Artigo de Maria do Carmo Vieira (na foto), a propósito do "furo de Aljezur", saído no "Notícias de Almeirim":
Bartolomé de Las Casas (1484-1556), abade dominicano
espanhol, perante o «Requerimento» (1550) que os espanhóis liam na sua própria
língua aos índios, que a não compreendiam, exigindo-lhes que, após a leitura,
respondessem sim ou não às exigências descritas (sendo o não, a recusa à perda
da sua independência, punido com a morte) reagiu com uma frase que se tornou
célebre: Não sabemos se devemos rir ou
chorar em face do absurdo.
Perante as anedotas de intervenção política que de há muito temos vindo a ouvir, implicando não só este Governo, como os anteriores, e que ultimamente se sucedem, a reacção dos cidadãos será idêntica à de Las Casas – rir ou chorar em face do absurdo.
Perante as anedotas de intervenção política que de há muito temos vindo a ouvir, implicando não só este Governo, como os anteriores, e que ultimamente se sucedem, a reacção dos cidadãos será idêntica à de Las Casas – rir ou chorar em face do absurdo.
Essas anedotas reflectem-se em
diferentes áreas, nomeadamente na Cultura (a imposição, por exemplo, do
famigerado Acordo Ortográfico 90, a que se alia a rejeição complexada da
expressão «língua de Camões» para designar a língua portuguesa), no Ensino (o
funcional sobrepondo-se ao literário e conduzindo à «queima» de livros, ou
seja, de obras demasiado «maçudas para os alunos», com destaque recente para
«Os Maias» de Eça de Queiroz), no Ambiente (a iluminada afirmação da «desnecessidade
de estudos de impacto ambiental» por parte de quem pensa arrogantemente zelar
por nós e pelo ambiente). O cerne da questão está não só na leveza da argumentação
que se apresenta, quantas vezes ridícula e isenta de rigor e de seriedade, no
intuito de enganar os cidadãos, mas também na visível falta de cultura e de ética,
lamentavelmente disseminadas entre alguma classe política a quem se exigia o
contrário, dado o papel que desempenha numa sociedade que se pretende
democrática.
Lembremos a anedota da
«desnecessidade do estudo de impacto ambiental» relativamente ao furo de
prospecção de petróleo, em Aljezur, com a enganosa e absurda justificação de
que se tratava simplesmente de «uma mera pesquisa», de «uma investigação
geológica». Depois logo se veria… Na estratégia já estafada, pela cumplicidade demasiado
repetida, o Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, aceitou a douta
decisão da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que isentou de avaliação de
impacto ambiental o furo de prospecção de Aljezur, negligenciando e contrariando
pareceres de Associações de Municípios do Algarve e do Alentejo Litoral, Câmaras,
Assembleias Municipais, Juntas de Freguesia, Associações e Movimentos
Ambientalistas, entidades ligadas ao Turismo, empresários e milhares de
cidadãos portugueses a que se juntam inúmeros estrangeiros a viver em Portugal.
Os Ministérios da Economia e do Mar, associando-se ao alibi da defesa do
«interesse público», de «interesses económicos e de cumprimento contratual», invocou que o furo
iria permitir «mapeamento, cartografia
e avaliação científica nos três blocos – lavagante, santola e gamba, numa área
total de 4.546 quilómetros quadrados.» No entanto, «os contratos assinados
conferem direitos para um único título: “prospecção, pesquisa, desenvolvimento
e produção de petróleo”, sendo o retorno, para o Estado, diminuto: «taxas de 2%, 5% e 7%
sobre os barris produzidos». Uma aplicação perfeita da frase cavaquista «deixem-nos trabalhar», isentando à
força os portugueses de preocupações legítimas em relação à política, no seu
puro sentido etimológico (do grego politikós,
ou seja, a intervenção dos cidadãos na «cidade-estado», na pólis). Na verdade, e talvez seja por isso que a menosprezam, a etimologia ajuda-nos a pensar na história da
palavra, na verdade do seu significado, e, no caso, a reflectir sobre a
imperiosa necessidade de «intervir» no dia-a-dia da «cidade», do país, de forma
a libertarmo-nos da «serenidade» que constantemente nos pedem.
Consolar e acalmar são efectivamente
acções cujo verdadeiro sentido se perde porque traduzem uma fingida bondade por
parte de quem pretende impor algo, sabendo a
priori da forte rejeição crítica a esses objectivos e, nesse sentido,
surgiram, com a habitual falta de objectividade, as palavras do consórcio
Eni/Galp, salientando terem sido exaustivos «os estudos ambientais e as
avaliações de risco já desenvolvidos […]» que não «identificaram qualquer
impacto ambiental negativo». Certamente por falta de coordenação, porque nestas
situações o atabalhoamento é constante, uns (Governo e APA) afirmam «a desnecessidade de estudo de impacto
ambiental» (o sublinhado é nosso), o consórcio afirma o que anteriormente
transcrevemos.
Mencionar
esta causa, defendida por milhares de cidadãos, exige referir a Plataforma
Algarve Livre de Petróleo (PALP) e a nova providência cautelar que interpôs para evitar o início dos trabalhos,
planeados para Setembro. Tivemos recentemente a grata notícia de que a referida
providência cautelar tinha sido aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de
Loulé (TAL) que chumbou, no seu despacho de 29 de Junho p.p., as «pretensões do
consórcio ENI/GALP para dar início às prospecções de petróleo ao largo de
Aljezur até ao final do ano», salientando-se ainda não estar convenientemente fundamentado o «interesse
público» invocado pelos Ministérios que apenas referem «interesses económicos e
de cumprimento contratual».
Já aprendemos a resistir à doçura do canto das
sereias. A experiência tem-nos calejado e dado a força e a paciência
necessárias para nos mantermos em estado de alerta. Na verdade, urge que assim
seja porque o «canto» vai continuar a ouvir-se.
A
4 de Agosto haverá uma «Caminhada Nocturna Pelo Ambiente – 24h Contra o Furo de
Aljezur». O ponto de
encontro será no Mercado Municipal de Bensafrim (Lagos), às 23h00. Podendo,
participe!
Maria do Carmo Vieira
Lisboa, 30 de Julho de 2018
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