sexta-feira, 21 de setembro de 2018

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NA UNIVERSIDADE DO PORTO



Minha crónica no mais recente número de "As Artes entre as Letras":
Toda a gente com um mínimo de cultura científica, em Portugal ou lá fora, ficou estupefacta com o anúncio da recente realização na Faculdade de Letras da Universidade do Porto de um encontro de negacionistas das alterações climáticas. De facto, não passava pela cabeça de ninguém que a Universidade do Porto fosse oferecer um palco a grupos organizados cujo trabalho tem sido o de negar a ciência: esses grupos são alguns dos “inimigos da ciência” de que fala um livro da colecção Ciência Aberta” da Gradiva de que sou coautor com David Marçal. Não faz sentido que uma universidade, uma instituição comprometida com a criação e difusão de conhecimento científico, ofereça o seu espaço a negacionistas. A oferta funcionou como meio de legitimação de pessoas cujos interesses não são decerto a valorização do conhecimento científico. Nem faz sentido que uma universidade que até agora se tem revelado defensora da sustentabilidade passe a apoiar a posição contrária. Portugal assinou o Tratado de Paris, com vista à redução das emissões de gases de efeito de estufa, sem que ninguém da Universidade do Porto ou de outra universidade nacional tenha protestado.
A Faculdade de Letras da Universidade do Porto forneceu os microfones e holofotes a indivíduos que, sem bases científicas, negam aquilo que já se conhece bem, graças ao labor de muitos anos da extensa comunidade científica dedicada ao estudo das alterações climáticas. Um dos nomes ligados ao grupo que fez um happening no Porto (falar de conferência científica seria errado) é Christopher Monckton, jornalista e político britânico que tem ligações ao Heartland, um think-tank conservador norte-americano que, segundo um artigo no New York Times de 16 de Fevereiro de 2012, queria minimizar, senão mesmo eliminar, o ensino nas escolas públicas de temas relativos a alterações climáticas. Segundo foi noticiado na altura, para essa organização “os directores e os professores das escolas estão fortemente condicionados em relação à perspetiva alarmista do aquecimento global”. Maria Assunção Araújo, professora de Geografia da referida Faculdade, num gesto de censura, não considerou bem-vindos ao happening mediático que ajudou a organizar os defensores do mainstream científico, que são os alegados “alarmistas das alterações climáticas.”  
Não me compete a mim, evidentemente, dizer à Universidade do Porto o que deve ou não fazer. Mas seja-me permitido que comente. O que disse na altura – assinei um abaixo-assinado, cuja lista de nomes incluía, como não podia deixar de ser, professores da Universidade do Porto -  é que estamos perante um caso insólito no meio universitário. Não é normal que pessoas que negam factos estabelecidos da ciência apresentem as suas conclusões numa universidade, que deveria ser um bastião da ciência. Não significa isso que as pessoas, quaisquer pessoas, não tenham direito a dizer o que quiserem - felizmente que existe o direito ao disparate- mas significa que as universidades, que albergam institutos de investigação, têm a obrigação de escolher com algum critério as iniciativas que acolhem. Trata-se de cuidar do bom nome da sua instituição. Não se confunda o happening com um debate científico. Claro que um debate científico deve ter lugar através dos processos próprios da ciência, por muito revolucionárias que sejam as ideias apresentadas. Mas o happening foi uma mera manobra de propaganda, que instrumentalizou indevidamente a Universidade.
Percebeu-se logo que a iniciativa embaraçou a Reitoria, que lavou as mãos como Pilatos, e também o Banco Santander, que seria um dos patrocinadores da iniciativa, mas se viu obrigado a afastar-se com uma declaração pública que teve repercussão internacional. O banco declarou-se comprometido com as metas de prevenção e mitigação das alterações climáticas que estão hoje consensualizados à escala global (com a excepção de Donald Trump, para quem as alterações climáticas são “uma invenção dos chineses para destruir a economia americana.”)
A Faculdade que acolheu o evento não pareceu ter compreendido o que se passou, apesar das reacções nacionais e internacionais. A directora, Fernanda Ribeiro, defendeu o indefensável.  Chegou a acusar de censura quem não achava boa ideia fazer passar por científico aquilo que pouco ou nada tem de científico. Claro que uma Universidade tem – deve ter – outras dimensões para lá da ciência, tem de cultivar as artes e as humanidades, dimensões que podem dialogar com a ciência, mas sem desmentir os factos nem contrariar as teorias alicerçadas neles. A directora desconsiderou os cientistas, assim como os defensores da ciência e da cultura científica. E desconsiderou-se a si própria. Para se perceber a contradição em que caiu, basta referir que patrocinou um evento, realizado em 2 de Março de 2016 no Anfiteatro Nobre da Faculdade, de entrega dos prémios de um  concurso sobre “Alterações Climáticas”. Na sessão foram entregues prémios, no total de cem mil euros, às escolas ou agrupamentos, que venceram três categorias a concurso sobre aquele tema, no quadro do projecto Clima@EduMedia: categoria A (Adaptação); categoria B (Mitigação) e categoria C (Alterações Climáticas). José Azevedo, professor da Faculdade de Letras e coordenador do projecto, declarou na altura, na presença da directora e de representantes da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direcção Geral de Educação: “É com muito gosto que organizamos esta cerimónia, onde vamos premiar as melhores ideias de adaptação e/ou mitigação das alterações climáticas submetidas a concurso. Todas as escolas estão de parabéns pela qualidade dos trabalhos propostos”
A mesma diretora inaugurou agora o encontro dos negacionistas. Ficamos sem perceber se ela está de acordo com os objetivos do concurso escolar, transmitir aos jovens as conclusões científicas sobre alterações climáticas, ou com os objectivos do encontro de negacionistas, negá-las? Que vão pensar alunos e professores? Em quem devem acreditar?
Carlos Fiolhais

6 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Varo Carlos Fiolhais,

"Que vão pensar alunos e professores? Em quem devem acreditar?"

É mesmo isso que é BOM. Que as pesoas questionem, tenham dúvidas, percebam as divergências e discordâncias. Nas vacinas, por exemplo, é BOM que haja dúvidas e questões - para que sejam esclarecidas, e acho que agora ninguém tem ainda dúvidas sobre a estupidez de não vacinar. Nas alterações climáticas ainda mais, pois ainda não considero definitivamente esclarecidas as relações causa-efeito, e estou escaldado por números e estatísticas que vieram a público e se revelaram falsas e mentirosas, só para propaganda. Que alguma coisa vem acontecendo ao clima, sobretudo com fenómenos extremos, parece indesmentível. Já o "aquecimento global" pode ser um logro. E as causas humanas terem muito menor peso do que propagandeiam os políticos, outro. São dúvidas legítimas de quem anda farto de discursos mentirosos, e não falo de Trump, porque o estilo já vem de longe.

A Universidade faz muito bem em denunciar e ser crítica; mas faz ainda melhor se for à luta e meter a ridículo as falsidades. Não foi. O argumento de que "eles" são isto e aquilo, gente não recomendável, pode ser verdadeiro mas aparenta mais o tipo teoria da conspiração. Então não há lobbies das Eólicas ? e do Solar ? E das baterias ?

Por exemplo, essa treta dos carros eléctricos parece-me a maior aldrabice: se os biliões (trilões?) de carros usassem triliões de baterias de lítio e cádmio, onde iam elas parar? Envenenar solos, em vez de envenenar o ar. Mas os mesmos politicos que querem acabar com os combustíveis fósseis não querem saber do mal pior que pode ser a alternativa eléctrica.

O problema , caro Carlos Fiolhais, é que o discurso científico foi substituído, ou usado, pela propaganda política, e perdeu credibilidade. Mantém essa credibilidade na Astronomia ou na Física Quântica, porque essas áreas ainda não foi adulterada pelo sistema politico-mediático.

ALIX disse...

Caro Fiolhais,

Na referida reunião estive presente, eu e cerca de mais uma dúzia de Engenheiros, muitos deles reformados e com prestigiadas carreiras profissionais que vão desde o Ensino Superior, Investigação Aplicada, Projecto de Engenharia, etc.. Esses fantásticos técnicos que Vexa e companhia se atreveram a qualificar demonstraram nas suas apresentações mais conhecimentos de Mecânica Estatística, Sistemas Dinâmicos, Mecânica de Fluidos e Analise de Sinais que a generalidade dos supostos especialistas em Alterações do Clima. As suas apresentações, que são publicas e logo perfeitamente escrutináveis por Vexas demonstram uma solidez cientifica que vos desafio a contraditar. Se não o fizerem, eu e todos eles, qualificarmos-emos como ASNOS com uma certa mania das grandezas que não tem, nem demonstram.
Digo-lhe francamente que o opúsculo que co-autorou é, no que às Ciencia do Clima diz respeito, um exercício infantil de copia e colagem de teorias não comprovadas e que assentam numa crença em modelos que demonstram há já demasiado tempo evidencia na sua falta de fiabilidade.
De resto, também lhe digo que existe, deste lado uma enorme incerteza sobre qual será a melhor via de descodificar este fenómeno da natureza, mas não é, nem nunca será pela via simplista de dar importância a um gás menor num processo fisico que é fundamentalmente transiente.

Cumprimenta,
Alexandre Guedes da Silva

Anónimo disse...

Quem não alinhar com a "vox populi", a do regime, não é bom chefe de família!

Anónimo disse...

O poder tem a sua tropa académica; sempre em prontidão, ao mínimo ruído ela entra a disparar, com a companhia dos (bons) média.

Um sorriso que não acaba disse...

Com textos destes o negacionismo vencerá. Um cheio de nada....e perdi o meu tempo a ler isto.

Mário R. Gonçalves disse...

Exacto. Mas tenho pena.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...