“O mais excelente quadro posto a uma luz, logo mostra borrões, e visto a melhor luz, logo descobre pinturas” (Padre António Vieira).
Publico este post minutos antes do jogo entre as seleções de futebol de Portugal e Estados Unidos para que o resultado final deste decisivo encontro para as cores nacionais não influencie a presente análise que tem a suportá-la a minha defesa de Carlos Queiroz, em vários posts no “De Rerum Natura” (v.g. “Carlos Queiroz
versus Paulo Bento, 22/05/2012) e a sua recente entrevista no Público (18/06/2014), intitulada:
“Se o Cristiano Reinaldo do Brasil for o mesmo da África do Sul, a selecção terá menos chances”.
Neste contexto, regressando ao passado, depois de na fase de grupos ter empatado com a Costa do Marfim e Brasil e vencido a Coreia do Norte por 7-0 (equipa que viria a perder com o Brasil pelo escasso resultado de 1-2), ressurge, inevitavelmente o
“escândalo” da equipa das quinas não ter chegado aos quartos-de-final do Campeonato do Mundo 2010, por eliminação com o resultado de 0-1 a favor da fortíssima selecção de Espanha que se viria a sagrar Campeã do Mundo.
No supracitado Campeonato do Mundo, foi seleccionador um teórico (Carlos Queirós) e no actual Campeonato do Mundo (2014) é seleccionador um prático (Paulo Bento). Aliás, este despique entre teóricos e práticos foi moeda corrente em outras épocas, sendo que, no caso da prática desportiva, encontra raízes milenares na Grécia Antiga. Segundo Galeno (célebre médico grego, tido como pai da medicina desportiva moderna), os treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob o pretexto de não se ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas quando se não tem a prática do ofício.
A minha classificação de teórico dada a Carlos Queirós, um modestíssimo jogador de futebol competitivo, encontra razão na sua formação e docência universitárias, licenciatura e mestrado em Metodologia do Treino pelo ISEF da Universidade Técnica de Lisboa e posterior docência onde teve como aluno José Mourinho (também ele, modesto praticante do desporto-rei) que, aquando da atribuição do seu doutoramento honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, reconheceu publicamente que
“seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom" (“Record”, 24/03/2009).
Por outro lado, Paulo Bento tem a suportar o seu currículo de treinador apenas o facto de ter sido um destacado jogador da Selecção Nacional de Futebol (35 vezes internacional) e a habilitação de cursos de treinador de futebol, promovidos pela Associação de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
Ou seja, o futebol moderno, embora conservando a sua componente de sorte inerente a toda e qualquer forma de jogo que o torna aliciante para as multidões, exige, hoje, condições científicas inerentes à respectiva metodologia de treino e conhecimento profundo do funcionamento da “máquina humana”, questões que, por vezes, são mantidas no esquecimento.
Entretanto, evidencio o clima favorável criado à volta de Paulo Bento, em vésperas do actual Campeonato do Mundo, a decorrer em Terras de Santa Cruz, em contraste com o clima hostil que rodeou Carlos Queirós, aquando do passado Campeonato do Mundo de Futebol 2010, em que a selecção teve a acompanhá-la, na África do Sul, o vice-presidente da FPF, Amândio Carvalho, que se manifestou, desde o princípio, contra a contratação de Carlos Queirós criando um clima pouco propício a boas relações entre ambos e a própria selecção.
Este clima, como não podia deixar de ser, reflectiu-se no comportamento dos jogadores da selecção nacional com destaque para a atitude de Cristiano Ronaldo que, desculpando-se pela sua má prestação foi colhido pelas câmaras de televisão, a dizer com ar agastado (cito de memória):
“Isto assim não dá Carlos!”
Referindo-se a esta situação, Carlos Queiroz, na supracitada entrevista, ao lhe ser perguntado se
“ainda estava magoado com Cristiano Ronaldo, que o responsabilizou após a eliminação no Mundial 2010”, respondeu:
“Não, estou absolutamente distanciado e indiferente. Nem eu, nem ele devemos nada um ao outro. Agora, se o Cristiano, num determinado momento da sua vida, entendeu que devia actuar comigo daquela forma, apesar de não esperar, tenho de respeitar. Não me move nada contra ele, mas continuo a pensar que não foi um comportamento oportuno, ajustado e adequado à posição dele como capitão da selecção.Sinceramente, não gostei e seria hipócrita se dissesse o contrário”.
Inevitável, nessa entrevista veio à baila o litígio Federação Portuguesa de Futebol/Carlos Queiroz, com a pergunta do entrevistador:
“Tem tudo resolvido com a Federação Portuguesa de Futebol [FPF]?” Respondeu Carlos Queiroz:
“Tudo. Com a federação não tenho nenhum problema, pelo contrário. O que aconteceu [processo litigioso após a FPF lhe ter rescindindo o contrato como seleccionador no final do Mundial 2010, por quebra de confiança] foram incidentes de pessoas que estavam envolvidas com a instituição. A FPF é a minha casa, onde nasci para o futebol”.
Casa essa onde foi responsável pela preparação de equipas de jovens futebolistas que foram duas vezes Campeões Mundiais sub-20 e que deram lugar, anos mais tarde, a uma geração de ouro do futebol português com nomes como Figo, Rui Costa, Vitor Baía, João Vieira Pinto, entre outros.
Os resultados obtidos por Portugal na África do Sul, manipulados pelos seu detractores como se tivessem sido péssimos, pretenderam deixar a imagem de um verdadeiro soçobrar das Selecção das Quinas.
Assim, depois do regresso da equipa de todos nós a fronteiras nacionais, no “Jornal de Desporto da SIC” (06/09/2010) assistiu-se a uma declarada tentativa de intoxicação da opinião pública contra Carlos Queirós de que se fez personagem principal o jornalista Jorge Baptista, que se desfazia-se em sorrisos de puro gozo, como se tratasse de um
round de boxe virtual de desforço, sempre que os restantes intervenientes, embora de forma moderada, teciam análises desfavoráveis às substituições feitas pelo seleccionador nacional na África do Sul.
Por último, nessa entrevista, Carlos Queiroz, antecipando-se ao facto de a história levar o seu tempo para fazer memória (Gertrude Stein), diz ter tido a humildade de quando as coisas se tornaram difíceis para ele fazer as malas e procurar sucesso em outras paragens do mundo surgindo, hoje, com seleccionador do Irão no actual Campeonato Mundial de Futebol. E assim se cumpriu, uma vez mais, o aforisma de que ninguém é profeta na sua terra.