sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Toda a Física Divertida: recensão por João Lopes dos Santos na Brotéria

Recensão de João Lopes dos Santos ao meu livro Toda a Física Divertida ( Gradiva , 2024), publicado na Brotéria:

Diz-se que, para matar a conversa num evento social, nada melhor do que anunciar-se como físico teórico. As pessoas atribuem-nos logo elevada inteligência e pouco interesse. A parte do “pouco interesse” não aconteceria, de certo, ao autor dos dois livros “Física Divertida” e “Nova Física Divertida”—em boa hora agora reeditados num único volume—, o físico teórico Carlos Fiolhais.

Porque Carlos Fiolhais é um exímio contador de histórias. Cada um dos nove capítulos que compõem este volume, Carlos Fiolhais conta uma ou várias histórias. Mesmo quando fala de Física e não de físicos, dos seus sucessos e fracassos, das suas vidas, ou da relação que tiveram com Portugal, Carlos Fiolhais conversa. Não espere o leitor aquela prosa fastidiosamente precisa, despojada de emoção e de humor, inodora e incolor, com que tantos peritos e professores nos brindam quando lhes pedem para explicar algum fenómeno ao público. Se quiser saber o que esperar destes dois livros, imagine-se a conversar longamente com alguém que ama o assunto de que fala, que o conhece com profundidade e abrangência enciclopédica e está ansioso para partilhar o seu entusiasmo com o ouvinte.

Mas não conclua que Carlos Fiolhais escreve como fala. Num dos livros citados por Carlos Fiolhais, as “Feynman Lectures on Physics”, que além de Feynman tem mais dois co-autores, lê-se que passar à escrita as lições orais de Feynman foi um processo editorial de grande magnitude. Apesar disso, quem lê as “Feynman Lectures” ouve Feynman a falar. O mesmo acontece nestes livros, em que o autor usou muitas das inúmeras palestras que deu em escolas de todo o país. Carlos Fiolhais escreve muito bem, com uma prosa escorreita e refletida, que em muitas passagens exige atenção e releitura, porque a física que expõe o requer e não é divertida por ser fácil, mas sim porque quem a comunica o faz com graça, humor, sem pretensiosismo, transformando o quotidiano, recorrendo a analogias, metáforas, imagens: “V. Exa. quer o café aquecido com trabalho ou calor?”. Não hesita mesmo a personalizar os objetos físicos: luas malucas, eletrões que tocam campainhas e não são promíscuos, ao contrário dos bosões, fotões, “soluços” de luz, que dão pancada nos eletrões, são apenas alguns exemplos da linguagem desinibida de Carlos Fiolhais, com que se casam, em união feliz, os geniais desenhos de José Bandeira.

De que fala “Toda a Física Divertida”? Se não de “toda” pelo menos de muita física e não só. Nos seis primeiros capítulos (“Física Divertida”), três são da área da Mecânica Clássica, um dedicado à Luz, outro ao Eletromagnetismo e o último à Termodinâmica (ou na designação de Carlos Fiolhais ao “Calórico e às Máquinas de S. Nunca”. A “Nova física Divertida” tem três capítulos: “A Paradoxal Física Quântica”, a “Fantástica Relatividade” e “Dos Núcleos às Estrelas”.

Como é de esperar num livro desta natureza, as histórias deixam muitas interrogações, traçam um quadro impressionista dos assuntos, com grossas pinceladas que estimulam o desejo de saber mais, a quem é vítima da mesma “curiosidade apaixonada” pelo mundo que motivou a vida de Carlos Fiolhais. Em cada capítulo o autor vai muito mais longe nas implicações dos assuntos que discute do que é habitual nos textos universitários de Física, evidenciando sempre os problemas em aberto, mesmo em áreas com décadas ou centenas de anos de estudos; nesta reedição pôde abordar vários desenvolvimentos da Física, e sobretudo das suas aplicações, posteriores às datas das edições originais (1990 e 2006).

Na vastidão de assuntos que toca num volume relativamente breve, seria difícil não deixar escapar uma ou outra subtileza. Por exemplo, quando o autor refere que o movimento de um automóvel o encurta (verdade) e quanto mais rápido se mover, melhor caberá num curto túnel, esquece-se de chamar a atenção que, para o condutor do automóvel, é o túnel que fica mais curto!

Um lapso mais óbvio (o único que encontrei) é que não foi Voltaire que defendeu que vivemos no melhor dos mundos, mas sim Leibniz, crença que Voltaire parodiou no seu “Candide”.

As histórias contadas à volta da Física, os amores e desamores dos protagonistas, as passagens da sua correspondência, as citações de textos literários, as relações e as referências de físicos proeminentes a Portugal são um dos ingredientes que mais cor dão a estes livros. É impressionante o conhecimento enciclopédico do autor. Ficamos a saber, entre muitas outras curiosidades, que Kepler afirmou que não se coibiu de escrever sobre os seus fracassos porque os Portugueses, nos descobrimentos, também o fizeram; que Einstein (em 1925) achou que Lisboa dava uma impressão “maltrapilha mas simpática”; que um padre português, Teodoro de Almeida, escreveu no século XVIII uma obra em 10 volumes em que expôs e defendeu as ideias de Newton. Aliás se o leitor ficou com impressão que Carlos Fiolhais apenas passou à pena as inúmeras palestras que deu em escolas de todo o país, consulte a extensíssima bibliografia destes dois despretensiosos livros para perceber a origem da erudição do seu autor.

Carlos Fiolhais termina assim este volume:

O que se pode desde já prever — e eu vou apostar, contrariando um conselho da minha avó— é que, graças aos avanços da ciência e da tecnologia, o século XXI vai ser tão diferente do anterior pelo menos quanto o anterior foi daquele que o antecedeu.

Vai, portanto, haver muito mais Física Divertida para o autor nos contar. Mas para já, passe-se umas boas e agradáveis horas na companhia de “Toda a Física Divertida”.

Porto, 13 de Outubro

João Lopes dos Santos

1 comentário:

Anónimo disse...

A propósito da chalaça termodinâmica "V. Ex.a quer o café aquecido com trabalho ou calor?", lembro os conselhos que me deram, já lá vão uns anos, no meu ano de estágio de professor de física, sobre a importância do rigor da linguagem científica. Os alunos muitas vezes são educados em ambientes familiares pouco cultos, onde palavras como calor ou velocidade, por exemplo, são usados de uma forma vulgar, o que leva a conceções alternativas na explicação de fenómenos físicos, com as quais os professores de ciências não podem pactuar.
Numa tarde escaldante de Verão, um aluno não pode dizer "estou cheio de calor"; se for bom aluno, deve dizer "estou cheio de energia em trânsito". Também não se deve dizer "o comboio atingiu a velocidade de 120 km/ h"; o que está correto é dizer "o comboio atingiu a rapidez de 100 km/ h". A maioria do povo não sabe, mas a velocidade é uma grandeza vetorial.
Se aprendi na Física séria que o calor é a energia em trânsito, não tenho dúvida que "Toda a Física Divertida" vai ser uma alegria.

Boas festas!

QUEM NÃO É FELIZ QUE TRATE DE O SER E DEPRESSA!

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