quarta-feira, 12 de agosto de 2020

QUARTZO, UM POUCO DE HISTÓRIA

Desde a Antiguidade e até, pelo menos, ao século XVIII, se acreditou que os cristais de quartzo hialino, isto é, incolor e transparente, eram ocorrências de água no estado sólido, num grau de congelação tão intenso que era impossível fazê-los voltar ao estado líquido. Aristóteles (384-322 a. C.) chamava cristal ao gelo (krystallos, em grego) e foi sob este nome que esta espécie mineral passou aos domínios da alquimia, primeiro, e da mineralogia, depois. 

Theophrastus (372-287 a. C) distinguia o cristal-água (o gelo) do cristal-pedra (o quartzo hialino). No século I a. C., Diodoro da Sicília reafirmava que os cristais-pedra eram água congelada e Séneca, no séc. I d. C., precisava que eram água celeste congelada durante um período de grandes frios. Os romanos mantiveram este entendimento, latinizando o nome para cristallus, como se pode ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79 d. C.).

Foi o carácter transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o nome ao vidro industrial de alta qualidade, a que hoje chamamos simplesmente cristal. A expressão cristal-de-rocha, aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais tarde (no séc. XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado. A palavra cristal acabou, depois, por se generalizar aos corpos poliédricos minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso, usada como étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia – afirmada como ciência no início do século XIX com René-Just Haüy, em França.

O termo quartzo atribuído a um mineral surgiu no século XVI, com Agricola (nome do médico e alquimista alemão Georg Baüer). No seu livro, "Bermannus de re metallica" (1530), descreveu o mineral que designou como Quartzum, por latinização de Quartz ou Quarz, jargões utilizados pelos mineiros alemães para referir o mineral maciço, branco, a que hoje chamamos quartzo leitoso ou quartzo filoniano, então visto como material desaproveitado (ganga) associado ao minério, a que os nossos mineiros chamam “seixo bravo”.

Figurado em versos do século XIV, oriundos da Saxónia ou da Boémia, o termo Quartz, deriva, segundo alguns autores, por contracção, de Querklufter, o material rochoso branco associado aos minérios; segundo outros, tem origem na palavra Quaderz, a parte desaproveitada do minério (ganga).

Existe em português o termo quarço, do alemão Quarz, mais correcto no entender dos especialistas da língua. Todavia, foi a forma quartzo, que nos chegou através do francês quartz, que fez vencimento.

Agricola não assimilava o Quartzum ao cristal-de-rocha, mineral que continuava a designar por Cristallus, ou pela expressão mais erudita, cristallus montanus (cristal da montanha), equivalente ao termo alemão Bergkrystal.

Em Inglaterra, no século XVII, o quartzo hialino era referido por “pedra de Bristol” ou “diamante de Bristol” e também por “pedra da Cornualha” ou “diamante da Cornualha”. No século seguinte já ali se usava o termo quartz para a variedade filoniana, maciça e leitosa, e crystal para a variedade hialina. Crystal foi ainda o termo utilizado por Lineu (1707-1778), ao descrever esta variedade, no seu "Systema Naturæ".

Na expressão bola de cristal, corrente entre magos, esotéricos e adivinhos, a palavra cristal é o único exemplo de reminiscência do seu uso como sinónimo de quartzo hialino. Deve dizer-se que são hoje raras as verdadeiras “bolas de cristal”. A imensa maioria das que estão disponíveis no mercado, são de vidro.

Dadas as suas propriedades físicas e químicas (dureza, tenacidade, fractura conchoidal, grande resistência à meteorização) o quartzo, na forma de mineral individual, ou como componente praticamente exclusivo de rocha siliciosa (sílex, quartzito, entre outras), foi usado pelos nossos antepassados da Pré-história em utensílios, armas e adornos, à semelhança do que fizeram, até muito recentemente, algumas populações primitivas, como é o caso dos papuas, na Nova Guiné.

Dos bifaces mais frustres do Paleolítico inferior, com mais de 2 milhões de anos, às delicadas pontas de seta e contas de colar do Neolítico superior, este tipo de material assegurou a indústria lítica, que marcou a Idade da Pedra, e não mais deixou de ser procurado e usado ao longo do tempo e à escala do Planeta.

Do antigo Egipto ficaram-nos os “escaravelhos sagrados”, em quartzo lilás (ametista), um brinco de quartzo hialino e ouro encontrado no túmulo de Tutankhamon, e os olhos na mesma variedade de quartzo, com que se procurava dar vida às estátuas. No Egipto surgiu ainda a primeira actividade transformadora do quartzo com a produção de vidro, arte que legaram aos romanos nos primeiros tempos do Império.

Esta manufactura foi transferida para Bizâncio, prosperando no Império do Oriente até à Idade Média. Só então ressurgiu na Europa, no século XVI, primeiro na Alemanha, depois em Veneza.

No Novo Mundo, os Maias perscrutavam o futuro, olhando através de um cristal de quartzo hialino, numa antecipação à bola de cristal dos adivinhos. Populações antigas do Vietname viam no quartzo hialino uma transformação da cera das abelhas, ao longo do tempo, por força de fluxos mágicos e vitais.

A tradicional associação do quartzo ao gelo e, portanto, ao frio, fazia com que alguns romanos mais abastados usassem bolas de quartzo para refrescarem as mãos ou atenuarem a febre, colocando-as no rosto dos doentes.

No campo científico cabe aqui lembrar que foi sobre cristais de quartzo que, em 1669, o dinamarquês Nicolau Steno (1638-1686) reconheceu a igualdade de ângulos diedros entre faces homóloga, constatação só mais tarde formulada em termos de lei – “Lei da Constância dos Ângulos” – por Romé d l’Isle (1736-1790). Esta mesma constância foi verificada e defendida pelo italiano Domenico Guglielmini (1665-1710) e pelo russo Mikhail Lomonosov (1711-1765).

Foi estudando os cristais de quartzo, nos seus aspectos geométricos, recorrendo a medidas de ângulos diedros e à utilização de índices numéricos, que Romé d l’Isle e o seu sucessor René-Just Haüy criaram a Cristalografia Morfológica, disciplina que, durante cerca de um século, constituiu complemento indispensável à Mineralogia.

Com o advento dos raios X, a investigação científica do quartzo ganhou nova dimensão, esclarecendo muitas das dúvidas dos mineralogistas e cristalógrafos e criando outras como, aliás, é próprio em Ciência.

Da pedra lascada, passando pelo vidro, considerado uma das primeiras indústrias na história da actividade económica humana, à electrónica e às novas tecnologias do futuro, o quartzo sempre acompanhou e continua a acompanhar a História da Humanidade como uma das principais matérias-primas.
A. Galopim de Carvalho

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