a minha idade possa justificar, em exposição feita à Provedoria da República nenhuma resposta oficial me foi dada a não ser breves contactos pessoais inconclusivos por mim levados a efeito.

Estas desculpas esfarrapadas chateiam-me mesmo - seja-me desculpado o calão – por terem-me por ignorante (ou mesmo burro que nem uma porta!) incapacitado, como tal,  de interpretar simples articulados legais, logo eu, habilitado com o exigente exame da antiga 4.ª classe do ensino primário, obrigado a engolir, na idade adulta, a xaropada do óleo de rícino da minha juventude, através de legislação semelhante à que o falecido António de Almeida Santos, presidente da Assembleia da República, criticou: ”A redacção de grande parte das leis, depois de 25 de Abril, chumbariam no antigo exame da 4.ª classe!”

Este o cerne da questão que o ex-presidente da ADSE  Carlos Liberato Baptista, talvez, por currículo profissional de me fazer corar de vergonha quando confrontado com o meu modesto percurso de vida, pelos vistos, não entendeu  ou não quis entender as exposições que lhe enviei e à sua sucessora Sofia Portela, quiçá, porque como sentencia a sabedoria popular: “O pior cego é aquele que não quer ver”!

Sejamos claros de uma vez por todas: conheço de ginjeira  a existência dessa legislação  que serve de argumento irredutível, qual inamovível Rochedo de Gibraltar aos próceres da ADSE para que tudo continue na mesma na pachorra de um povo preocupado em sobreviver o seu dia-a-dia com os olhos postos em reformas de aposentação que não acompanham os ordenados no activo e que "ipso facto", por vezes, mal chegam para despesas mensais de "vil e apagada tristeza". Ou seja, mesmo que em “redutio ad absurdum”, aceitando a validade dessa legislação, renego em tê-la como vaca idolatrada de hindus.   

Sendo mais explícito, numa altura em que certas medidas foram  alteradas, sem rei nem roque,  pela ADSE como no “Jogo do Rapa” (tira, põe, deixa e rapa!), tirando a uns para dar a outros, não seria altura de rever uma legislação dormindo, desde 1983, o sono dos (in)justos, pelo impacto negativo que poderá ter em termos eleitorais, mesmo tendo em conta, como favas contadas, a reeleição do Partido Socialista, ainda que em perda de gás, segundo recentes sondagens?

Saúdo, portanto, a democratização trazida pela Net em não ter a opinião pública escravizada aos próceres que a controlam, ainda que criticando o exagero de prosas virulentas de comentários em desbragados ataques pessoais, porque, como escreveu António Sérgio: “Contestar a ideia de um certo homem, ou defendida por um certo homem, não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece neste país”.

Foi um grande avanço das novas tecnologias terem  facultado armas pessoais de defesa a todos os cidadãos que,sem mordaça que a democracia não consente de antigos coronéis do “lápis azul” do Estado Novo, publicam comentários na Net embora que, por vezes, atentem contra a moral pública ou os bons costumes. Isto sem entrar em polémica sobre o que  é (ou deve ser) a moral pública e os bons costumes que, sei-o bem, vão mudando com as épocas e conceitos  evolutivos das sociedades em que se inserem!

Assim, estarei sempre na  linha da frente ao combate contra a expulsão de antigos familiares de beneficiários da ADSE, “quer tenham descontado ou não doze anos  para a Segurança Social”, tratando, igualmente situações diferentes. Aliás, princípio contestado pelo falecido Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Rui Alarcão, que passo a citar: “O principio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual dever ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente”. Ou, como escreveu Baudelaire, “apenas é igual  a outro quem prova sê-lo”! 

Para além disso, neste caso, prevaleceu a retroactividade da lei, princípio que não merece consenso entre os próprios juristas e políticos. Haja em vista as judiciosas palavras em epígrafe do actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que correm o risco de serem tomadas como música celestial, “pour épater le burgeois”, por dizerem uma coisa em teoria e significarem outra na prática!

Fiel, portanto, a um princípio, que me tem orientado numa luta estrénua contra todas as formas de injustiça, um meu “post” aqui publicado, tinha o título: “Falarei sobre a ADSE até que a Voz me Doa” (03/04/2018). 
Alea jacta est! O que pensa o leitor da recente expulsão de familiares de beneficiários da ADSE? Muito ganharia esta querela – porque, como diz a “vox populi” quem cala consente por demissão de um dever de cidadania - com comentários de quem nela descortina defeitos, como sejam, aqueles que a meu exemplo em assunção pública  nela vejo e fundamento imperfeições para, como dizia, um ministro espanhol, voltando-se para o seu secretário. “Senhor Rodriguez veja se a lei está redigida com a devida confusão”! Mas mais que debitar meras opiniões há que exigir que todas as injustiças sejam tomadas em linha de conta em próxima eleições porque as injustiças que hoje se cometem contra uns amanhã  serão cometidas contra outros.

 Pense nisso e medite o leitor que tem no voto uma arma sem se deixar levar  atrás de políticos que, segundo Kruschev, “são o mesmo  em qualquer parte : prometem construir pontes, mesmo quando não há rios”. E que me conste este político  defensor da coexistência pacífica entre a URSS e os Estados Unidos  não é um perigoso fascista!

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

O nosso ordenamento jurídico e, provavelmente, qualquer ordem jurídica, assenta em pilares, ou princípios que são estruturais porque permitem a necessária inteligibilidade e coerência e concordância das prescrições normativas e dos seus critérios, mas devem grande parte da sua eficácia à crença generalizada na sua justiça e nessa mesma eficácia, ainda que, na realidade, possamos verificar que não passam, muitas vezes, de declarações formais que estão longe de serem respeitadas e implementadas, quer pelo legislador, nessa sua função privilegiada de agente principal do sistema de justiça, quer pelos órgãos, em geral, do aparelho do Estado que, ao executarem a lei, à qual todos estão sujeitos, segundo o princípio da legalidade, nem sempre respeitam este, ou porque não respeitam a lei, ou porque o princípio da legalidade tem muitas formas de se deixar desrespeitar.
Aliás, o mesmo se passa com o princípio da não retroactividade das leis.
Quando um ministro, qual instância legitimadora, que não é, da dogmática jurídica, mostra necessidade de falar disso, é como o pároco dizer que a oração nos salvará.
Claro que, também de acordo com os princípios de um Estado de Direito democrático, existem os tribunais (que são outra das instituições de realização da justiça) aos quais os interessados, lesados, poderão recorrer para fazerem valer os seus direitos. No plano dos princípios, as coisas resolvem-se bem e até parece que o cidadão tem todos os meios para dirimir litígios, nomeadamente, contra a Administração Pública. Até há quem diga que temos a Constituição mais bonita do mundo, ou um sistema de leis dos mais avançados. Mas na prática, verificamos que a igualdade perante a lei, não passa de uma declaração abstracta e vaga.
O próprio princípio da legalidade, tão caro aos regimes constitucionais, que coloca a lei acima de todos, na prática, é dos princípios mais subvertíveis. E o princípio de que a lei é (devia ser) igual para todos, que não coincide exactamente com o da igualdade perante a lei, embora ninguém no poder admita tal barbaridade, nunca mereceu o respeito dos responsáveis dos cargos políticos.
O cidadão constata, infelizmente, que os seus direitos, mormente perante a Administração Pública, quando vai a ver, se resumem no direito de recorrer aos tribunais. E isto não é pouco, é pouquíssimo.
Quanto ao direito de voto, inadvertidamente, creio eu, legitima sempre este estado de coisas, para não dizer este estado de direito.
Se bastasse consagrarem-se princípios de justiça, de sabedoria, probidade, boa administração, enfim, de resolução de problemas, estes seriam todos resolvidos por decreto, ou de acordo com uma ciência que estabelecesse de modo incontestável o que devia feito, como sonharam os positivistas.
Mas, ainda neste caso, faltaria fazer o que devia ser feito.

Rui Baptista disse...

Prezado Dr. Carlos Ricardo Soares: Numa época em que o futebol ( vulgo, pontapé na bola) ocupa parcela maior na publicação e leitura de jornais e visionamento público dos programas televisivos, é sempre reconfortante que um post, como este meu, desperte interesse público.
Embora com respeito pela jurisprudências e suas personagens, como sejam, por exemplo, advogados meus familiares chegados. Lembro-me a propósito que estando num restaurante com uma delas finalista de Direito foi-lhe perguntado, pelo empregado de mesa, qual os estudos que seguia. À resposta de estudar Direito, saiu-lhe o seguinte comentário como um grito de alma: “Ah! está a estudar para aldrabona!”
Foi este um dos motivos pelo facto que evoquei o escritor espanhol Pio Baroja pela possibilidade de uma leitura linear das leis poder lançar no desemprego grande percentagem de causídicos. O recurso aos tribunais para aposentados sem reformas de políticos é como querer chegar à lua sem o foguetão de Júlio Verne já para não falar nos actuais e sofisticados foguetões de Cabo Canaveral.
Quando escrevo estas minhas minhas queixas tomadas por diatribes, faço-o apelando para a Ética que tão maltratada tem sido neste extremo ocidental da Europa, esperando que os próceres do Direito, para quem os usos e costumes só muito excepcionalmente não são letra morte. Por outro lado, e a minha idade, embora avançada não chega ao calcanhares de Matusalém para utilizar o usucapião junto da ADSE!
Votos de um Bom Ano Novo, e mais uma vez obrigado pelo seu comentário que me compensa pela forma como sou destratado pela entidades a que me tenho dirigido na eventualidade, taxando-me de ignorante em questões jurídicas enviesadas.

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