sábado, 15 de outubro de 2016

"NOVAS OPORTUNIDADES" E ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO

"Quando se dá uma bolacha a um rato, logo a seguir ele pede um copo de leite". 
Provérbio chinês

Transcrevo uma destacada notícia de jornal sobre uma solene cerimónia académica, presidida pela secretária de Estado do Turismo, alusiva à criação de uma licenciatura de Gastronomia na Escola Superior de Educação de Coimbra:

“Rui Antunes, presidente do IPC, voltou ontem a sublinhar a necessidade de se acabar com o sistema binário de Ensino Superior, preconizando a união do sistema num quadro pluri-institucional, em que cada instituição ‘escolha a que se adapta melhor ao seu processo educativo’. Ao rejeitar que o Politécnico queira ser Universidade reafirmou que apenas pretende um enquadramento jurídico igual. O actual sistema binário causa, segundo o docente, prejuízo ao ensino politécnico, nomeadamente, na formação do 3.º ciclo [doutoramentos] e com entraves à investigação. O movimento pela alteração do sistema binário inclui os institutos politécnicos de Lisboa e Porto. O projecto educativo politécnico será sempre  diferenciado do universitário, disse” (“Diário de Coimbra”, 14/10/2016).

Ou seja, Rui Antunes, um tanto a latere, talvez porque “imaginamos o que desejamos, queremos o que imaginamos e, por fim, acreditamos no que queremos” (Bernard Shaw), aproveitou a ocasião para, em linguagem popular, “voltar à vaca fria”, criticando o sistema binário de ensino superior (universitário e politécnico), em arrazoado em que mete os pés pelas mãos e as mãos pelos pés, pretendendo, ipso facto, acabar com o sistema binário de ensino superior defendendo, em causa própria, uma terceira via de ensino superior: um  ensino híbrido do tipo centauro, metade universidade, metade politécnico.

Debrucemo-nos, agora e ainda que resumidamente, sobre algumas passagens do discurso formal de Rui Antunes:

- Começo por voltar a citar o final da notícia jornalística supracitada: “O movimento pela alteração do sistema binário inclui os institutos politécnicos de Lisboa e Porto”. Nela não é referido o Instituto Politécnico de Coimbra, referência desnecessária porque implícita: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte”! (provérbio popular).

- Um quadro pluri-istitucional, em que cada instituição “escolha a que se adapta melhor ao seu processo educativo”. Ou seja,  uma espécie de auto-gestão para um ensino politécnico à la carte, em imitação de universidade em que os cursos criados proliferam como cogumelos em terreno húmido.

- Como se pode aceitar a rejeição de  que o Politécnico seja universidade preconizando, em simultâneo, um enquadramento jurídico igual? Ou seja, os deveres para a Universidade (acesso mais difícil, por exemplo ) e os direitos para os politécnicos (vantagem nos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico, outro exemplo)?

Passando, agora, ao essencial da questão, segundo Hannha Arendt, “a irreflexão parece ser uma das principais características do nosso tempo”,  só  irreflectidamente  Rui Antunes poderá produzir a sua declaração  do "Politécnico não querer ser Universidade".

Em prova documental que  desmente, esta sua peremptória declaração pública, sem apelo nem agravo, recordo a verdade dos factos, porque “a única verdade é a realidade” (Aristóteles), trazendo, como tal,  à colação o meu artigo de opinião:  “Ensino Superior e doutoramentos” (“Público”, 12(/07/2016). 

Nele escrevi, preto no branco:

“Anos atrás, foi feita por Rui Antunes a seguinte declaração:  “A cidade de Coimbra só teria a ganhar  se o Instituto Politécnico de Coimbra continuasse a fazer o que tem feito até  aqui com o nome de Universidade Nova de Coimbra!” (“Diário de Coimbra”, 10/11/2005). Quem sabe se por ter dado pelo plágio relativamente ao nome de Universidade Nova de Lisboa, volta ele à carga propondo, agora, lato sensua crisma de ensino politécnico para ‘Universidade de Ciências Aplicadas” (“Diário as Beiras”, 05/08//2013).

Caro leitor, o que aqui escrevo “é um repositório de factos, testemunho do passado, exemplo do presente, advertência do futuro” (Miguel Cervantes). Um futuro que não pode estar hipotecado a um presente em que o ensino politécnico não preenche as vagas que lhe são destinadas confluindo, esta situação, consequentemente, com uma hemorragia dos dinheiros públicos. 

E isto, através da pretensa igualização de um ensino politécnico de menor exigência relativamente a um ensino de secular tradição ministrado em claustros universitários que vivem, por vezes, afogados num mare magnum de carências orçamentais para fazer face a uma sobrevivência digna e dignificante. Tudo somado, resume-se tudo isto a uma questão de bom senso e, principalmente, de boa utilização dos dinheiros públicos em época de vacas magras!

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