sábado, 17 de maio de 2025

ESSE (ANTIGO) HOMEM FUTURO

Parece que a "imaginação artificial" será um avanço da "inteligência artificial", disse-me alguém que me enviou o artigo Towards a science exocortex e de que encontrei uma versão explicativa aqui. Trezentas e seis notas e referências bibliográficas conferem-lhe um carácter "à prova de bala". Ou talvez não... a falta de enquadramento ético e epistemológico deveria ter deixado os avaliadores de sobreaviso, pois essa  "imaginação" é materializada num exocórtex com fins de investigação científica.
 
O seu inventor diz que isso é, ou será, muito útil para desenvolver estudos experimentais, no meu entender acomodados ao modelo clássico. O cientista poderá dispor de um software que funcionará como extensão do seu cérebro; da "conversa" com ele resultará inspiração e produção de pensamento.
 
Além da sofisticação tecnológica que se presume, não há aqui nada de verdadeiramente novo. Por muito que se afirme a "utilidade" desta ou daquela ferramenta, analógica ou digital, o que parece estar em causa é o que Hannah Arendt designou por "rebelião humana" contra a "condição humana" e contra o mundo que a acolhe. Acompanha-a o (estranho desejo) do ser humano de construir "algo produzido por ele mesmo", que o amplie e, em muitos casos, o substitua. E o leve para outros mundo.
 
Do livro A condição humana desta filósofa, publicado em 1958, transcrevo parte do admirável texto que constitui a sua introdução.
"Em 1957, um objeto terrestre, feito pela mão do homem, foi lançado ao universo, onde durante algumas semanas girou em torno da Terra segundo as mesmas leis de gravitação que governam o movimento dos corpos celestes – o Sol, a Lua e as estrelas. É verdade que o satélite artificial não era nem lua nem estrela; não era um corpo celeste que pudesse prosseguir na sua órbita circular por um período de tempo que para nós, mortais limitados ao tempo da Terra, durasse uma eternidade. Ainda assim, pôde permanecer nos céus durante algum tempo; e lá ficou, movendo-se no convívio dos astros como se estes o houvessem provisoriamente admitido na sua sublime companhia.
Este acontecimento, que, em importância, ultrapassa todos os outros, até mesmo a desintegração do átomo, teria sido saudado com a mais pura alegria não fossem as suas incómodas circunstâncias militares e políticas. O curioso, porém, é que essa alegria não foi triunfal; o que encheu o coração dos homens que, agora, ao erguer os olhos para os céus, podiam contemplar uma das suas obras, não foi orgulho nem assombro perante a enormidade da força e da proficiência humanas.
A reação imediata, expressa espontaneamente, foi alívio ante o primeiro «passo para libertar o homem da sua prisão na terra». E essa estranha declaração, longe de ter sido o lapso acidental de algum repórter norte-americano, refletia, sem o saber, as extraordinárias palavras gravadas há mais de vinte anos no obelisco fúnebre de um dos grandes cientistas da Rússia: «A humanidade não permanecerá para sempre presa à terra».

Há já algum tempo este tipo de sentimento vem tomando-se comum; e mostra que, em toda parte, os homens não tardam a adaptar-se às descobertas da ciência e aos feitos da técnica, mas, ao contrário, estão décadas à sua frente. Neste caso, como noutros, a ciência apenas realizou e afirmou aquilo que os homens tinham antecipado em sonhos – sonhos que não eram loucos nem ociosos. A novidade foi apenas que um dos jornais mais respeitáveis dos Estados Unidos levou finalmente à primeira página aquilo que, até então, estivera relegado ao reino da literatura de ficção científica, tão destituída de respeitabilidade (e à qual, infelizmente, ninguém deu até agora a atenção que merece como veículo dos sentimentos e desejos das massas).
A banalidade da declaração não deve obscurecer o facto de ela ser bem extraordinária, pois embora os cristãos tenham chamado esta terra de «vale de lágrimas» e os filósofos tenham visto o próprio corpo do homem como a prisão da mente e da alma, ninguém na história da humanidade havia alguma vez concebido a terra como prisão para o corpo dos homens nem demonstrado tanto desejo de ir, literalmente, daqui à Lua. Devem a emancipação e a secularização da era moderna, que tiveram início com um afastamento, não necessariamente de Deus, mas de um deus que era o Pai dos homens no céu, terminar com um repúdio ainda mais funesto de uma terra que era a Mãe de todos os seres vivos sob o firmamento?

A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, a sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artifício. O artifício humano do mundo separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos.
Recentemente, a ciência vem-se esforçando por tornar «artificial» a própria vida, por cortar o último laço que faz do próprio homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida numa proveta, no desejo de misturar, «sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas comprovadamente capazes a fim de produzir seres humanos superiores» e «alterar(-lhes) o tamanho, a forma e a função»; e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida humana para além do limite dos cem anos.

Esse homem futuro, que segundo os cientistas será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo.
Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar da nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é apenas de saber se desejamos usar nessa direção o nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

ÂMBAR

Por A. Galopim de Carvalho
 
Âmbar ou resina fóssil, é também um produto de oxidação de substâncias de origem orgânica. Tem cor amarela-acastanhada ou avermelhada, é transparente e parte com fractura conchoidal, lembrando o pês.
 
O mais antigo âmbar foi encontrado em formações do Triásico, mas conhecem-se resinas fósseis no Carbonífero e no Pérmico. As mais divulgadas são as da região do Báltico e resultaram de acumulação de resina de coníferas no Eocénico.

O âmbar do Báltico, ou succinito (do latim succinum, com idêntico significado), foi alvo do interesse dos homens do Neolítico. 
 
Temos provas da sua procura e utilização intensiva nos séculos XVI e XVII. Do seu estudo, na região da Península de Sambia, por geólogos alemães, no século XIX, quando se iniciou a sua exploração industrial, ficámos a conhecer tratar-se de um tipo particular de depósito sedimentar com cerca de 40 Ma, associado a uma vasta estrutura deltaica oriunda da Escandinávia, espalhada em leque, na parte sul do actual mar Báltico. 
 
O âmbar aqui contido nas “argilas azuis” (blue earth) encontra-se também disperso, por desmantelamento desta unidade, nos depósitos do litoral da Alemanha, Polónia, Lituânia e outros países do sul do Báltico, para onde foi transportado por acção fluvio-glaciária durante o Pleistocénico, sendo hoje também aí explorado.

A transformação diagenética da ou das resinas originais no produto fóssil envolve a perda de substâncias voláteis e processos químicos de polimerização, oxidação e outros, com participação activa e reconhecida de bactérias. 
 
Na sua composição elementar participam carbono, hidrogénio, oxigénio e enxofre em muito pequena percentagem (0,5 a 1%), elementos que, sabe-se hoje, fazem parte da macromolécula do âmbar. A dureza, na escala de Mohs, varia entre 2 e 2,5, a densidade oscila à volta de 1 (um) e o índice de refracção está compreendido entre 1,539 e 1,542. Torna-se plástico a 250ºC e funde a 287–300ºC. Estudos recentes, com utilização de espectrometria de infravermelhos, revelam grande semelhança entre esta resina fóssil e a resina actual de Cedrus asiatica. Outras investigações apontam uma certa identidade química com a resina de Agathis australis, uma araucária de grande longevidade.
 
Aprisionadas no succinito do Báltico foram referenciadas mais de duzentas e cinquenta espécies vegetais, como líquenes, fungos, musgos, flores e frutos diversos, sementes, pólens e esporos. Tal diversidade aponta para florestas de montanha numa latitude então subtropical a tropical, como são actualmente as das regiões montanhosas do sudeste asiático, dominadas por coníferas, as responsáveis pela anormal produção de resina que, sedimentada e afundada, evoluiu, diageneticamente, para âmbar. Várias espécies de árvores devem ter concorrido nesta produção e a elas se deu o nome colectivo de Pinus succinifera. 
 
Do reino animal são igualmente muitas as espécies preservadas no âmbar. Variadíssimos artrópodes, formigas, mosquitos, aranhas, etc., etc., e até pequenos vertebrados (lagartos) têm sido encontrados e estudados nos seus mais ínfimos pormenores, anatómicos, histológicos e genéticos.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

O 18.º DOMÍNIO DE EDUCAÇÃO CIDADANIA? OU SERÁ O 19.º?

As minhas desculpas aos leitores por insistir na Educação para a Cidadania/Cidadania e Desenvolvimento. É que, tanto quanto vejo, há mudanças de relevo nesta componente do currículo escolar, as quais, por não tocarem directamente as disciplinas, tendem a passar despercebidas ou a serem consideradas de menor importância. 

O entendimento que tenho é diferente. Essas mudanças são, de facto, significativas: é significativa a publicação do Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-Escolar, assim como é significativa a replicação de documentos e iniciativas afectos não só a este domínio dito de cidadania mas a vários outros. E é muito significativa a consubstanciação de um novo domínio de cidadania que estava esboçado pelo menos desde 2021.

É sobre este enigmático domínio, designado por Educação para a Ética e Integridade, que deixo breves notas. Peço ao leitor para seguir o meu raciocínio.

1. Na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC) estão contemplados dezassete domínios de educação (ou será "literacia"?) para a cidadania, mas podem ser dezoito pois a Literacia Financeira e a Educação para o Consumo, que já estiveram separadas, têm, na verdade, identidade própria (ver aqui), que lhe é conferida pelos seus referenciais, materiais "pedagógicos", formação de professores, concursos, etc. A minha interpretação é que, numa tentativa de conter o número de domínios (que desde a reforma implementada logo no início do século, não tem parado de aumentar), a tutela decidiu arrumá-los num só.

Enfim, o que aqui é importante dizer é que a tal Educação para a Ética e Integridade não consta na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, ainda que, em abono da verdade, nesta estratégia se deixe aberta a possibilidade de as escolas, caso entendam, incluírem outros domínios.

2. A Educação para a Ética e Integridade não me é estranha, já a havia incluído nas minhas aulas de formação de educadores e de professores como exemplo de reivindicação de novos domínios de Educação para a Cidadania. Efectivamente, vários são os que se encontram em lista de espera...

O historial, tanto quanto fui acompanhando na imprensa, é mais ou menos este: em 2001 foi criado o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) (ver aqui e aqui), destinado a “promover a difusão dos valores da integridade, probidade, transparência e responsabilidade”. Porém, em 2024, o estado do “mecanismo” (curiosa designação!) era consensualmente classificado como de “inacção” nos propósitos sociais, políticos e económicos a que se havia proposto. Também foram notícia divergências com o Governo sobre aspectos pouco edificantes, sobretudo quando se puxam os galões da ética (ver aqui, aqui e aqui). Não sei, não aprofundei, se foi por causa disso que o Conselho de Ministros aprovou recentemente mudanças na orgânica do tal MENAC (ver aqui).

3. Na sua origem, o "mecanismo" tinha prevista a Escola (leia-se Escola Pública) como "uma área prioritária de actuação" (ver aqui). Em 2020 noticiava a Agência Lusa (ver aqui):

"Segundo o projeto de proposta de lei das Grandes Opções do Plano (GOP) para 2021, o Governo quer «introduzir a temática ‘Corrupção – Prevenir e Alertar’ como área transversal a vários domínios da cidadania e desenvolvimento em todos os ciclos do ensino básico e secundário e dar relevo à matéria em unidades curriculares do ensino superior e em bolsas e projetos de investigação financiados por agências públicas»".

Várias escolas aderiram à solicitação (ver exemplos aqui, aqui, aqui) e algumas receberam "prémios e distinções" (ver aqui), parte do "pacote" destas iniciativas.

Nada de original, as organizações, empresas, grupos, etc. a quem cabe resolver problemas relevantes, difíceis, que o mundo apresenta, que têm essa responsabilidade, remetem-nos para a Escola, para que ela os assuma em primeira linha. Em concreto, para o saco sem fundo que é a Educação para a Cidadania. Esta circunstância merecia um comentário que, pela sua extensão e necessária profundidade, deixo para outra ocasião.

Ainda assim, neste caso, não é possível deixar de lado a questão: caberá à Escola funcionar como bastião de primeira linha da luta anticorrupção, que a avaliar pela criação do "mecanismo", é um problema social, económico e político seriíssimo? Tanto mais quando se percebe que o “mecanismo” não tem cumprido os objectivos para os quais foi criado?

Devo sublinhar que não se pode negar a importância da Escola na educação para os valores acima enunciados: eles têm de ser aí veiculados, na esperança de que os alunos os adoptem como marcas do seu (bom) carácter. Contudo, a Escola não pode, não deve assumir funções que cabem, por direito, a outras entidades.

4. Como bem sabemos, isto não importa ao Ministério da Educação, que acolhe mais esta, aquela e a outra entidade no dito saco sem fundo, sendo o "mecanismo" (tanto quanto sei) a mais recentemente acolhida, cenário em que "recomendou ao Governo" a aprovação do Referencial de Educação para a Ética e Integridade.

O documento, resultante de parceria e colaboração diversa (Direção-Geral da Educação, All4Integrity, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Mecanismo Nacional Anticorrupção, Transparência e Integridade de Portugal, e Universidade de Antuérpia) está agora em consulta pública.

Uma vez aprovado, constituirá suporte para o 18.º domínio de Educação para a Cidadania. Ou será o 19.º?

CONDENSAÇÃO

Por A. Galopim de Carvalho

Muitas pessoas perguntam porque é que, a garrafa de água ou de vinho ou a lata de Coca Cola, saídas do frigorífico para a mesa, começam a ficar cheias de bolhinhas de água, com se mostra na imagem. A resposta é simples, imediata e chama-se CONDENSAÇÃO.

Condensação, também chamada de liquefação, corresponde à passagem do estado gasoso para o estado líquido, cedendo calor, ou seja, arrefecendo. É o fenómeno físico inverso da vaporização ou evaporação. Vaporização ou evaporação é o processo em que partículas de uma substância no estado líquido, absorvendo energia (calor), passam ao estado gasoso ou de vapor.

 No caso vertente, o vapor de água da atmosfera, arrefece e condensa no contacto com a superfície fria das garrafas ou da lata.

Lembremos que a atmosfera terrestre é composta basicamente de uma mistura de gases, sendo 78% de azoto, 21% de oxigénio e, em menores quantidades, vapor de água, dióxido de carbono, árgon e traços de outros gases. Lembremos, ainda, que humidade do ar é a quantidade de água presente na atmosfera sob forma de vapor, e que varia em relação como clima e outros factores. Muito elevada nas regiões quentes e húmidas, como acontece na Amazónia, e muitíssimo baixa das regiões ditas áridas, como é o caso no deserto da Saara.

Hoje, por exemplo, a humidade do ar, em Lisboa, varia entre 51% e 87%. Estes números são valores relativos, pois indicam a quantidade de água existente no ar (humidade absoluta) e a quantidade máxima que poderia haver, à mesma temperatura, no chamado ponto de saturação (100%).

Mais pormenorizadamente, humidade relativa do ar é a relação entre a quantidade de vapor d'água presente no ar e a quantidade máxima que ele poderia conter na mesma temperatura, expressa em percentagens (%). Por exemplo, 100% de humidade relativa - o ar está completamente saturado com vapor d’água, situação comum em dias chuvosos ou nevoeiros; 50% de humidade relativa - o ar contém metade da quantidade máxima de vapor d’água que poderia conter àquela temperatura; menos de 30% de humidade relativa – diz-se que o ar está seco, situação comum em regiões áridas e semiáridas e nos dias de sol intenso, no Verão alentejano.

A EDUCAÇÃO FINANCEIRA NO PRÉ-ESCOLAR: ALÉM DO REFERENCIAL, AGORA O GUIÃO.

Na visita que ontem fiz ao site online da Direção Geral da Educação vi que se havia acabado de disponibilizar o Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-Escolar (para o ensino básico e secundário já existiam Cadernos de Educação Financeira).

Explica-se, muito naturalmente, no texto de apresentação que o documento surgiu "no âmbito de uma parceria entre o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) e quatro associações do setor financeiro (Associação Portuguesa de Bancos, Associação Portuguesa de Seguradores, Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios e Associação de Instituições de Crédito Especializado)
 
Não é estranho, portanto, para o Estado constituir uma parceria com entidades financeiras. Sobre isto já me pronunciei por diversas vezes neste blogue, mas não deixo de me surpreender com cada passo que é dado na ampliação e consolidação desta e de outras parcerias congéneres.

Abro o documento: são 96 páginas!
 
Exploro a estrutura: até certo ponto (p. 26) um texto, que se pretende enquadrador, denso, salpicado de referências bibliográficas (onde não faltam as da OCDE) que lhe conferem patine científica. A partir desse ponto, a referência aos temas e sub-temas que constam no Referencial de Educação Financeira e propostas de implementação (p. 32 e seguintes) e a apresentação e análise de projectos (p. 49 e seguintes).
 
Avanço para a leitura, mas passados poucos parágrafos desisto! Rediz-se o que é dito e redito até à exaustão nos documentos que indiquei em texto anterior e que conheço bem. Já fiz esse esforço (e que esforço!) de decifração e de interpretação, dispenso-me de o continuar.

Regresso à realidade e a realidade é muito simples: este documento destina-se a operacionalizar, a partir das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, o que se designa por "educação financeira" de crianças dos três aos seis anos de idade! E, pela capa, aqui reproduzida ao lado, percebe-se que sentido ela tem. Tão feliz que está o menino e a menina a brincar com a moeda oficial!
 
Sendo referida na bibliografia a Convenção sobre os Direitos da Criança (2019), seria de esperar que as entidades e autoras lhe tivessem prestado a devida atenção, nomeadamente no que respeita à dignidade humana, que toca as crianças de modo muito particular dada a sua particular vulnerabilidade, a formas, como as que estão em causa, de conduzir a vida pessoal naquilo que só às pessoas diz respeito.

terça-feira, 6 de maio de 2025

A "FILOSOFIA DE BUFFETT" NO SISTEMA DE ENSINO PÚBLICO PORTUGUÊS COM VISTA À "PRODUÇÃO" DE UMA GERAÇÃO DE EMPREENDEDORES FINANCEIROS

 
Revisito, no sítio online da Direção Geral da Educação, os materiais disponíveis para a "Literacia Financeira", que, aliada à "Educação para o Consumo" ("literacia" e "educação" são usadas indistintamente ainda que, como é óbvio, não signifiquem a mesma coisa), constituem uma das dezassete domínios da área curricular agora designada por "Cidadania e Desenvolvimento". 
 
No respeitante à "Literacia/Educação Financeira", a tutela disponibiliza os seguintes documentos/núcleos de documentos: "Plano Nacional de Formação Financeira", "Princípios Orientadores das Iniciativas de Educação Financeira", Referencial de Educação Financeira", "Cadernos de Educação Financeira", "Boas Práticas", "Recursos Pedagógicos", acções de "Formação" para Professores, "Notícias e eventos", "Projetos e iniciativas", e "Recursos Pedagógicos". 
 
Em destaque, na rubrica "Recursos" está uma "actividade de pesquisa e debate" intitulada "Quem foi Warren Buffett?". Desconhecendo quem é Warren Buffett fui, como se recomenda aos alunos, "pesquisar". É um self made man americano que cedo, ainda criança, revelou talento para fazer negócios. Enriqueceu, tornou-se multimilionário, um dos maiores do mundo. Como é normal, tornou-se filantropo, também um dos maiores do mundo (doará 99% da fortuna para causas que determinou em carta). É autor de obra considerável. Como Enriquecer na Bolsa com Warren Buffett, é um dos seus livros, que já teve doze edições em Portugal.
Warren Buffett é o que é: um empreendedor financeiro como poucos.

A questão que devemos, que temos obrigação de colocar é se, nas escolas públicas, exemplos de sucesso de empreendedorismo financeiro devem ser apresentados aos nossos jovens para que (como mencionei no texto anterior, que acima refiro) elas não conheçam outra possibilidade de existência e, acrescento agora, sem crítica sobre valores como sejam, por exemplo, a justiça distributiva.
 
Na verdade, esta "actividade", apresentada por uma entidade designada por Genially para ser "consumida" por professores, levará os alunos a conhecer as estratégias e a pertinência da "filosofia de Buffett" com vista à sua "aplicação no mundo real".

Como bem assinalou o leitor Rui Ferreira, com palavras retiradas da entrevista a Alain Supiot, "sobre o que é justo, há um problema". Era esse problema que deveria ser levado para a escola pública no âmbito da Educação para a Cidadania.

Nota: Estando Warren Buffett vivo, o tempo verbal usado no título da actividade será um engano?

domingo, 4 de maio de 2025

"COLONIALISMO DIGITAL". OS SERES HUMANOS COMO "PRODUTOS" APROPRIADOS POR EMPRESAS

Vale a pena também ver na RTP Play o documentário com o título Justiça Artificial: Justiça na Era do Colonialismo Digital, assinado por Simón Casal de Miguel (aqui). Reproduzo as intervenções que me parecem melhor esclarecer a expressão colocada em subtítulo: Colonialismo Digital.

21:00. Markus Gabriel (Filósofo, Universidade de Bona, Alemanha). Se usarmos um motor de pesquisa (…) estamos a fornecer dados a uma empresa porque as nossas acções deixam rastos (…). São acções que têm valor económico porque quantos mais dados a empresa tiver mais previsíveis somos nós e todos os semelhantes a nós.

22:00. Nick Couldry (Cientista da comunicação e sociólogo, London School of Economics and Political Science, Reino Unido). Esta mudança no marketing funciona utilizando toda a vida como um meio de produção eficiente a para a geração do lucro. É uma reinvenção estrutural da relação do capitalismo com o mundo.

22:34. Luciano Floridi (Filósofo. Universidade de Oxford, Reino Unido. Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Estamos a assistir à maior experiência social de sempre na nossa História (…). Empresas que governam as nossas vidas [e] de forma cada vez mais profunda desempenham funções sociais nas nossas vidas.

22:59. Nick Couldry. O que acontece com os dados em grande escala (…) não se prende apenas com a continuidade do capitalismo. Pelo ano 1500, talvez um pouco mais cedo, Espanha e Portugal fizeram uma descoberta avassaladora. Descobriram algo chamado, ou a que chamaram, Novo Mundo, lugares diferentes onde havia outras pessoas com vidas prósperas mas que eles não conheciam e que tinham uma abundância de ouro, prata e outros recursos. Isso deu origem a um período de 50 anos de ponderação, particularmente na corte espanhola, sobre a importância disto, o que se poderia fazer dali com aquela oportunidade incrível. Desenvolveu-se gradualmente a ideia, uma espécie de colonialismo racional. O território, o ouro e a prata neste território e a mão de obra necessária para a sua extração estavam ali mesmo à mão de semear da Europa. Era assim o colonialismo original [cuja] essência era o simples acto de apropriação de ser uma parte do mundo a ficar com tudo, de dizer: «Isto pertence-nos. Não é vosso, é nosso». Defendemos que há um momento histórico de proporções parecidas a decorrer neste momento. Mas agora acontece que há um novo bem para possuir. Esse novo bem são os seres humanos, as suas potenciais experiências, as suas vidas interiores, os padrões que se observam na actividade que têm no mundo. É esse o novo mundo que tem à disposição.

22:45. Luciano Floridi. Desde o sistema de saúde ao mercado de trabalho, desde a educação à segurança, nomeadamente à cibersegurança, a presença destas empresas é notável.

24:45. Nick Couldry. (...) se o objectivo estratégico é introduzir a possibilidade de influência em todas as nossas interacções incluindo as mais íntimas existe uma possibilidade de influência. Isto transtorna o próprio conceito de liberdade (…). Só existe uma razão para capturar dados: a discriminação. É a distinção entre A e o que não é A, o que pertence e o que não pertence a uma categoria. A função dos dados é essa, dividir o mundo. É para isso que servem, têm de categorizar e discriminar.

27:09. Gry Hasselbalch (Chefe de investigação de Ética de Dados, Conselho de Especialistas de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da UE). Ao dividir em caixas e categorias demasiado rígidas a vida e os destinos, tudo o que está entre os limites fica de fora. Quando há um sistema demasiado rígido a tentar prever tudo, que tenta controlar a nossa vida e torna-la mais eficiente só conseguimos ver na realidade o que pode ser útil. Assim é a inteligência automática (…). Penso que esse é o principal problema dos sistemas de inteligência artificial (…) Perdemos todas as oportunidades de agir com espírito crítico. Se houver alguém que contrarie a cultura e o sistema em vigor, o percurso previsto das coisas.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

ACERCA DA DIGNIDADE HUMANA NO TRABALHO

Vale a pena ver na RTP Play (aqui) a entrevista com o título O trabalho não é mercadoria, que a historiadora Raquel Varela fez a Alain Supiot, especialista em filosofia do direito e direito social e do trabalho. Reproduzo três breves extractos:

01:03 "... considerar o trabalho como uma mercadoria é algo muito recente na história do trabalho. Surge com o capitalismo (...) – e isto foi o grande economista Karl Polanyi que o explicou – tratar como mercadorias três coisas que não são mercadorias: o trabalho, isto é, os seres humanos, a terra e a moeda (...). São ficções jurídicas que pressupõem, para serem defensáveis, que exista um direito ambiental que proteja a natureza, um direito do trabalho que proteja os seres humanos e uma legalidade monetária que garanta o valor da moeda. Na maior parte da História, o trabalho não é considerado uma mercadoria. Havia homens livres que viviam da venda do produto do seu trabalho e havia os escravos considerados eles próprios uma mercadoria."

39:26. "O neoliberalismo é o último avatar do cientismo. É a ideia de que haveria uma ordem espontânea no mercado que é preciso impor em todo o planeta e então surgirá a melhor justiça possível. E todas as tentativas dos seres humanos para questionar se é justo ou não, só irão entravar o bom funcionamento espontâneo, homeostástico da sociedade (...). Donde, a necessidade de restringir a democracia. Isto é claro nos autores neoliberais. O grande historiador do neoliberalismo é Quinn Slobodian que escreveu um belíssimo livro sobre ele. E eles estão todos de acordo ao dizer que a democracia não pode perturbar a distribuição das riquezas do trabalho porque isso é feito espontaneamente nas melhores condições possíveis pelo mercado. É por isso que foram admiradores de Pinochet, ou seja, de um sistema onde não existe essa perturbação. Hayek, que é uma das grandes figuras da economia neoliberal, para descrever o papel dos governos utiliza uma imagem muito eloquente: são como os relojoeiros que lubrificam os mecanismos do relógio. Isto é, o relógio funciona sozinho e o governo deve velar para que o mercado funcione por si só. Evidentemente, trata-se de uma miragem que produz injustiças e a injustiça produz sempre violência."

50:26. "Os nazis falavam de material humano e Estaline de capital humano. Estamos aqui numa espécie de cientismo que vê os seres humanos como matéria-prima e que é cego perante as questões antropológicas do trabalho. Por conseguinte, é preciso sair disso... Vou citar o Preâmbulo da Constituição da OIT [Organização Internacional do Trabalho] estabelecendo um regime de trabalho verdadeiramente humano (...) que permita a cada um incorporar uma parte daquilo que é naquilo que faz. Tanto Estaline como Hitler consideravam aqueles que metiam nos campos como escravos destinados à morte (...). Simone Weil diz, e muito bem, que é a projeção sobre o trabalho humano da noção física de força. Só vemos neles uma força que podemos dominar."

O Primeiro 1º de Maio

Por A. Galopim de Carvalho

Sete dia antes, Portugal inteiro saíra à rua, conhecidos e desconhecidos abraçavam-se, nos olhos havia sorrisos e lágrimas da alegria. Vitoriavam-se os militares que haviam posto fim a meio século de estúpido sufoco. Foram sete dias e sete noites de festa espontânea e verdadeira “O povo está com o MFA” e “O povo unido, jamais será vencido” ouviam-se por todo o lado. Os homens e as mulheres da minha idade (eu tinha então 43 anos) estávamos na fase mais pujante das nossas vidas quando fomos apanhados por este extraordinário o feliz acontecimento. 
 
Ninguém revelou o mais pequeno apego ao regime acabado de cair, no qual era suposto terem sido moldados. Não se viu um gesto nem se ouviu uma palavra em sua defesa. A injecção de ideologia salazarista que, como eu, receberam na Mocidade Portuguesa, não surtiu qualquer efeito. O ditador falecera quatro anos antes e, com ele, a filiação obrigatória na já então defunta organização da juventude do Estado Novo. Em termos que se visse, a Mocidade Portuguesa não fez nem os homens nem as mulheres que Salazar sonhou. Sentia-se que o país era nosso.

A fraternidade e a solidariedade pareciam ir desabrochar como os cravos de Abril. Mas foi Sol de pouca dura. Já o disse e direi tantas vezes quantas as necessárias, que a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 51 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se sistematicamente de uma numerosa parcela deste povo, a raiar a miséria ou a viver dentro dela; a comer, cada vez em maior número, do Banco Alimentar Contra a Fome e de outas organizações de solidariedade social; sem habitações condignas para viver e a desanimar de esperas ao frio e à chuva, noites a fio, nas filas dos Centros de Saúde ou a morrer nas urgências dos hospitais ou à porta delas, nas ambulâncias. Classe política que tem vindo a perder preocupações pela ciência e pela cultura, que mantém uma justiça para ricos, à margem de outra para pobres e um sistema de educação que falhou redondamente.

Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo, a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a história já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas. Estes, que não fizeram um gesto ou proferiram uma palavra em defesa do regime que caiu de podre, disfarçaram-se e abrigaram-se, depois, à sombra dos partidos de direita, legalizados, e esperaram, calados, até o momento em que os sucessivos erros dos políticos que nos têm governado e a Liberdade, lhes abriram portas e janelas e ei-los a somar os votos de uma população que se sente traída face às promessas daqueles dias radiosos.

Há 51 anos vivi intensamente esse dia, no trajecto do Marim Moniz à Alameda D. Afonso Henriques e no estádio da então FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), onde Mário Soares e Álvaro Cunhal, lado a lado, falaram para mais de cem mil manifestantes e helicópteros militares despejaram sobre eles braçadas de cravos.

Quem viu a manifestação do passado dia 25, na Avenida da Liberdade diz-me que há uma passagem de testemunho em curso, estampada nos rostos e cartazes de muitos jovens que estão a tomar a Liberdade nas suas mãos. Quero acreditar que assim seja e isso deixa-me feliz. Diz me, ainda, que eles eram a maioria dos presentes, e que os presentes eram muitíssimos.

Vamos, pois, acreditar que “O povo unido nunca mais será vencido!”

quinta-feira, 1 de maio de 2025

PARA UMA HISTÓRIA DA MINERALOGIA, NUMA CONVERSA FICCIONADA DO AUTOR COM D. JOÃO III

Por A. Galopim de Carvalho

(Do meu livro Conversas com os Reis de Portugal - Histórias da Terra e da Vida, Ancora Editora, 2013)


- Soube que estavas aqui e tenho uma série de questões que gostaria que me ajudasses a esclarecer. São questões no domínio da mineralogia.
- Se eu souber, tenho todo o gosto em vos ser útil.
- Percorro muitas vezes os mais variados departamentos e serviços desta Universidade que ainda considero como minha. Ultimamente tenho-me detido mais tempo e com particular atenção na esplêndida sala de mineralogia do Museu Mineralógico e Geológico, no antigo Colégio de Jesus. Os minerais expostos encantam-me pela beleza dos seus cristais, dos seus brilhos e cores. Fiquei, assim, curioso em saber mais sobre eles, sobre a natureza e a utilidade destas dádivas da criação. Sou hoje um curioso obsessivo acerca da história do que quer que seja. Das civilizações, das artes, das tecnologias, das coisas, em geral. De momento, estou interessado em seguir os passos que conduziram ao conhecimento que actualmente temos dos minerais.
- Desde os tempos mais remotos que os minerais despertaram a curiosidade e o interesse dos nossos antepassados. – Iniciei eu o discurso que me pareceu mais adequado ao interesse do monarca. – A utilização intensiva do sílex, do quartzo, da calcedónia, da obsidiana ou vidro vulcânico na feitura de utensílios vários e de objectos de adorno e votivos, permite-nos concluir que o homem pré-histórico os procurou sistematicamente e que, portanto, lhes dispensou tratamento racional, ainda que rudimentar. A manufactura de objectos de ouro, cobre, bronze e ferro mostra que as primeiras civilizações, prospectaram, exploraram e transformaram os correspondentes minérios. Os pigmentos minerais usados nas pinturas rupestres do Paleolítico superior, ou sobre os corpos dos seus protagonistas, permitem conclusão idêntica. Mesmo antes de terem nome já muitos minerais eram conhecidos e procurados pelas suas utilidades.
- Acho que encontrei a pessoa certa para conversar sobre este assunto. – comentou D. João III, satisfeito com esta introdução, o que me encorajou a subir o nível da exposição.
- A primeira obra escrita visando a mineralogia, de que temos conhecimento, – continuei - é um Tratado sobre as Pedras e foi escrito por Teofrasto, filósofo grego do século III antes de Cristo. Devemos a este discípulo de Aristóteles a primeira classificação mineralógica, baseada nas respectivas utilidades. Nesta classificação distinguiu, sobretudo, minérios, pedras preciosas e pigmentos. Há, no entanto, que ter em conta um longo caminho percorrido pelas civilizações que o precederam, no domínio do conhecimento das substâncias, das suas natureza e constituição. Em Roma, no século I, Plínio, o Velho, uma das vítimas da histórica erupção do Vesúvio, tem lugar de destaque através da sua “História Natural”. Nesta obra monumental, em 37 volumes, o autor retoma Teofrasto e volta a falar de minérios, pigmentos e gemas, uma outra maneira de dizer pedras preciosas.
- E a alquimia, de que tanto se fala, qual foi o seu papel nesta caminhada?
- Podemos dizer que a mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a alquimia, numa prática e numa atitude trazidas pelos árabes, seus cultores, sob a designação de Al kimia, ou ”pedra filosofal”. Esta expressão encerra um conceito carregado de sabedoria, nem sempre devidamente apreciado. É necessário lembrar que todo este saber vem da Antiguidade, com destaque para a chinesa, a babilónica, a hindu e a egípcia, através da tradição popular e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos. Os alquimistas desenvolveram a Polypharmacia, uma actividade onde se experimentavam, entre outros, processos como combustão, sublimação, dissolução e precipitação e que, de mistura com outros procedimentos fantasiosos à luz do conhecimento actual, deram nascimento, não só à química como à mineralogia.
- Quer dizer que a mineralogia tem aí as suas raízes?!
- Exactamente. Foi, de facto, no seio da alquimia que a mineralogia cresceu, deixando para trás muitas das concepções fantasistas e místicas dos escolásticos. Mas só cresceu e se afirmou como disciplina científica no decurso dos séculos XVIII e XIX, a par da química, fazendo-a progredir e tirando dela o essencial do seu próprio aprofundamento como ciência de acentuada organização sistemática. A partir da 2ª metade do século XVI e na sequência dos trabalhos de Agricola, os alquimistas começaram a dividir-se por duas correntes.
- É do meu tempo esse Agricola. Foi também um notável médico alemão, de nome Georg Bauer. Mas, desculpa a interrupção, ias referir as duas correntes em que se dividiram os alquimistas.
- Uma delas preconizava explorar a natureza das coisas, caminhando no sentido da química científica. A outra cultivava uma atitude fantasista e extravagante, em busca da pedra filosofal, responsável pela imagem negativa que, injustamente, tem sido divulgada em torno da alquimia e dos alquimistas. Esta outra corrente teve como resultado retardar o avanço da química e, consequentemente, da mineralogia, disciplinas que, como disse atrás, só começaram a ganhar foros de ciência a partir do século XVIII.
- E o que é que me podes dizer sobre os lapidários?
- Eram manuais de medicina e magia plenos de descrições de minerais e pedras, entre as quais muitas meramente fantasiosas. Sei que surgiram e se desenvolveram durante a Idade Média. Inicialmente manuscritos e, portanto, de divulgação limitada, passaram a ser impressos a partir da descoberta da Imprensa, no século XV.
- O meu mestre Tomás de Torres tinha um lapidário, mas confesso que, na altura, não me despertou grande curiosidade.
- O avanço do conhecimento deu lugar a obras escritas com preocupações de rigor científico, ao nível do possível na época, entre as quais a do italiano Ulisse Aldrovandi, no século que se seguiu ao vosso. Por causa dessa obra, este mestre da Universidade de Bolonha foi alvo de forte perseguição por parte do Santo Ofício.
- Hoje envergonho-me dessas perseguições, muito encorajadas pelo espírito retrógrado da Contrarreforma que dominou Portugal.
- Na mesma época, – continuei – o dinamarquês Nicolau Steno, sem qualquer oposição dos guardiões da Fé e do saber antigo, revelava haver constância nos valores dos ângulos entre faces homólogas nos cristais de quartzo. Trata-se de um pequeno, mas decisivo passo que abriu portas ao estudo dos cristais e, consequentemente, dos minerais. Deve dizer-se que a Inquisição mostrava alguma tolerância pelas investigações de pendor matemático e geométrico que não questionassem os princípios dogmáticos da Divina Génese. Tal não sucedeu, por exemplo, com o químico inglês Robert Boyle, na segunda metade do século XVII, conhecido no mundo científico por ter inovado o conceito de elemento químico. Na visão do poder eclesiástico, este conceito punha em causa o saber escolástico e os fundamentos tidos por intocáveis. Assim, este conceito de elemento químico teve de esperar cerca de um século para ser divulgado e, finalmente, aceite.
- Diga-se também, em abono da verdade, que foi no seio da Igreja que surgiu Inácio de Loyola e a Companhia de Jesus, contrariando uma postura tradicional da Santa Sé com a criação, entre muitas outras realizações, do que ficou célebre Colégio Romano, considerado na época uma instituição científica de vanguarda.

PERANTE SITUAÇÕES DE CRISE, UM SERVIÇO NACIONAL DO NUMERÁRIO COMO SERVIÇO DE INTERESSE GERAL

Tomamos a liberdade de reproduzir este texto, gentilmente enviado pelo Professor Mário Frota, Mandatário Nacional da Denária Portugal.

O dinheiro em espécie – as notas e moedas com curso legal - constitui declaradamente:

um símbolo da soberania nacional;
um direito fundamental dos cidadãos;
um serviço de interesse geral na titularidade do Banco Central (?).
Milhões de cidadãos se viram impedidos de realizar pagamentos através dos meios digitais em razão do colapso das redes eléctricas e das quebras sistemáticas das comunicações electrónicas durante o período em que o País esteve privado de energia eléctrica em razão de um fenómeno cujas causas ainda se acham por apurar. O que impediu recorressem aos terminais nos pontos de venda, às aplicações móveis ou aos ATM’s.

O dinheiro em espécie foi, com efeito, a alternativa residual e, a todos os títulos, efectiva, na circunstância.

O facto revelou a manifesta fragilidade do sistema digital e reforçou a convicção de que só o ‘dinheiro em espécie’ – o papel moeda com curso legal – é susceptível de acudir aos cidadãos em circunstâncias tais.

A DENÁRIA, atenta a tais fenómenos e em obediência ao seu projecto programático, entende – na esteira de congéneres suas, na Europa - exigir dos poderes públicos a constituição de um autêntico SERVIÇO NACIONAL DO NUMERÁRIO, como serviço público essencial, ou seja, um serviço de interesse geral, disponível nos quatro cantos do território nacional.

O Parlamento terá de considerar o ‘dinheiro em espécie’ como uma infra-estrutura crítica nacional, em linha com as directrizes a que se sujeitam a segurança e a resiliência dos serviços públicos essenciais de que o Estado é, perante os cidadãos, primordial garante.

Trata-se, com efeito, de um tema relevante no domínio da segurança nacional e como garantia de direitos fundamentais em que os cidadãos se acham investidos.

O ‘dinheiro em espécie’ tem de estar acessível e protegido a todo o transe.

O ‘dinheiro em espécie’ tem de estar disponível em todo o Território Nacional, impondo-se o reforço da deficiente infra-estrutura das Caixas Automáticas de Distribuição de Numerário (ATM), em particular nas zonas rurais mais deprimidas ou com uma fraca densidade de implantação de instituições de crédito.

Urge que o Estado chame a si a realização de Campanhas de Consciencialização dos Cidadãos em torno da relevância do ‘dinheiro em espécie’, como reserva estratégica nacional e no quadro das reservas patrimoniais pessoais, a título de prevenção contra surpresas como as que vêm ocorrendo ultimamente com os efeitos perniciosos que se conhecem.

Conquanto o Parlamento haja sido dissolvido e o Governo permaneça em gestão, a situação é tão premente que urge se preparem os instrumentos indispensáveis a que se consagre, sem detença, o que ora se preconiza em letra de lei.

Um Serviço Nacional do Numerário com a relevância que um tal direito fundamental representa é um passo decisivo para a consideração do ‘dinheiro em espécie’ como algo de nuclear no actual congenho e de futuro.

Mário Frota
Mandatário Nacional da Denária Portugal

ESSE (ANTIGO) HOMEM FUTURO

Parece que a "imaginação artificial" será um avanço da "inteligência artificial", disse-me alguém que me enviou o artigo...