quarta-feira, 29 de julho de 2020

NOVAS ENTRADAS NA BIBLIOTECA ”CORONA”


Meu último artigo no jornal "As Artes entre as Letras"

Na minha última contribuição para As Artes entre as Letras, deixei o registo de meia dúzia de livros sobre a pandemia que nos últimos meses invadiu o mundo. O número de infectados com o coronavírus e de vítimas mortais tem crescido de modo impressionante. À hora a que escrevo esses valores são, respectivamente e em números redondos, quinze milhões e seiscentos mil. Vivemos num tempo de incerteza: quando a primeira vaga assola com muita força países como os Estados Unidos, o Brasil e a Índia, cada um deles com mais de um milhão de casos de infecção, multiplicam-se as vozes sobre uma eventual segunda vaga. Não sabemos como vai ser.

A pandemia tem facetas científicas e sanitárias, mas também económicas, sociológicas, políticas e filosóficas. A crise vai continuar connosco durante mais algum tempo e com ela a necessidade de reflectir sobre algumas mudanças sociais e políticas. Embora a doença tenha felizmente diminuído em Portugal, ela ainda nos dá razões para preocupação. E o impacto económico, sendo já claro que é enorme, tem ainda uma amplitude bastante incerta. Está a crescer, como é natural, o número de livros sobre a pandemia. Venho acrescentar mais alguns títulos que entretanto vieram a lume em português e que aqui ordenarei por ordem alfabética do apelido do autor.

- Donatella Di Cesare, Vírus soberano? A asfixia capitalista. Edições 70. A autora, professora de Filosofia na Universidade “La Sapienza” de Roma e intelectual pública que tem estudado a violência, os emigrantes e a identidade, reflecte sobre o impacto do vírus, que ela designa de “soberano” devido à sua “corona”, nas nossas vidas. Apesar de Di Cesare estar amplamente traduzida, é o seu primeiro livro em português europeu. A tradução é de António Guerreiro, o crítico cultural do suplemento ípsilon do jornal Público  e da revista Electra da Fundação EDP. O livro foi, de resto, distribuído com o Público.

- Daniel Defoe, Diário da peste, Clássica Editora. Um clássico literário sobre epidemias do autor de Robinson Crusoe. O escritor e jornalista inglês foi testemunha da peste negra de Londres de 1665, que ele aqui descreve num livro cuja primeira edição é de 1722. Existe uma edição portuguesa deste livro com tradução do escritor João Gaspar Simões (Diário da Peste de Londres, Presença, 1964), mas só se encontra, e com muita sorte, nos alfarrabistas. A tradução da nova edição é de Maria João Bento, sendo a introdução do escritor inglês Anthony Burgess, o autor de Laranja Mecânica.

- Miguel Valle de Figueiredo (fotografias) e  Bruno Vieira Amaral (texto), Cidade suspensa. Lisboa em estado de emergência. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Uma obra, da colecção “Retratos” daquelas Fundação, de algum modo semelhante à que a Guerra e Paz publicou da autoria de Inácio Ludgero (fotógrafo) e José Jorge Letria (escritor), pois se trata de documentar o vazio que se abateu subitamente sobre os espaços urbanos. As legendas de Vieira Amaral começam como na Bíblia: “Naquele tempo,….” O valor da venda do livro reverte integralmente para o livreiro, constituindo uma pequena contribuição para um sector em crise.

- Bernard-Henri Lévy, Este vírus que nos enlouquece, Guerra e Paz. Mais um “livro vermelho” da Guerra e Paz, pequenos textos de pensadores conhecidos, em que o filósofo francês,  nascido na Argélia como Albert Camus,  cujas posições têm suscitado ampla polémica (incluindo ataques com uma torta na cara), se insurge contra aqueles “que querem aproveitar o coronavírus para arrasar o que a civilização ocidental tem de melhor” (da sinopse). A tradução é de João Luís Zamith e André Tavares Marçal

- Igor Prokopenko, Coronavírus, um vírus assassino. Vírus desconhecido ou arma biológica? Marcador. Este livro de um jornalista televisivo russo que é responsável por um programa sobre “segredos militares” é lixo. Mete invasores do espaço e tudo… O leitor não acredita? Pois na p. 26, pode ler-se: “Os cientistas encaram seriamente a origem extraterrestre do novo coronavírus chinês”. É uma vergonha para a Marcador, que pertence ao grupo Presença, ter publicado esta obra. O tradutor António Pescada é um bom profissional, que  já nos tem dado  o melhor da literatura russa (venceu o Grande Prémio de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores de 2018 por traduções suas de Dostoievski e Soljenitsin), mas isto é do pior que a Rússia de Putin nos pode dar: desinformação, ou, como agora se diz, “fake news.”

- Vários, Bode Inspiratório, Escape Goat, Um folhetim criado por 46 escritores durante a pandemia de Covid-19, Relógio d’Água. As regras deste jogo literário, que tem uma edição bilingue, são simples: um começa e o seguinte tem de continuar. Começou Mário de Carvalho e acabou Luísa Costa Gomes, passando a corrente por Afonso Cruz, Cristina Carvalho, José Mário Silva, Gonçalo M. Tavares, Rui Zink, etc. Deve ter sido uma boa reinação, durante o confinamento, a escrita de uma história a várias mãos, com cada autor a tentar dificultar a continuação pelo seguinte. A introdução é da escritora Ana Margarida Carvalho filha do primeiro (“filha de peixe…”).

- Vários, Ressurgir, 40 perguntas sobre a pandemia, Paulinas, coordenação de Artur Morão, Diana Ferreira, Mendo Henriques e Nuno André. Trata-se de um grande conjunto de depoimentos de vozes nacionais, alguns co-autores e outros ditos colaboradores especiais, organizadas por cinco temas: Vida, Saúde e Solidariedade; Pessoal - Familiar; Ciência, Informação e Cultura; Economia Sustentável; e Espiritualidade. A capa traz um quadro renascentista da arca de Noé.

- Ivan Krastev. O Futuro por Contar. Como a pandemia vai mudar o nosso mundo, Objectiva. Da autoria de um conceituado cientista político búlgaro,  investigador do Instituto de Ciências Humanas de Viena, que tem uma coluna na edição internacional do New York Times, e autor entre outras obras de After Europe. Neste seu primeiro livro em português, analisa o impacto do vírus na globalização, na geoestratégia mundial e, em particular, no projecto europeu.

Tanta coisa dita e tanta coisa ainda por dizer. Fico com a ideia de que esta biblioteca, a que chamo por simplicidade “Corona,” ainda vai no seu início.

Boas férias e muita saúde! 

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