"Sou professora e interrogo-me acerca do que
estarão os meus alunos a absorver desta paisagem (...)
Tudo é a mesma massa estranha (...).
O sistema educativo público é horrível,
sem qualquer substância em artes, ou história ou geografia.
Os meus alunos na universidade não sabem nada do mapa do mundo."
Camille Paglia, Ler, 2018, 88.
Camille Paglia, professora da Universidade de Artes de Filadélfia, intelectual substancialmente conhecida pelas suas posições polémicas (ou, pelo menos, não convencionais) sobre a identidade sexual, tem dado expressão a preocupações que são de muitos daqueles que estão no ensino. Retoma algumas dessas preocupações na entrevista que deu à última revista Ler. Repesco-as e ligo-as a declarações anteriores que fez ao Expresso.
[Sobre a integração das tecnologias nas diversas dimensões da vida, e os seus reflexos na relação pedagógica]
(...) a geração mais nova está a retirar a sua energia da arena pública e a aplicá-la neste mundo pernicioso das redes sociais. Fico furiosa com isto. Até nas aulas tenho de obrigar os alunos a desligarem os telemóveis! (Expresso, 2016, aqui).
Há uma coisa sobre a qual tenho falado e que tem vindo a piorar nos últimos cinco, seis anos: não sei o que pensam os meus estudantes. Eles sentam-se e ficam ali sem expressão facial. Os latinos e os africanos reagem mais. Vejo-os a sorrir, pelo menos! Mas não usam a expressão facial nem a linguagem corporal para comunicar uns com os outros; mandam mensagens e isso vai ser desastroso para as artes, para o teatro (...). Acho que começa a parecer estranho que eu seja tão animada e gestual. Sou uma estranha para eles. Eles não fazem isso (Ler, 2018, 81)
[Sobre o que é preciso persistir no ensino]
"Tento sempre dar-lhes uma noção da História. O que é raro, já nem os professores de literatura e humanidades acreditam que a História existe. Falam dela com uma falsa narrativa, completamente fragmentada. É tão estúpido e idiota como isto. Eu olho para a vida humana com milhares de anos de longevidade" (Expresso, 2016, aqui).
[Sobre a sociedade, em geral, marcada pelo "politicamente correcto" pela "perda da noção de individualidade, pelo "policiamento do pensamento e dos costumes"]
"Parece haver demasiado autoritarismo, nem que ele se manifeste simplesmente na burocracia. Quando a burocracia é muito grande e demasiado controladora, assume um poder tremendo; é como um vampiro que nos retira energia da cultura, com as pessoas a tornarem-se passivas por causa da complexidades das exigências, regras ou regulamentos desse sistema burocrático. E é um sistema que produz sempre muito desperdício e é muito dispendioso que se alimenta a si próprio e se vai tornando maior e maior (...) Porque é preciso ser passivo, é preciso obedecer para ir escapando consecutivamente e sobrevivendo (Ler, 2018, 78)
[Sobre a universidade]
Como professora universitária, é inaceitável o número de regras que são impostas sobre nós. Quando comecei a ensinar, no início do anos 70, havia os professores e os alunos. Agora há um infindável número de regras e de papéis e tudo está automatizado e sinto que estou a viver numa máquina. E eu estou num pequena faculdade de artes! Imagino a situação numa grande universidade. Portanto, no geral estou preocupada com o sonho do direito à integridade do indivíduo num sistema que se está a tornar pesado com tanta burocracia, que está a retirar a nossa energia mental" (Ler, 2018, 78).
2 comentários:
"Porque é preciso ser passivo, é preciso obedecer para ir escapando consecutivamente e sobrevivendo (Ler, 2018, 78)"
A passividade pode ser altamente desobediente e agressiva.
Apelo à passividade para desburocratizar, parar, fazer apodrecer o sistema na espera de que o cumpram. Silêncio e permanentes greves de zelo.
Brilhantes reflexões sobre o "milagre" do multiplex do complex da burocracia à laia do tão propagandeado simplex.
Em todo o pessimista há um crente e entusiasta que foi sucessivamente e repetidamente (des)enganado.
Todas as formas de controle são formas de se enganarem a elas mesmas. É como acreditar que há uma forma de fazer as coisas acontecerem obrigando as pessoas. É isso que está em causa.
Mas não resulta, como os professores sabem muito bem da sua experiência com os alunos. O processo burocrático, sendo um meio e não uma finalidade, ao funcionar como finalidade está reduzido ao que é.
Quanto mais burocracias, mais burocracias se tornam necessárias, numa progressão geométrica.
E quando é o Estado, por lei, a impor critérios para tudo e para nada, então aí até o Estado se coarcta a ele mesmo no que respeita à oportunidade e à vantagem, ao custo-benefício.
As entidades privadas têm essa flexibilidade e essa liberdade de se adaptarem às situações concretas, caso a caso.
Mas onde tudo já está decidido/definido por lei, por autoridade, só falta quem execute e toda a tentativa de discussão é frustrada, é remar contra a maré e arranjar problemas.
Em situações de autoridade/autoritarismo, o mais simples e cómodo é ser passivo.
Tentar discutir com autoridades é uma estupidez.
Enviar um comentário