Um professor de Direito Constitucional da Universidade de Múrcia, Germán M. Teruel Lozano, publicou, no passado dia 3, um texto no jornal online «La Verdad« (ver aqui) sobre o que a universidade deveria ser e o que ela é. Trata-se de um texto lúcido que, por isso mesmo, preocupa, mas, ao mesmo tempo, apresenta uma réstia de esperança: nem todos os professores desistem da ideia de universidade e da aula como "espaço de desconexão digital (...), uma ocasião para alunos e professores interagirem, olhando-se nos olhos, sem ecrãs pelo meio".
A universidade não é um centro de educação superior qualquer. Uma das suas especificidades é que deve instruir num saber, numa disciplina do conhecimento que poderá ser útil para um ofício, mas o seu objecto não é formar profissionais. Na Faculdade de Direito não se formam advogados, nem juízes, nem notários, mas juristas. Para isso, deverão transmitir-se uns conhecimentos e formar numas competências básicas (pensamento crítico, dominar uma linguagem técnica e exprimir-se com correcção, saber argumentar...).
Além do mais, a universidade é também um laboratório de conhecimento, nela faz-se ciência. Não é um museu nem, tão pouco, um lugar onde só se dá instrução aos jovens. Segundo Ortega a universidade deve aspirar a consagrar-se como um «poder espiritual» da sociedade. Face ao mundo actual, frenético, intoxicado pelas urgências, pelos acontecimentos e pelo imediato, a universidade deve oferecer serenidade e reflexão, rigor.
Aqui não valem as zascas* nem a cultura da «influência» ou do sujeito que tudo opina e nada sabe. Há que fugir do charlatão, apostar no estudo, indagar os porquês, as razões que sustentam as nossas ideias. E, para todas elas, a universidade deve ser um espaço de liberdade. Daí que ser universitário é um autêntico privilégio e, portanto, uma responsabilidade. «Non studiamus scholae sed vitae», não se vai para a universidade estudar para a nota, mas para a vida, sentenciava um grafiti na Universidade de Salamanca no século XVI.
Pois bem, a realidade deste ideal de universidade vê-se hoje mais difícil, por diversas razões, entre elas gostaria de referir três. As duas primeiras como consequência de carências do nosso sistema educativo, que os alunos trazem consigo quando chegam à universidade e mesmo depois de passar por ela.
Como professor de Direito, a carência mais grave que detecto é no âmbito da leitura e da escrita. Encontramos alunos que têm sérias dificuldades em compreender um texto minimamente complexo (...) e ainda mais de escrever um texto que vá além do copiar e colar. Além disso, não têm interiorizada a importância de procurar fontes fiáveis de informação, restringindo-se às que o google lhes põe à frente.
Outra importante carência situa-se no âmbito da cultura humanista. Se estamos integrados numa civilização é, precisamente, porque partilhamos um marco cultural e de pensamento comum que nos serve para ver o mundo com sentido crítico. A história, a filosofia, a literatura ou a cultura clássica são imprescindíveis para isso e, no entanto, encontram-se cada vez mais afastadas. Ora, o universitário deve olhar para o que estuda para contemplar e analisar a actualidade.
Por fim há que destacar os perigos implicados no mundo digital numa dupla perspectiva. Como assinalou, há uns anos, G. Sartori, não podemos deixar que o «homo videns» anule o «homo sapiens», a imagem não pode sobrepor-se ao logos, ao pensamento conceptual. Por outro lado, devemos alertar para os perigos da dispersão e das dificuldades de atenção que o digital propicia e reivindicar a leitura serena e a concentração.
* termo em moda em Espanha, especialmente entre os jovens, e cujo significado tem evoluído; de uma onomatopeia que exprimia um ruído, como o de uma rápida bofetada, passou a ser aplicado em situações diversas, nomeadamente com o sentido de "réplica cortante e rápida", uma "bofetada verbal", um estalo dialéctico.
Maria Helena Damião & Isaltina Martins
1 comentário:
Não pretendo, nem seria capaz de dizer o que a universidade é, ou foi, nem o que pode ser, nem o que deve ser e, menos ainda (se é que tal é possível), o que será. Pretendo dizer, simplesmente, que não acredito que haja alguém capaz de o fazer. E creio que não estou a jogar com as palavras para além do significado que elas, prosaicamente, comportam. Claro que a minha opinião, corresponda ou não à minha crença (tantas vezes se afirma uma coisa e se pensa outra), não vale pelo que penso, mas pelo que significa.
Neste caso, o que ela significa é anódino (cada um acredita naquilo que lhe aprouver),enquanto não apresentar razões plausíveis para afirmar o que afirmo.
Para que não seja completamente gratuito, admitindo que não é de tal modo óbvio o porquê de «não acreditar que haja alguém capaz de o fazer», passo a esboçar meras presunções.
Se para dizer o que é uma pedra não basta a ciência toda, nem a filosofia toda, nem toda a poesia, pode ser uma simples pedra no sapato, ou na cabeça, em forma de um rei, ou de pavimento, pedra angular, pedra preciosa, parte de um todo desconhecido, que não pode ser deduzido dela, que não existe sem ela, não sabendo nós se subsistirá o significado que ela tem para a ciência, para a filosofia, para a poesia e, inerentemente, para o homem, se este desaparecer, quanto mais não será necessário para dizer o que a universidade é? Haverá alguma ciência, ou interconexão de ciências que nos disponibilize a representação do que a universidade é de um modo pelo menos tão claro como é possível representar os ambientes em que terá surgido a vida?
Se é difícil ou impossível dizer o que uma coisa é, quanto mais difícil não será dizer o que ela foi?
Se não sabemos responder a nenhuma destas perguntas, como saberemos o que a universidade pode ser? E se não soubermos o que pode ser, que sentido faz dizer, ou até pensar, o que deve ser?
E quanto ao que será? Quem não gostaria de saber?
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