quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Investigação em História da Medicina Tropical

Um grupo de investigadores de vários países reuniu-se em Lisboa, entre 14 e 16 de Outubro de 2015, para apresentar e debater os resultados das suas pesquisas no âmbito da História da Medicina Tropical. O objetivo foi promover uma “reflexão histórico-social obre o papel da medicina tropical no âmbito da saúde pública global, nos séculos XIX e XX” [1]. Os três dias de evento deram lugar a 17 sessões temáticas, 66 comunicações, 3 conferências plenárias, uma mesa redonda, 2 exposições e uma visita ao Museu da Associação Nacional de Farmácias [2].

Estas apresentações levaram à publicação de artigos nos Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, num volume especial dedicado a este encontro. Na impossibilidade de referir todos os artigos, irei debruçar-me apenas sobre aqueles que foram escritos pelos investigadores do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), por ser o centro de investigação ao qual pertenço. O total dos artigos pode ser consultado aqui.


A professora Isabel Amaral analisou o impacto da II Guerra Mundial na obra de Aldo Castellani (1877-1971) e a influência do médico na escola portuguesa de medicina tropical (1946-1971), partindo do estudo do espólio legado ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

O italiano Aldo Castellani foi investigador na London School of Tropical Medicine e na Ceylon Medical College, onde estudou a doença do sono e a framboesia, respetivamente. Ensinou micologia, medicina tropical e foi médico pessoal da Família de Savóia, que acompanhou no seu exílio para Portugal, após a II Guerra Mundial. Quando chegou a Portugal já era conhecido dos médicos tropicalistas, pois, no início do século XX, vira-se envolvido numa disputa internacional com os médicos portugueses sobre quem tinha descoberto o agente etiológico responsável pela Doença do Sono. A prioridade da descoberta seria dada à equipa inglesa, da qual Castellani fazia parte. A sua carreira foi pautada pela identificação de microrganismos responsáveis pela causa de doenças tropicais. Autor prolífico, publicou mais de 500 artigos científicos. Apesar de estar inserido na comunidade médica portuguesa, optou por movimentar-se por outros circuitos, buscando reconhecimento internacional. [3]

O trajeto de Francisco de Cambournac na OMS (1952-1964) foi estudado pela Rita Lobo e por mim, cujos resultados apresentámos em co-autoria. Tendo encontrado novos documentos em arquivo, conseguimos complementar uma lacuna existente na historiografia da medicina tropical, discutindo os meandros da escolha de Cambournac para o Bureau Regional Africano da OMS [4]. Os resultados do nosso trabalho já mereceram destaque na Imprensa.

Sendo a literatura farmacêutica no século XVIII relevante para a história da farmácia e da medicina portuguesa, Wellington Filho apresentou o estudo das obras de Frei Jesus Maria (1716-1795), monge-boticário e administrador da botica do Mosteiro de Santo Tirso, influenciado pela classificação de Lineu e pela ilustração do naturalista Domenico Vandelli - duas figuras históricas importantes para a Botânica. As obras de Jesus Maria revelavam a preocupação em melhor utilizar as riquezas coloniais e em conciliar os conhecimentos populares do uso das plantas com o conhecimento médico-farmacêutico do Iluminismo [5].

Ana Paula Silva, num artigo exploratório, recorrendo a análise de documentos, procura argumentar que o trabalho de técnicos e cientistas portugueses, nos anos 1960-1970, envolvidos na construção do lago artificial de Cahora Bassa, terá aberto o caminho para a Medicina Ambiental em Portugal e para a atual linha de investigação transversal do IHMT, as “Doenças Emergentes e Alterações Ambientais”. Este trabalho deixou-lhe em aberto uma questão que procurará responder no futuro, se a Medicina Ambiental foi introduzida em Portugal através da Medicina Tropical [6].

Na organização do evento, estiveram envolvidos o Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia (CIUHCT), a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa (FCT-UNL), o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), a Casa de Oswaldo Cruz, a Universidade de York e a Fundação Friedrich Ebert.

Notas:
[1] Isabel Amaral (2016), in Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, p.7
[2] Maria Paula Diogo (2016), idem, p.17
[3] Isabel Amaral (2016), idem, pp.119-124
[4] Rita Lobo & João Lourenço Monteiro (2016), idem, pp.133-140
[5] Wellington Filho (2016), idem, pp.161-166
[6] Ana Paula Silva (2016), idem, pp.175-182

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