Artigo de opinião de Jorge Buescu, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, na Visão de hoje:
Num mundo cada vez mais acelerado existem cada vez menos
certezas sobre o futuro. Uma das poucas certezas que podemos ter, contudo, é a
de que a Matemática vai ocupar um papel cada vez mais central na formação, no
desenvolvimento profissional e no mercado de trabalho da sociedade futura. Nos
Estados Unidos já hoje, em 2016, a criação de empregos em áreas que façam uma
utilização intensiva de conhecimentos e capacidades matemáticas é três vezes
superior à média do mercado de trabalho geral. Na Europa estima-se que exista,
até 2020, um défice de cerca de um milhão de profissionais ligados às
Tecnologias de Informação com formação especificamente matemática.
Por outro lado, com o crescimento exponencial das áreas
ligadas ao chamado Big Data, da
massificação da recolha e acesso a dados numéricos e da generalização da
capacidade de cálculo, esta tendência está a crescer cada vez mais
aceleradamente. Hoje em dia emergem aplicações decisivas da Matemática não só
nas tradicionais de Ciências e Engenharia, mas em áreas como a medicina, a
indústria, as finanças, os negócios, até mesmo o entretenimento (a Netflix é um
bom exemplo).
Por isso mesmo, hoje como nunca antes, a excelência da
formação e da qualificação matemáticas das novas gerações são um verdadeiro
desígnio nacional. As novas gerações competirão num mercado de trabalho global
e terão de estar excepcionalmente bem preparadas do ponto de vista matemático.
A qualidade na Educação, a todos os níveis, é uma batalha que tem de ser ganha
para que o nosso País seja competitivo. A mediania não é uma opção. O objectivo
tem de ser a excelência.
A evolução do sistema educativo português no século XX caracterizou-se
pela batalha da quantidade. Portugal tinha, no início do século XX, uma taxa de
analfabetismo de 80% e níveis de escolaridade residuais; um século depois
estava essencialmente erradicado o analfabetismo e instituída a escolaridade
universal obrigatória de 9 anos. Este crescimento foi explosivo: por exemplo, nos
20 anos seguintes ao 25 de Abril o número de estudantes no Ensino Secundário decuplicou, fenómeno que não tem
paralelo nos nossos parceiros europeus. A parte negativa é que este crescimentos
se deu sem preocupações de uniformidade e qualidade; consequentemente, o
sistema educativo português revela graves fragilidades e insuficiências, grandes
assimetrias e bolsas de falta de qualidade. Estas fragilidades são simplesmente
mais evidentes, porque completamente indisfarçáveis, numa disciplina como a
Matemática; mas são comuns ao sistema educativo como um todo.
O grande desafio que se coloca à Educação em Portugal no
século XXI é pois esta batalha da qualidade – ou, talvez melhor
superlativamente, da excelência. Para ultrapassar as fragilidades e
desarticulações do nosso sistema educativo não pode haver complacências nem
concessões ao facilitismo. Os curricula escolares têm de ser rigorosos e
exigentes, com metas claras e bem definidas. Os professores têm de ter formação
cientificamente muito sólida e actualizada. Os processos de avaliação de
conhecimentos têm de ser rigorosos, avaliando conhecimentos no final de cada
ciclo. Os manuais escolares têm de ser cientificamente imaculados, e para isso certificados
em termos de qualidade. E todo o sistema deve ser monitorizado através da
participação nos grandes estudos internacionais periódicos TIMSS, PISA e PIRLS
– dos quais por opção política e ideológica, caso único na OCDE, Portugal optou
até 2011 por se auto-excluir.
A excelência no ensino é o maior desafio para a Educação em
Portugal, e simultaneamente uma enorme responsabilidade colectiva para com os
nossos jovens. Temos estar à altura desse desafio, para que eles venham a estar
à altura dos desafios que lhes serão colocados enquanto adultos.
Tenhamos nós sucesso nesse desafio hoje, e eles se
encarregarão que o País tenha sucesso no futuro.
Jorge Buescu
Outubro de 2016
1 comentário:
Infelizmente, todos os sinais indiciam que a política educativa actual não vai nesse sentido, antes pelo contrário. Veja-se o caso da APM, que ganhou força com esta equipa ministerial. A sua perspectiva sobre o ensino da matemática é o oposto da visão da SPM (e de Jorge Buescu), pelo que a “reversão” do que foi conseguido nos últimos anos deve estar para breve.
Enviar um comentário