quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A FIGURA DO “DUPLOPENSAR” NA NARRATIVA DA EDUCAÇÃO DO FUTURO

A "narrativa" que apresenta e dá forma à dita "educação do futuro", integra múltiplas figuras retóricas que levam um leitor ou um ouvinte desprevenido a aderir, no imediato, à mensagem a veicular, a defendê-la, se for preciso. Não é de admirar: foi concebida - em geral, num plano supra-nacional - exactamente com esse propósito. 
 
Acontece que a educação escolar não pode dispensar o exercício da crítica que, nos moldes académicos, implica conhecimento escrutinado e honestidade intelectual. Na esteira de Karl Popper, não pode substituir o “racionalismo crítico” pela “aceitação dogmática”.
 
Por isso, temos estudado algumas das referidas figuras, sendo uma delas o “duplopensar”. Sim, o “duplopensar” de George Orwell: ardil da “novilíngua” que leva a aceitar duas ideias diametralmente opostas. A figura  requer especial habilidade no entrelaçamento de certa ideia e da sua contrária, de modo a ganharem-se adeptos que, por princípio, discordariam entre si
 
Sobre o assunto, e usando o exemplo da transição digital, escrevemos um artigo que foi publicado pela revista Sisyphus e que pode ser lido aqui. Eis o seu resumo:
"A transição dos recursos educativos do suporte de papel para o suporte digital está em curso em diversos países, tendo sido acelerada pela pandemia covid-19. Nos discursos de organizações internacionais e de instâncias políticas nacionais que a apresentam, é possível apurar uma dupla tendência: por um lado, fazem sobressair o imperativo da inovação tecnológica, na qual se reconhecem vantagens de diversa natureza; por outro lado, registam vários problemas dela derivados, sobretudo para a aprendizagem, que estudos dignos de confiança confirmam. É neste “duplopensar” que, no presente artigo, se analisa a dita transição, tendo sobretudo por referência a realidade portuguesa e europeia."
Maria Helena Damião e Cátia Delgado

3 comentários:

Rui Ferreira disse...

Reconheço o artigo como uma leitura obrigatória. Mesmo.

"Recorrendo à linguagem orwelliana, que nos ajuda a interpretar o fenómeno, estamos
perante um caso paradigmático de “duplopensar”, mas tão habilidoso e aperfeiçoado que,
num mesmo discurso, verbal ou escrito, certa ideia e a sua contrária entrelaçam-se de
maneira que a distopia passa por utopia."

Eugénio Lisboa disse...

E sempre bom ter Orwell à mão de semear. O seu "espírito de cristal", pouco amigo da mentira e do enviesamento, ainda consegue fazer mau sangue aos que preferem usar o dogma, sempre mais vistoso. Orwell é o inimigo jurado de todas as autocracias intelectuais. Bem haja, por no-lo lembrar.
Eugénio Lisboa

Anónimo disse...

Este "duplopensar" tomou conta das nossas escolas C+S. O foco no ensino/aprendizagem ainda se mantém no discurso politicamente correto das autoridades educativas, mas, simultaneamente, essas mesmas autoridades vão despejando milhões de euros na implantação das escolas ubuntu por todo o território. Elas querem partir a espinha dorsal dos que ensinam e dos que aprendem cultivando o espírito crítico. Há que agir hipocritamente quando se pretende que os professores não ensinem para que os alunos deixem de aprender. Então, exige-se ao professor que, na correção de uma simples alínea de um teste, ele discrimine, às centésimas, as cotações obtidas pelo aluno nos domínios do conhecimento, da resolução de problemas e da comunicação, por exemplo. Se o professor não obedecer a estes dogmas de avaliação, sujeita-se a ser alvo da fúria de alunos, pais, encarregados de educação e conselheiros pedagógcos que exigirão no mínimo uma reparação na forma da atribuição de uma nota elevada. Já não interessa nada se o aluno aprendeu ou não, o que interessa é prender o professor a grelhas estúpidas, sem autonomia, nem tempo para ensinar. É evidente que esta sanha persecutória no campo das avaliações terminará quando todos os testes forem por cruzinhas e feitos em computador, dispensando a correção dos professores. Entretanto, quem manda é hipocrisia do "duplopensar" , passe a redundância. Muitos professores acatam, e não atacam, os dogmas que sorrateiramente as autoridades lhes impõem

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