sábado, 15 de fevereiro de 2020

Competência e autoridade do professor

Um texto publicado há dias - É indispensável que o professor recupere a autoridade - teve diversos comentários de concordância e de discordância da afirmação em título. Percebe-se: foram várias décadas em que preponderou um discurso onde se destaca o afastamento da figura do professor da relação pedagógica, sobretudo se entendido como aquele que conduzia os seus desígnios. Chegámos, agora, a uma "nova normalidade" ("new normal") em que se quer fazer do discurso prática efectiva e real. Acontece que isso é deixar as crianças entregues a si próprias e umas às outras, impedindo-as de se tornarem adultas no sentido efectivo da expressão. Importa pensar nisso a partir do olhar de duas filósofas: H. Arendt e O. Pombo: 


“A autoridade do educador e as competências do professor não são a mesma coisa (…). A competência do professor consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: «Eis aqui o nosso mundo!» (…). A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir a responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos (…). A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para não as expulsar do nosso mundo, deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum.” Hannah Arendt, 1957/2006, pp. 199, 200 e 206. 
"A questão da autoridade é muito interessante, porque, do meu ponto de vista, tem a ver com o reconhecimento que os alunos têm da competência científica do professor para ensinar. Esta é a única autoridade legítima do professor. O que acontece, infelizmente, é que, como está tudo muito confundido, e como o professor muitas vezes nem sequer chega a ensinar, porque o convenceram de que a sua função era mais educativa, depois confronta-se com indisciplina e fenómenos que não pode controlar pelo lado cognitivo, que não pode resolver chamando a atenção para a necessidade – era assim que ele deveria fazer – de a disciplina ser mantida para que alguém possa explicar alguma coisa a outra pessoa. Então, o que acontece é um resvalamento para o lado da pura moralidade, e aí a autoridade desaparece e cresce o autoritarismo. A autoridade é dada pelo aluno ao professor que sabe ensinar aquilo que tem para ensinar. O aluno, quando aprende, reconhece que o professor tem autoridade. Só que, normalmente, os alunos não aprendem porque o professor não ensina, porque está convencido de que essa não é a sua única e mais importante tarefa, e fica sem autoridade. E então, como é que ele vai impor a disciplina? Pelo autoritarismo. Portanto, eu penso que a autoridade varia na razão inversa do autoritarismo: quanto mais autoridade tem um professor, menos autoritário ele é; quanto menos autoridade tem, mais autoritário precisa de ser" (Olga Pombo, sd. aqui).

10 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Pode-se dizer coisas lindíssimas sobre o papel do professor e os professores merecem e precisam que se digam. Uma delas não é certamente o mito, ideal, ou mesmo utopia, em que o professor foi sendo transformado. O professor tem muitas razões para odiar muita coisa, mas não tem outro poder ou outra saída que não seja amar tudo e todos, e de um modo que o torne ainda melhor professor.
O professor é um escravo de todos os deveres.
Não conheço outra profissão, e já exerci, pelo menos, a de advogado, que tenha tantos deveres e esteja sujeita a tantas exigências e expectativas e críticas e manipulações ou tentativas de manipulação e assédio moral e "bullying" e comiseração.
É a única profissão em que, até os sindicatos não os representam e os tratam mal.

Pancinha disse...

O Professor, sozinho, pouco vale.
O Contínuo, sozinho, num Pátio, Recreio, ou Pavilhão, pouco vale.
O Encarregado de Educação, alheado da Escola, pouco vale.
O Aluno, cuja a noção, desde cedo, da Escola é o sítio onde é deixado para os Pais irem trabalhar (é uma chatice, quando há greves na Escola, e os miúdos não podem ser lá deixados, já bastam as Férias), pouco vale.

E, contudo, todos juntos formam a Escola.

Sendo assim, não é um destes grupos que tem de "reganhar a Autoridade" são todos, que têm de reganha-la.

Anónimo disse...

Não me sinto propriamente vítima ou já tinha desistido, mas assusta-me todo o mal que se está a fazer a esta geração e à sociedade em geral.
Há um claro e lento declínio de produção de trabalho que se vem acentuando ano após ano. Não há brio, não há curiosidade, as faltas de atraso e de presença são "mais do que muitas".
Tenho uma turma de 11º que , pura e simplesmente, não quer fazer nada. Se peço um exercício ou uma pesquisa é um tal suspirar. Só querem copiar do quadro e que eu papagueie o que quer que seja, para poderem conversar entre si. Levantar questões? Raciocinar? Relacionar? Não estão nem aí. E já me disseram , mais do que uma vez, que se têm um professor é para ele os ensinar e não pô-los a fazer exercícios.
A melhor veio há dias. Perante toda aquela passividade face ao trabalho lá veio o sermão, " Mas o que pretendem fazer se num teste tão fácil 3/4 teve avaliação negativa? Não seria altura mudarem de atitude? Não sei como vai ser ........." Lá ao fundo um sururu sussurrado. Diz uma :- e se a professora der os 3/4 de negativas? . Resposta pronta da do lado:- Então? É logo investigada!

Anónimo disse...

“Para ensinar há uma formalidade a cumprir – saber”
Eça de Queirós

A verdadeira autoridade do professor, desde os tempos da Grécia Antiga, baseia-se no “reconhecimento da competência científica do professor para ensinar”, nas palavras sábias de Olga Pombo.
Ora, o regime de escola flexível e inclusiva, vigente em Portugal, desvaloriza o ensino, no sentido clássico e científico, ministrado pelo professor. Atualmente, mais importante do que ir à escola aprender, é frequentá-la (obrigatoriamente, até aos dezoito anos), para ter, sempre e em toda a parte, direito ao diploma de cidadão escolarizado.
Antigamente, antes da imposição das grelhas excel de avaliação científica, a relação entre a autoridade do professor, o ensino e a sabedoria dos alunos era óbvia:
- Se o aluno pouco aprendia, por ser pouco inteligente ou ser indisciplinado, tinha negativa e reprovava;
- Se o aluno aprendia o suficiente, por ter uma inteligência média e estudar, tinha positiva e passava de ano;
- Se o aluno aprendia muito, por ser muito inteligente e estudar, tinha uma boa nota e passava de ano.

Neste regime escandaloso de passagens administrativas para todos, onde o ensino é relegado para um segundo plano, o argumento último do professor, muito bem lembrado por Olga Pombo, de que os alunos indisciplinados não têm o direito de destruir a relação de ensino/ aprendizagem entre o professor e a maioria da turma, cai por terra, sem solução à vista! ...

Anónimo disse...

Não se infira , pelo meu comentário em 3 e outros que tenho feito, que sou contra a progressão de todos os alunos em certos moldes.
Contudo, essa Escola não é a que temos. A minha realidade é de turmas de 28 alunos , num reduzidíssimo espaço onde mal nos conseguimos mexer( uma escola "nova", intervencionada) com alunos austistas, baixa visão / baixa audição e, muito pior, alunos sem regras entre esses 28. Não tenho outro apoio que não as cruzinhas de umas grelhas muito giras.
Miúdos que saem de um espaço restritíssimo para os intervalos e permanecem colados aos seus "donos" , como chamo aos tlm. Então, depois de regressarem e entrarem na sala vêm pedir para ir à casa de banho, comer , buscar água e, finalmente, conversar com os colegas como se fosse o mais normal acontecer depois de uns 20' de potencial liberdade.

Pancinha disse...

Tanto quanto julgo saber, o Ensino é Obrigatório, não até aos 18 anos, mas sim dos 6 aos 18 anos.
É que era mais económico estender até aos 18 anos, do que criar uma Rede Nacional de Creches e Pré-Primária.
O dinheiro era preciso para os bancos de jardim, por exemplo.

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Baptista disse...

Parafraseando o professor Carlos Ricardo Soares , "é a única profissão em que até os sindicatos não os representam e os tratam mal". Em contrapartida, tratam escandalosamente bem os respectivos corifeus, dirigentes/docentes que se avaliam em causa própria sem dar aulas. Ora, como diz a sabedoria popular "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte". Dirigentes cujo grosso da coluna sabe da arte, domina artimanhas de chegar ao topo da carreira docente sem queimarem as pestanas em noites insones, somente chamuscando-as no fogo-fátuo de cursos que, por vezes, pouco valem porque cumpridos em passo de caracol e em trilhos ínvios de facilitismo. Tudo isto existe, tudo isto é música de uma nota só num país que desafina e despreza valores de trabalho e honestidade. Até quando?

Anónimo disse...

Santa Hipocrisia!
Se um professor, ou um médico - negro, branco, ou amarelo -, é agredido, temos um caso pontual sem a mínima importância. Quando um jogador de futebol é insultado, cai o Carmo e a Trindade! Obrigado, senhor Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa!
Para apanhar ainda mais votos ao povinho, já só falta que o regime da flexibilidade inclusiva acabe por transformar as escolas C + S e EB 1,2,3 + JI em feiras populares, onde os professores exercerão as funções próprias de palhaços!

Anónimo disse...

Na passada segunda-feira, uma professora, da Escola Secundária de Castêlo da Maia, foi, alegadamente, ferida por um objeto metálico arremessado por um aluno da referida escola, conforme noticia a imprensa do dia (19-02-2020). A professora, depois de receber tratamento hospitalar, apresentou queixa na GNR. A Direção da escola não assume, para já, que se trate de uma agressão em meio escolar, porque o aluno implicado no arremesso assegura que não teve intenção de atingir a professora. Tratar-se-á portanto de um "acidente" de caráter pontual, fora do radar do Ministério da Educação que sinaliza, para fins meramente estatísticos, os casos pontuais de agressões a professores.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...