quarta-feira, 3 de junho de 2020

Uma muito breve história da Luz

Meu capítulo no livro que acaba de sair na Imprensa da Universidade de Coimbra: Visões da Lus, Francisco Gil e Lídia Catarino, coords. (Puseram-me o texto em "novoacordês": não o pude evitar; mas aqui evito).

Resumo:

No Ano Internacional da Luz 2015 passaram-se aniversários de alguns marcos da história da Óptica. Conta-se a história da descoberta da luz, desde o primeiro tratado de Óptica do árabe al-Haytham há mil anos até à electrodinâmica quântica de Feynman, Schwinger e Tomonaga dos anos 50 do século passado. Pelo meio passou-se uma das mais famosas polémicas da história da ciência — a que opôs os partidários da teoria corpuscular da luz como Newton e os defensores da teoria ondulatória como Huygens, Fresnel e Maxwell.

A polémica foi resolvida no início do século xx com o desenvolvimento da teoria quântica por Planck, Einstein, Bohr e outros, a qual enquadra a dualidade partícula-onda. Várias aplicações da luz foram surgindo à medida que aumentava a ciência da luz: duas das maiores foram as ondas hertzianas e os raios X, na segunda metade do século xix. Apresentam-se brevemente as primeiras experiências de raios X na Universidade de Coimbra.

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Por ocasião do Ano Internacional da Luz 2015, que celebrou alguns grandes marcos da história da luz, é oportuno divulgar essa história.

A questão da natureza da luz sempre intrigou os estudiosos dos fenómenos luminosos, dos quais um dos primeiros foi o árabe al-Haytham (965–1040), que há cerca de mil anos escreveu o primeiro tratado de Óptica. Este autor foi premonitório sobre o papel do cientista quando escreveu «Se a aprendizagem da verdade é o objectivo do cientista, então ele tem de se tornar inimigo de tudo aquilo que lê»1 (Sabra, 2003, para. 7). Desde então, muitos foram os autores que, a propósito da luz, se basearam na observação e na experiência para se tornarem inimigos daquilo que leram, fazendo avançar os conhecimentos na área da óptica.

Os instrumentos revelaram-se essenciais para a observação e experiência de fenómenos ópticos. Um marco foram, decerto, as primeiras observações feitas em 1609 pelo italiano Galileu Galilei (1564–1642) com a luneta astronómica. A construção do telescópio só foi possível graças ao aperfeiçoamento no polimento de lentes. Ao ampliar o poder do olho aumentou-se também o poder da mente. O Universo passou a ser um sítio diferente: a Lua não era plana, o Sol não era absolutamente claro, Vénus tinha fases e Júpiter tinha luas. Fala-se, quando se refere essa época, de Revolução Científica, mas talvez seja revelador da continuidade o facto de um dos primeiros atlas da Lua, o tratado de selenografia do astrónomo polaco Johannes Hevelius (1611–1687), ter colocado no frontispício de um lado al-Haytham, simbolizando a razão, e do outro Galileu, simbolizando os sentidos (Figura 1.1.). Na Revolução Científica junta-se o antigo e o moderno, a razão e os sentidos, estes ampliados pelo novo instrumento.

Contemporâneo de Newton foi o francês René Descartes (1596–1650) que, no seu famoso Discurso do Método, publicado em Leyden, em 1637, descreve num apêndice o arco-íris como um exemplo do poder do método. Os raios de Sol entram numa gota de água na atmosfera, desviam-se ao entrar nela (refracção), refletem-se na parede posterior da gota e voltam a desviar-se (nova refracção) ao saírem da gota (Figura 1.2.).


Figura 1.1. «Selenografia» de Johannes Hevelius, mostrando al-Haytham e Galileu.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hevelius_Selenographia_frontispiece.png


Figura 1.2. Figura do livro Meteoros, em apêndice ao Discurso do Método de Descartes (1637), que esquematiza o fenómeno do arco-íris.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Descartes_Rainbow.png



As cores apareciam já dentro da gota e ainda mais cá fora. O próprio Descartes fez estudos experimentais do fenómeno da refracção com garrafas de água, que o levaram a formular uma lei matemática que descreve a geometria do fenómeno (lei de Snell-Descartes).

O inglês Isaac Newton (1642–1726), na geração seguinte, deu o próximo passo ao produzir o arco-íris em sua casa, com o auxílio de dois prismas (de novo o aperfeiçoamento da indústria vidreira vinha em auxílio da ciência). Numa carta que escreveu à Royal Society de Londres, em 1672, descreve fenómenos que observou nos anos de 1665–1666, quando recolheu a sua casa no campo após ter acabado o curso, devido ao encerramento da Universidade de Cambridge por um surto de peste:

Para este fim, tendo escurecido o meu quarto e feito um pequeno buraco na minha janela para deixar passar uma quantidade conveniente de luz do Sol, coloquei o meu prisma numa entrada para que ela [a luz] pudesse ser refractada para a parede oposta. Isso foi inicialmente um divertimento muito agradável: ver todas as cores vivas e assim intensamente produzidas, mas, após um tempo dedicando-me a estudá-las mais seriamente, fiquei surpreso por vê-las…

Note-se o encantamento do grande físico, que precedeu o seu estudo pormenorizado do fenómeno do arco-íris. Newton explicou a separação das cores (chamada dispersão) já analisado por Descartes. A luz seria constituída por diferentes partículas, sendo cada tipo associado a uma cor. Ora as partículas de cor vermelha teriam dentro do vidro (ou da água) desvios diferentes do de uma partícula de luz violeta. Numa experiência dita «crucial» reparou que a luz branca do Sol era dispersa em todas as cores do arco-íris pelo prisma, mas, se recolhesse apenas raios de cor vermelha no segundo prisma, verificava-se que a luz entrava vermelha e saía vermelha (Figura 1.3.).

Isto é, o vermelho era uma cor primária, que era desviada pelo prisma mas não decomposta, ao contrário da luz branca, que era uma mistura de todas as cores. Era natural que Newton imaginasse a luz formada por partículas. Pois não se sabia desde a Antiguidade que os raios, fossem eles do Sol ou de uma outra fonte, viajavam em linha recta, como é próprio de um projéctil? E não se conheciam desde tempos antigos as leis da reflexão em espelho, que descrevem uma situação idêntica à de uma bola de bilhar que bate numa tabela? Para o sábio inglês a luz branca era desdobrada em luz de várias cores no interior do prisma por ser composta por corpúsculos de tamanhos diferentes. Os maiores viajariam mais lentamente no vidro, ao passo que os menores viajariam mais rapidamente. As cores do arco-íris que apareciam no interior do vidro e surgiam mais nítidas quando o feixe emergia estariam associadas ao diferente tamanho das partículas. Newton acertou em cheio quando afirmou que a luz branca continha a luz de todas as cores e quando explicou o desdobramento das cores pela diferente velocidade das partículas, mas falhou quando imaginou partículas de diferentes tamanhos. É assim em qualquer avanço da ciência: quando sabiamente se corrige um sábio anterior, deixa-se espaço para que mais sábios venham depois a fazer alguma correcção.

Figura 1.3. Experiência crucial de Newton do duplo prisma.
Fonte: http://brizhell.org/Newton_Speckles/Opticks%20-%20scan%20from%20original%20
manuscript%20-%20I.%20Newton.pdf



A teoria corpuscular da luz foi contraditada por grandes sábios da época como o inglês Robert Hooke (1635–1703), que escreveu a Newton apontando inconsistências à teoria newtoniana. Foi numa resposta que Newton escreveu a sua famosa frase: «Se consegui ver mais longe foi porque estava aos ombros de gigantes.» Os historiadores de ciência ainda hoje não sabem se era uma bela metáfora sobre a construção da ciência ou se era antes um dito pejorativo, dada a pequena estatura de Hooke. Descartes, por exemplo, era mais alto que Hooke e Newton ter-se-á baseado mais em Descartes do que em Hooke. A autoridade de Newton, que foi durante muitos anos Presidente da Royal Society, parecia ter imposto de início o conceito corpuscular de luz, mas o fenómeno da difracção observado precisamente no mesmo ano de 1665 das primeiras experiências ópticas de Newton (o seu livro Optics só seria publicado em 1707, após a morte do seu rival Hooke), por um padre jesuíta de Bolonha, o italiano Francesco Grimaldi (1618–1663), encerrava uma crítica muito forte à teoria de Newton. A difração consiste no espalhamento da luz quando ela passa por um pequeno orifício. Ora o projéctil iria simplesmente a direito, mas a luz, como é próprio de uma onda, espalha-se nessa circunstância em todas as direcções.

No arco-íris todas as cores, porque se vêem, referem-se à luz dita visível. Sabemos hoje que essa banda de luz visível é apenas uma pequena parte de todo o espectro de luz, a que hoje chamamos espectro electromagnético.

A diferença entre os vários tipos de luz do espectro pode exprimir-se pelo comprimento de onda. A primeira luz invisível foi descoberta por um astrónomo alemão que trabalhou na Inglaterra, William Herschel (1738–1822). No ano de 1800, quando estava a realizar uma experiência análoga à de Newton, notou que um termómetro colocado perto da região vermelha do ecrã assinalava uma apreciável subida de temperatura (Figura 1.4.).

Figura 1.4. Experiência de Herschel que levou à descoberta dos infravermelhos.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:William_Herschel%27s_experiment.gif.


Havia pois uma forma de luz ou radiação que, apesar de invisível, tinha propriedades térmicas. Tratou-se da descoberta da luz infravermelha, a primeira forma de luz invisível. A tentação de medir do outro lado do espectro, perto do violeta, foi imediata, mas nada de semelhante foi encontrado. Contudo, não demorou mais de um ano até que um químico alemão, Johann Ritter (1776–1810), que tinha ouvido falar da descoberta de Herschel, descobrisse que, do outro lado da banda visível, perto do violeta, se encontrava uma outra radiação invisível. Sabendo que o cloreto de prata era particularmente sensível à luz azul, ficando preto, Ritter experimentou colocá-lo num alvo perto da cor violeta do espectro: observou que ele ficava ainda mais preto. Ritter chamou a esta nova forma de luz raios químicos, mas raios ultravioletas foi o nome que acabou por vingar. O cloreto de prata ainda hoje é usado no papel fotográfico.

Sabemos actualmente que vemos luz visível e não infravermelhos (alguns répteis veem infravermelho) ou ultravioletas (as abelhas vêem ultravioleta) devido simplesmente ao fenómeno de adaptação darwiniana. Os seres humanos, ao longo do lento processo da evolução biológica, adaptaram-se a ver melhor a luz que o Sol envia em maior abundância. A nossa estrela emite luz de todos os comprimentos de onda, mas tem um pico bem mais pronunciado para os comprimentos de onda da luz visível.

Hoje conhecemos outras radiações invisíveis emitidas pelo Sol, os raios X e os raios gama, mas essas radiações invisíveis perigosas do chamado espectro electromagnético são absorvidas pela atmosfera, que funciona como um escudo protector da vida. O Sol visto do espaço, por exemplo da Estação Espacial Internacional, é branco, pois todas as cores do arco-íris se encontram misturadas, mas, visto da Terra, aparece-nos com uma cor amarelo-alaranjado, devido à presença da atmosfera que capta alguma luz colorida.

Uma teoria que concorreu com a teoria corpuscular da luz de Newton foi a teoria ondulatória do físico holandês Christiaan Huygens (1629–1695). No seu livro Traité de la Lumière, publicado em Leiden, em 1678, ele avançou a ideia de que a luz se propaga na forma de ondas (Figura 1.5.).

Figura 1.5. Traité de la Lumière de Huygens, que apresenta a teoria ondulatória da luz.
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Treatise_on_Light#/media/File:Web_Huygens690.jpg.


Tanto a reflexão como a refracção podem ser explicadas por ondas, assim como as duas são explicadas por partículas. Mas, na verdade, ondas são muito diferentes de partículas: uma partícula está num sítio enquanto uma onda está em todo o lado. Por outro lado, as ondas interferem umas com as outras, podendo mesmo duas ondas sobrepor-se de modo a anularem-se completamente. No entanto, duas partículas que colidem nunca se podem anular. Apesar das observações do Padre Grimaldi e de outras em favor da descrição ondulatória, dada a autoridade de Newton, só no início do século xix a teoria newtoniana viria a ser descartada. Uma experiência com passagem de luz por dois orifícios efectuada em 1803 (três anos após a experiência de Herschel e dois da de Ritter), pelo médico e polímato inglês Thomas Young (1773–1829) mostrou, sem apelo nem agravo, que a luz era um fenómeno ondulatório. Verificava-se não apenas difracção em cada orifício, mas também interferência — isto é, sobreposição construtiva ou destrutiva — da luz que provinha das duas aberturas (Figura 1.6.). Num ecrã verificavam-se franjas de luz e sombra.

Figura 1.6. Experiência de Young das duas fendas que mostra dois fenómenos ondulatórios: difração e interferência.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Young_Diffraction.png.


Pouco depois era feita uma experiência com muitos orifícios, um efeito conseguido por uma rede, dita de difração. O alemão Joseph von Fraunhofer (1787–1826) ficou conhecido pelas suas experiências realizadas em 1814 da observação da luz solar com a ajuda de uma rede de difração.

Com essa rede consegue-se o mesmo efeito que com um prisma. Fraunhofer teve o mérito de, com a ajuda do novo instrumento (o telescópio associado à rede de difracção), ter inaugurado um novo ramo da física e da química, a espectroscopia, que permite identificar substâncias químicas. Fraunhofer observou riscas no espectro da luz do Sol, que revelavam a presença de elementos químicos no Sol, o mais importante dos quais era o hidrogénio, o primeiro elemento da Tabela Periódica, que também existe na Terra (por exemplo, na água, combinado com o oxigénio para formar as moléculas H2O). Foi graças à espectroscopia que, no século xix, se descobriu no Sol o segundo elemento da Tabela Periódica, o hélio (este nome vem precisamente da palavra grega para Sol).

Fez em 2015, Ano Internacional da Luz, 200 anos que o físico francês Augustin-Jean Fresnel (1788–1827) descreveu matematicamente as ondas de luz, que se manifestavam na experiência de Grimaldi ou na de Young. Um seu contemporâneo, o francês Siméon Poisson (1781–1840), duvidou dessa teoria, por ela prever, por interferência construtiva, a observação de um ponto luminoso na sombra que se forma por detrás de um pequeno objecto esférico opaco, como a cabeça de um alfinete. O presidente da Academia Francesa, François Arago (1786–1853) fez o que se deve fazer em polémicas semelhantes: mandou que se realizasse cuidadosamente a experiência, que foi conclusiva. O ponto existia mesmo e é uma ironia da história que ele tenha o nome da pessoa que duvidou da sua existência: «Ponto de Poisson».

Na mesma época fizeram-se progressos enormes na determinação da velocidade da luz. Já se conhecia, pelas observações do dinamarquês Ole Rømer (1644–1710) e do britânico James Bradley (1693–1762), o valor aproximado dessa velocidade a partir de fenómenos astronómicos (cerca de 300.000 km/s), mas só a meio do século xix foi possível medir num laboratório terrestre a velocidade da luz. As experiências dos franceses Hippolyte Fizeau (1819–1896) e Léon Foucault (1819–1868), realizadas por volta de 1850 (os dois trabalharam primeiro em conjunto e depois separadamente, usando espelhos rotativos, que desviavam a luz de um espelho fixo para sítios diferentes), mostraram que a luz é mais lenta na água do que no ar, ao contrário do que a teoria corpuscular previa. Era o último prego no caixão da teoria ondulatória de Newton…

Mas uma onda é a propagação de uma perturbação qualquer. O que seria no caso? Fez exactamente 150 anos no Ano Internacional da Luz que o físico escocês James Clerk Maxwell (1831–1879), num golpe de génio, conseguiu descrever todos os fenómenos eléctricos e magnéticos. Ficou então claro o que era a luz. As forças eléctricas e magnéticas exercidas à distância podiam, conforme tinha sugerido o inglês Michael Faraday (1791–1867) ser descritas pelo conceito de campo: ora a luz não passava, depois de combinadas as quatro equações de Maxwell do electromagnetismo (Figura 1.10.), da propagação de perturbações dos campos eléctrico e magnético, que neste contexto aparecem sempre associados um ao outro.

Mas uma onda é a propagação de uma perturbação qualquer. O que seria no caso? Fez exactamente 150 anos no Ano Internacional da Luz que o físico escocês James Clerk Maxwell (1831–1879), num golpe de génio, conseguiu descrever todos os fenómenos eléctricos e magnéticos. Ficou então claro o que era a luz. As forças eléctricas e magnéticas exercidas à distância podiam, conforme tinha sugerido o inglês Michael Faraday (1791–1867) ser descritas pelo conceito de campo: ora a luz não passava, depois de combinadas as quatro equações de Maxwell do electromagnetismo (Figura 1.10.), da propagação de perturbações dos campos elétrico e magnético, que neste contexto aparecem sempre associados um ao outro.

𝛁.𝑬=𝜌 /𝜀o
𝛁.𝑩=0
𝛁𝑥𝑬=−𝜕𝑩/𝜕t
𝛁𝑥𝑩=𝜇o 𝑱 + 𝜇o 𝜀o 𝜕𝑬/𝜕t

Figura 1.7. As quatro equações de Maxwell.


Cargas em movimento causam não só um campo eléctrico mas também um campo magnético, que lhe é perpendicular. A luz era nada mais, nada menos do que onda electromagnética, isto é, campos eléctricos e magnéticos que vibram no espaço, avançando à velocidade da luz. No tempo de Maxwell pensava-se que tinha de haver um meio a suportar os campos — o éter — mas hoje sabemos que não existe éter e que as variações de campo se podem propagar no vazio. Essencial no raciocínio de Maxwell foi verificar que a velocidade das ondas electromagnéticas, calculada a partir de propriedades eléctricas e magnéticas, coincidia com a velocidade da luz determinada por Fizeau.

A unificação, conseguida por via matemática, por Maxwell da electricidade e do magnetismo foi um dos maiores feitos da física. E a confirmação teórica da natureza ondulatória da luz foi um dos seus grandes corolários. A óptica passou a ser uma consequência do eletcromagnetismo. Comentou muito mais tarde o Prémio Nobel da Física Richard Feynman (1918–1988):

Numa visão de longo prazo da história da humanidade, visto de, digamos, daqui a dez mil anos, não pode haver qualquer dúvida de que o acontecimento mais significativo do século xix será a descoberta das leis do electromagnetismo de Maxwell.


A teoria de Maxwell previa a existência de outras formas de luz invisível para além dos infravermelhos e dos ultravioletas. Bastava para as conseguir agitar cargas eléctricas de modo adequado num dispositivo que hoje chamamos antena. Essa luz invisível poderia fazer agitar cargas numa outra antena mais à frente. Em 1886, o físico alemão Heinrich Hertz (1857–1894) mostrou, no seu laboratório, que era possível emitir e recolher luz invisível de comprimento de onda muito maior do que os da luz visível.

Essas ondas foram chamadas ondas hertzianas ou ondas de rádio. A sua diferença relativamente à luz visível consistia no facto de ter muito maior comprimento de onda. Parecia agora que a teoria corpuscular de Newton estava morta e enterrada. A ciência de Hertz rapidamente se tornou em tecnologia, quando o italiano Guglielmo Marconi (1874–1937) conseguiu estabelecer comunicações de longa distância usando as ondas hertzianas. O mundo passou a estar ligado à velocidade da luz.

O século xix, que foi o século da descoberta das radiações invisíveis, não haveria de terminar sem que fossem encontradas duas novas formas de luz, radiação de comprimento de onda mais curto e com maior poder energético: os raios X e os raios gama. Em 1895 o alemão Wilhelm Roentgen (1845–1923) realizava experiências de raios catódicos (que sabemos hoje serem feixes electrónicos), que são descargas eléctricas num tubo de gás.

Descobriu, ficando justamente alvoroçado, que placas fotográficas que se encontravam, convenientemente protegidas, no escuro ficavam impressionadas por uma radiação misteriosa que provinha do choque dos raios catódicos com o vidro. Passaram a ser chamados raios X, embora na Alemanha ainda hoje se chamem raios de Roentgen («Röentgenstrahlung»). Como é que eles tinham impressionado as chapas protegidas? Acontece que os raios X têm a fantástica propriedade de atravessar os corpos opacos. É essa propriedade que permitiu rapidamente o seu uso para a visualização do interior do corpo humano. Roentgen interpôs a mão da sua esposa entre o tubo e a placa e nesta logo apareceram os ossos da mão: o marido estava surpreendentemente a ver o interior da sua mulher! A descoberta dos raios X valeu a Roentgen, em 1901, o primeiro Prémio Nobel da Física.

É curioso referir que o único Prémio Nobel português em ciências, António Egas Moniz, iniciou a sua familiarização com a ciência vendo raios X. No início do ano de 1896 era ele estudante de Medicina em Coimbra quando teve a oportunidade de colaborar com o seu professor de Física, Henrique Teixeira Bastos, na primeira reprodução em Portugal das experiências de raios X, passados dois escassos meses da descoberta daqueles raios por Wilhelm Roentgen na Alemanha. Escreveu ele muitos anos mais tarde sobre as suas experiências com os raios X:

O facto era conhecido, mesmo no vivo, pois nenhuma descoberta teve até hoje aplicação mais rápida e imediata que a de Roentgen. Em Coimbra, porém, não se tinha feito e lembro-me da alegria que tal acontecimento determinou na minha vida.


Os últimos raios invisíveis vieram do núcleo atómico, embora nessa altura este ainda não fosse conhecido. Em 1900, o francês Paul Villard (1860–1934) detectou uma radiação nuclear, proveniente do rádio, um novo elemento químico que tinha sido identificado pouco antes por Marie Curie, mais conhecida por Madame Curie (1867–1934), em trabalhos que acabaram por lhe valer dois prémios Nobel: um da Física em 1913 com o marido, Pierre Curie (1859–1906), e com o descobridor da radioactividade, Antoine-Henri Becquerel (1852–1908), e outro da Química, sozinha, em 1911. Ainda hoje Madame Curie é a única pessoa que recebeu dois prémios Nobel em duas áreas científicas distintas.

Hoje em dia usamos os infravermelhos, para além dos comandos de televisão, em câmaras que servem para ver no escuro, em termómetros, na análise de obras de arte, em lâmpadas para aquecer os alimentos, etc. Por seu lado, usamos os ultravioletas, para além da fotografia, na detecção de notas falsas, na impressão de circuitos digitais, na esterilização e desinfecção, em certas formas de terapia dermatológica, etc. As ondas de rádio, tal como as micro-ondas podem ser vistas como ondas com comprimentos de onda inferiores a um metro e maiores do que um milímetro. Os raios X são usados em medicina, para diagnóstico e tratamento, nos aeroportos para inspecção de bagagens, no exame de obras de arte, em astronomia (com os detectores a bordo de satélites), etc. Finalmente, os raios gama são usados para tratamentos médicos, para esterilizações, também em astronomia como os raios X, etc.

Se o século xix foi o século do electromagnetismo e dos raios invisíveis, o século xx seria o século da teoria dos átomos e da luz: a teoria quântica, que explica a interacção entre os átomos e a luz. Em 1900, o alemão Max Planck (1858–1947) avançava com a extraordinária hipótese quântica para explicar o «problema do corpo negro» (Figura 1.8.): a radiação existente num forno (um espaço com paredes a uma temperatura uniforme, que ficou conhecida por corpo negro) tinha de ser emitida e absorvida pelas paredes do forno em pacotes, a fim de se descrever matematicamente a distribuição da potência de luz irradiada por toda a banda de comprimentos de onda, visível e invisível (já atrás se referiu o exemplo da luz emitida pelo Sol, que um tanto paradoxalmente pode ser considerado um corpo negro). A ideia era algo extravagante pois até aí pensava-se que a luz podia ser emitida ou absorvida em qualquer quantidade de energia. Os quanta são os pacotes de luz, sendo quanta o plural de quantum, que significa em latim «quantidade».

Figura 1.8. Descrição matemática feita por Planck da radiação do corpo negro.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Radia%C3%A7%C3%A3o_espectral.png.


Demorou apenas cinco anos até que o físico suíço nascido na Alemanha Albert Einstein (1879–1955) afirmasse que a luz não só era emitida e absorvida em pacotes como existia em pacotes. Ao tentar interpretar um outro fenómeno estudado no laboratório por Hertz, sem qualquer relação directa com as ondas hertzianas, chegou à conclusão de que a luz é afinal formada por partículas. O fenómeno era o chamado «efeito fotoeléctrico». Luz ultravioleta, ao incidir numa placa metálica, conseguia arrancar electrões, que percorriam um circuito fechado: de certo modo, a energia luminosa era convertida em energia eléctrica (Figura 1.9.). O choque da luz com os electrões só podia ser explicado pensando que um grão de luz batia num electrão. Não interessava tanto a intensidade da luz mas mais o comprimento de onda da luz. Não foi Einstein quem chamou fotões a esses grãos, mas sim mais tarde o químico norte-americano Gilbert Lewis (1875–1946). Einstein chamou-lhes, em alemão, Lichtquanta («quantidades de luz»). Ele foi mais longe que Planck ao afirmar que a luz não só era emitida e absorvida em pacotes, mas também existia em pacotes, ou pelo menos manifestava-se em pacotes noutras circunstâncias, designadamente quando interagia em certas condições com electrões. Einstein ganhou o Prémio Nobel da Física de 1921 devido a essa sua hipótese e não à sua teoria da relatividade, que parte de uma ideia sobre a luz: a invariância da velocidade da luz para todos os observadores. Einstein estava certo quanto à nova natureza corpuscular da luz e agora só faltava conciliar melhor os aparentemente opostos, isto é, desenvolver uma teoria consistente que permitisse explicar o carácter dual da luz.


Figura 1.9. Efeito fotoelétrico, interpretado por Einstein.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Photoelectric_effect.svg.



A teoria iniciada por Planck e Einstein acabou por fazer o seu caminho.

O dinamarquês Niels Bohr (1885–1962) deu um grande passo em frente quando propôs que os átomos só podiam emitir ou absorver luz de alguns comprimentos de onda: a emissão ou absorção de fotões dá-se, respectivamente, quando um átomo passa de um estado excitado para um estado de energia mais baixa ou ao contrário (Figura 1.10.). Conseguiu assim descrever a emissão e absorção de luz por um átomo de hidrogénio e, embora de forma aproximada, de hélio, dando uma base teórica às observações espectroscópicas que vinham do século xix.


Figura 1.10. Modelo do átomo de Bohr.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bohr_atom_model.svg.



A teoria continuou com a ideia do francês Louis de Broglie (1892–1987), avançada na sua tese doutoral de 1924, da dualidade onda-corpúsculo: tal como a luz, uma partícula material como um eletcrão podia ser vista quer como partícula quer como onda. A experiência de Young foi realizada em 1961 com electrões, confirmando a ideia de Broglie: já foi chamada pela revista Physics World «a mais bela experiência de Física».

A teoria quântica acabaria por ficar praticamente pronta em 1926, com artigos no mesmo ano do alemão Werner Heisenberg (1901–1976) e do austríaco Erwin Schroedinger (1887–1961). Os dois usaram técnicas matemáticas diferentes — respectivamente matrizes e uma equação diferencial — mas as descrições conduziam aos mesmos resultados, reproduzindo os resultados mais importantes obtidos por Bohr para os estados possíveis do átomo de hidrogénio. A teoria quântica permite-nos hoje descrever a luz e a interacção da luz com a matéria. Pode parecer esquizofrénico, mas a luz é, por vezes, partícula — o fotão — e, por vezes, onda. Tudo depende do dispositivo e do modo de observação.

A experiência de duas fendas, realizada em primeiro lugar por Young, pode hoje ser realizada num laboratório escolar com uma fonte laser (o laser, um feixe de luz coerente e monocromática, é uma outra ideia luminosa de Einstein!) de fraca intensidade, que emite fotões um a um. Se esperarmos o tempo suficiente conseguimos detectar, usando aparelhos chamados fotomultiplicadores, que convertem luz em corrente eléctrica (um processo algo semelhante ao que se passa com os cones na nossa retina), a chegada dos fotões, um a um, sobre um ecrã, afastado dos dois orifícios. Verificamos que, em cada posição do ecrã, a luz só chega num número inteiro que é o número de fotões, isto é, a distribuição de luz que parecia contínua é afinal discreta. A teoria quântica permite prever o padrão de luz e sombra, a figura de interferência, mas — estranhamente — já não permite prever deterministicamente quando chega um electrão a um certo sítio. Só permite prever probabilidades. Por que orifício passa a luz? Temos de dizer que passa pelos dois, embora seja emitida e recolhida sob a forma de fotões. Se pretendermos averiguar a passagem de luz num certo orifício, destrói-se com a medida o padrão de interferência, isto é, a coisa observada depende do procedimento do observador. Para Feynman o fenómeno patente na experiência de dupla fenda é «impossível de explicar de um modo clássico, tendo nele o coração da teoria quântica. Na verdade contém o único mistério [dessa teoria]» 2 (Feynman, Leighton, & Sands, 2005).

A luz tem, portanto, duas caras: tanto aparece na forma de partícula como na forma de onda. Newton e Einstein têm razão. Como também a têm Huygens, Fresnel e Maxwell. Uma maneira de descrever esse seu comportamento dual consiste em dizer que viaja como uma onda mas é observada como uma partícula ou grão de luz. A teoria quântica permite conciliar esses dois aspecos aparentemente contrários, pois uma onda está espalhada por todo o lado ao passo que uma partícula está localizada num ponto do espaço. Não se olha: é onda. Mas se olha, então já é partícula.

O físico português José Tito de Mendonça, no seu livro Uma biografia da luz. Ou a triste história do fotão cansado fala assim da estranha natureza da luz: «Há nomes de pessoas que são estereótipos de esquizofrenia: Ortega y Gasset, Costa e Silva, Cotton-Mouton ou Cohen-Tannoudji, o sábio de Tunes. Dois personagens numa só pessoa. O mesmo dilema se encontra na luz, que não sabe se é onda ou se é partícula. E tem que ser as duas coisas ao mesmo tempo.» (2015).

A electrodinâmica quântica (QED, do inglês Quantum Electrodynamics) que valeu em 1965 o Nobel a Richard Feynman, ao norte-americano Julian Schwinger (1918–1994) e ao japonês Schin’ichiró Tomonaga (1906–1979), que reúne coerentemente a teoria quântica com a teoria da relatividade restrita de Einstein para explicar a interacção entre electrões e luz que se realiza nos átomos e moléculas, é hoje uma coroa de glória da física mais moderna. Ela, para além de proporcionar compreensão aprofundada do dualismo corpúsculo-onda através do conceito de campo quântico, consegue fazer previsões com uma precisão extraordinária. Estamos longe de saber tudo sobre a luz, mas sabemos bastante.

Notas:

1 Tradução do autor. No original, «if learning the truth is his goal, is to make himself an enemy of all that he reads» (Sabra, 2003, para. 7).
2 Tradução do autor.

Referências

Calado, J. (2015). Haja Luz! Uma história da química através de tudo (3.ª ed.). Lisboa: ISTPress.
Feynman, R. (2015). QED - A estranha teoria da luz e da matéria, Lisboa: Gradiva.
Feynman, R., Leighton, R. B., & Sands, M. (2005). The Feynman Lectures on Physics (2.ª ed.). Boston, Massachusetts, EUA: Addison-Wesley.
Mendonça, J. T. de (2015). Uma biografia da luz. Ou a triste história do fotão cansado.U Lisboa: Gradiva.
Simonyi, K. (1990). Kulturgeschischte der Physik, Thun_Frankfurt am Main: Harri Deutsch.
Sabra, A. I. (2003, Sep.-Oct.). Ibn al-Haytham. Harvard Magazine. Consultado em 1 de out. 2015. Disponível em https://harvardmagazine.com/2003/09/ibn-al-haytham-html.
Weiss, R. J. (1996). A Brief History of Light and those that lit the way. Singapore: World Scientific.

2 comentários:

Anónimo disse...

Este post começa com o pé esquerdo. Se verbera o acordez qual o motivo que não o corrije neste post? Desmerece o seu nome.
ao

Vagalume disse...

Professor, qualquer estudioso da teoria ondulatória deveria ser budista. Perceberia muito melhor aquilo que o meu Mestre afirmou ontem: "O sujeito é espaço". A partícula só existe a partir do momento em que a medimos como se fizéssemos um corte no x infinito e dobrássemos o espaço para um ponto da existência. Newton estaria sempre incompleto porque é o São Tomé do ver para crer. O mundo deve ser perspetivado quanticamente, numa função de essência que, independentemente da sua aparência material, não muda e permanece igual a si próprio no que, para nós, é invisível. A realidade, o que existe para fora, é esse ponto de probabilidade que se tornou tangível e fechou todos os outros. Por isso, o zero surge na dualidade, na possibilidade de ser outra coisa, invalidando o 1. Na dualidade, na cisão divergente do 1, manifesta-se o vazio porque tudo é apenas onda antes de ser partícula, porque tudo é partícula na probabilidade de o ser. A resposta sempre esteve na incerteza. Corpuscular é A e B. O caminho de A para B é quântico porque é o caminho que cria A e B, logo, A e B são o vazio condensado que emerge pela abertura do espaço ondulatório permitindo a sua materialização. Big Bang, apenas nUM lugar, criando UM lugar. Tudo o resto são derivadas de UM. Nem preciso de confirmar na Matemática Avançada ou de ler os físicos académicos, tal é o brilhantismo da minha teoria.

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