A professora que iniciou o #estudoemcasa, familiarmente designado por "nova telescola", tornou-se uma estrela nacional da noite para o dia e, por isso mesmo, digna de mais do que uns breves minutos de fama.
Ouviu-se falar muito dela, no imediato, quando alguém contou as dezenas de "ok" que dizia numa "aula" e, depois, quando foi divulgado o "share" que conseguiu, superior ao de uma "campeã de audiências" (ver, por exemplo aqui). Seguiu-se o que é normal e natural na comunicação social, mesmo na mais séria e crítica: foi, por exemplo, convidada para um programa de televisão do tipo "comédia-intelectual" e, quando já parecia esquecida (não obstante o seu considerável "rasto" na internet), três jornais "de referência" dedicaram-lhe atenção especial (Expresso, Público e Jornal de Letras). A um deles deu uma longa entrevista.
Disse, nessa entrevista, entre várias outras coisas admiráveis, que nunca foi de ler livros, mas que está a tentar ler e que até está a tirar uma pós-graduação em "Livro infantil". Seguiu-se, já se vê, o eco online, nada abonatório (por exemplo, aqui e aqui), que continuou nos "comentários":
Mas, tenho a dizer, em favor da professora em causa, que a sua declaração revela uma característica desde há muito central no perfil docente e nada me faz pensar que se vai atenuar, bem pelo contrário, julgo que se irá acentuar: ser aplicadora, animadora, dinamizadora... de "actividades pedagógicas" preparadas por outrem, paupérrimas sob o ponto de vista da estimulação intelectual e da construção do ser. Isso vê-se bem nas suas "aulas" mas também na "aulas" de outros professores do dito contexto.
Ouviu-se falar muito dela, no imediato, quando alguém contou as dezenas de "ok" que dizia numa "aula" e, depois, quando foi divulgado o "share" que conseguiu, superior ao de uma "campeã de audiências" (ver, por exemplo aqui). Seguiu-se o que é normal e natural na comunicação social, mesmo na mais séria e crítica: foi, por exemplo, convidada para um programa de televisão do tipo "comédia-intelectual" e, quando já parecia esquecida (não obstante o seu considerável "rasto" na internet), três jornais "de referência" dedicaram-lhe atenção especial (Expresso, Público e Jornal de Letras). A um deles deu uma longa entrevista.
Disse, nessa entrevista, entre várias outras coisas admiráveis, que nunca foi de ler livros, mas que está a tentar ler e que até está a tirar uma pós-graduação em "Livro infantil". Seguiu-se, já se vê, o eco online, nada abonatório (por exemplo, aqui e aqui), que continuou nos "comentários":
Como é possível uma professora - melhor, uma professora das primeiras letras e das primeiras leituras - declarar, com toda a candura, sem medir as consequências, que nunca foi de ler livros?!;
Como é possível que alguém se torne professor, lhe seja passado o diploma, não sendo muito de ler livros?!Entendo as interrogações e o tom carregado com que foram feitas. Como poderia não as entender?!
Mas, tenho a dizer, em favor da professora em causa, que a sua declaração revela uma característica desde há muito central no perfil docente e nada me faz pensar que se vai atenuar, bem pelo contrário, julgo que se irá acentuar: ser aplicadora, animadora, dinamizadora... de "actividades pedagógicas" preparadas por outrem, paupérrimas sob o ponto de vista da estimulação intelectual e da construção do ser. Isso vê-se bem nas suas "aulas" mas também na "aulas" de outros professores do dito contexto.
Esperará a sociedade, agora tão indignada, que um professor (ou, como se tende a dizer, "um profissional de ensino") leia livros?! Lembro que tem sido a própria sociedade, através das suas diversas instituições, a retirar-lhe esse direito e esse dever. Desde que cuidem dos miúdos, que os tornem "felizes" e vão legitimando discretamente as passagens de ano, nada mais se quer deles. Falo, evidente e lamentavelmente, da escola pública.
Digo em continuação, e do que me apercebo, a excepção é um professor que lê.
E se um professor não lê, porque é que não lê?
Digo em continuação, e do que me apercebo, a excepção é um professor que lê.
E se um professor não lê, porque é que não lê?
Porque a leitura de livros, sobretudo dos que se incluem na categoria de "literatura", tem estado (e continua) afastada de todos os níveis de ensino, incluindo o superior e, neste nível, mesmo na formação de professores. Ler esses livros não parece ser importante pois de útil nada têm, e, explicam os iluminados do "politicamente correcto", podem até ser perigosos, acentuar estereótipos, criar mal-estar pessoal, etc.;
Porque "prescrever" obras como leitura obrigatória (e, mesmo, facultativa), ou seja, levar a ler, como explica Daniel Pennac, tem sido catalogado como heresia: cada um deve ler o que for do seu interesse muito particular, o que tiver a ver com o seu gosto, o seu ethos, a sua cultura... E isto é válido para todos, alunos e professores
Porque os manuais e os seus muitos anexos e cadernos (em geral redigidos por professores e para professores) têm lá os recortes dos livros, com a interpretação "certa", as perguntas (e, evidentemente, as respostas). E, se isso não for suficiente, há à venda apontamentos e resumos, escritos e também em audio, conforme dê mais jeito ao "consumidor". Nem alunos nem professores precisam de ler o que quer que seja, uns para ensinar e outros para aprender;
Porque a leitura requer entrega e, antes disso, fluência e compreensão. E isto depende do ensino/formação e implica tempo, muito tempo de aprendizagem/preparação... onde a fruição também tem de marcar presença. Ora, isto não cabe na lógica da eficácia e da eficiência, de preparação do "cidadão de sucesso" que há-de funcionar como "capital humano" num mercado de trabalho marcado pela competição produtiva;
Porque, em suma, e para não me alongar mais, mesmo os professores que são (ou foram) leitores têm no novo paradigma da "Educação do futuro", do "Século XXI" a maior dificuldade em encontrar "cabeça" para ler, para ler como leitores, entre as mil tarefas burocráticas, inúteis e estupidificantes que lhes são atribuídas. E a leitura, tal como se aprende, também se desaprende; conforme se lhe ganha o gosto, também se lhe perde o gosto.
Não sei que "volta" podemos dar, como sociedade, ao "estado a que chegámos" em termos de formação de professores e de ingresso no ensino, de orientações e directrizes curriculares da tutela, de organização da aprendizagem na escola, mas se não achamos razoável a declaração da professora, teremos de pensar, de modo demorado e empenhado, em alguma "volta" consistente.
Isto é distinto de nos limitarmos a apontar em público este ou aquele professor, de que logo nos esquecemos para, passados uns dias, nos focarmos noutro e, depois, noutro. Entretemo-nos, é certo, com cada caso "chocante", mas não chegamos ao cerne da questão. É a esse cerne que precisamos de chegar.
Isto é distinto de nos limitarmos a apontar em público este ou aquele professor, de que logo nos esquecemos para, passados uns dias, nos focarmos noutro e, depois, noutro. Entretemo-nos, é certo, com cada caso "chocante", mas não chegamos ao cerne da questão. É a esse cerne que precisamos de chegar.
5 comentários:
Essa notícia, primeiro inquietou-me, depois de pensar, concluí que não era nada que eu já não soubesse, mas não é fácil admitir que um professor é mais e muito menos do que "o modelo" de professor.
Fala-se muito em "perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória". Todos esperam que o professor seja mais habilitado e inteligente e responsável, etc., do que um aluno à saída da escolaridade.
Adquirir o estatuto de professor é um passe de mágica incrível. A simples mudança de papel no teatro das operações, faz toda a diferença. E todos acreditamos nisto, ou, pelo menos, funcionamos como se acreditássemos.
Se pusessem a chefe das funcionárias a Diretora da escola, no dia seguinte, ela era a pessoa mais dotada e competente que alguma vez se viu e todos os doutores eram uma cambada de maledicentes, que tinham de ser metidos na ordem.
Mas a questão é mesmo "ler ou não ler".
É certo que quem lê tem imensa dificuldade em fazer-se entender por quem não lê.
Quem não lê cumpre os requisitos da sociedade do pré-formatado. Comprar tudo feito é o modelo em que vivemos. Não ter de aprender a fazer as coisas. Não ter de pensar, porque já tudo está pensado, etc..
Por que nos torturaríamos a pensar, com as nossas limitadas capacidades de iniciados, sobre aquilo que as maiores inteligências já pensaram e repensaram durante séculos e nos colocaram "gratuitamente" nas mãos?
O chamado espírito crítico é andar para trás, é perder tempo, é, no fim de contas, uma estupidez, porque a roda e a pólvora estão ali à vista, tudo o que precisamos de saber, está ali, não precisamos de inventar nada.
Aliás, ter pensamento crítico é justamente perceber o que acabo de referir. Sair disso é pedir uma reprovação por burrice. Ser questionador, perturba, ser dissonante é conflituoso, disruptivo, desagregador, desagradável, enervante, hostil, exigente e incompreensível. Quem quer isso?
Se já está tudo pensado e comprovado e simplificado e optimizado (e decidido) por que raio hás-de pensar e problematizar e dizer por outras palavras?
Não estão os problemas todos resolvidos? Somos nós que vamos resolvê-los?
Que é que estamos, então, a fazer na escola? Isto não é pensamento crítico?
Os partidos, as seitas, as religiões, os clubes, os filósofos, os cientistas, os fabricantes, os comerciantes…, não têm as respostas para as questões e os problemas?
Quem és tu/sou eu para discutirmos e pormos em causa o que quer que seja?
As bíblias e os altares não tinham todas as respostas para tudo?
Se tu fores capaz de reproduzir as crenças da tua igreja, as ideias dos principais filósofos, as teorias dos maiores cientistas, os argumentos do teu partido, já serás tido como sábio.
Se questionares tudo isso, ainda que abras brechas nos edifícios de terracota, o que te perguntarão será sempre sobre aquilo que é sabido.
Aprende de cor o catecismo da tua disciplina ou religião, ou a cassete do teu grupo ou partido e representa o respetivo papel que, para seres excelência, só não deves fazer ondas.
Subscrevendo quase tudo, lembro que há empresas (pelo menos americanas, em tempos o assunto foi notícia) em que não se dispensa um exame de expressão escrita em inglês para inúmeras funções, incluindo técnicas. E creio ter lido algures que há uma recuperação do Latim como ferramenta poderosa para ginasticar o domínio da Língua, mais uma vez o Inglês, por contraditório que pareça. Enfim, luzes na escuridão.
Mais do que para ensinar a ler, escrever e contar, a escola massificada das aprendizagens essenciais serve, sobretudo, para qualificar profissionalmente a população portuguesa.
Outro galo cantaria, se as crianças, depois de aprenderem a ler, lessem realmente ao longo de toda a sua vida. Assim, quando a função do professor foi capturada por uma série imensa de atos burocráticos estupidificantes, como são colocar a cruzinha nos quadradinhos do nunca revela, revela por vezes ou revela sempre, para classificar a criatividade de cada um dos seus trezentos e tal "formandos", minudências, como saber ler ou pensar, perdem todo o valor!
Uma das últimas esperanças que nos restam é a de que, finalmente, os fundos estruturais destinados à área da educação e ciência, em vez de serem esbanjados em ridículas ações de formação de professores e educadores de infância, sejam bem aplicados nas Universidades públicas que ainda formam professores que sabem aquilo que ensinam.
A questão que levanta é central. Não se trata de crucificar um professor por ser ingénuo e honesto na forma como confessa o seu "pexado", trata-se de verificar que os professores serão aquilo que o sistema quer que eles sejam. Se queremos outros professores, alteremos o que há a alterar e obteremos, sem dúvida, outros resultados. O ponto é que os nossos governantes não querem alterar coisa nenhuma. Professores acríticos e subservientes ao sistema são os que interessam. Ter cultura é perigoso. Produz revolta, insatisfação, crítica... O estado quer apenas ter gente que se deixa manipular pelas suas políticas educativas de baixa qualidade e nenhuma exigência onde o que importa é que todos passem, independentemente de terem adquirido as aprendizagens.
Fico triste com a pressão exercida sobre os professores no que se refere à avaliação sumativa. A um dado momento, as pessoas vão desmobilizando porque se cansam de remar contra a maré.
Sou professor e adoro ler e aprender constantemente, mas sei que não há já muitos assim. A maior parte sabe o que é estritamente pedido que saiba para ensinar aos seus alunos. Uma tristeza!
E depois temos a superbrurocratização do ensino. Passamos a vida a preencher tabelas, escrever relatórios, preencher minutas e alimentar plataformas sobre tudo e mais um par de botas. Muitas vezes, repetindo informação já dada. Há um medo entranhado de não ter os papéis todos em ordem. Onde fica tempo para ler, meditar, pensar, projetar o ensino? Obviamente, as pessoas também têm vida pessoal. Se nos enchem o tempo de trabalho com burocracia, não haverá tempo para a cultura, a leitura, etc. A meu ver, isso é que é essencialmente formação contínua. A maior parte das ações de formação não valem a ponta de um corno. E temos de as frequentar para obter créditos! Quantas vezes penso no tempo que estou a perder para a leitura, no momento em que frequento ações de formação! Enfim, se quiséssemos, haveria tanto a mudar. Infelizmente, não queremos!
Sim, a leitura. Sem dúvida, a leitura. Tudo já foi escrito e não sei que mais se poderá escrever... Horas intermináveis de palavras e palavras no autismo do texto que nos abre o mundo. As lentes vão graduando na luz artificial enquanto espreitamos o outro e as descobertas fantásticas feitas ao longo do tempo e aprendemos tanto... com tudo... em todos... Tanta sabedoria! Tanta humanidade! Páginas e páginas de gente e uma flutuação de ideias à tona dos olhos que insistem em se mover para cá e para lá na descoberta de cada letra, de cada conexão, de cada detalhe que os permita afundar para sempre nessa misteriosa e maravilhosa existência do nada.
A apologia da ignorância só deve acontecer quando já tivermos lido demasiado. Só por isso desaprovo a professora de português. Porque se antecipou.
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