quarta-feira, 14 de setembro de 2016

DEMOCRATIZAÇÂO OU MEDIOCRIZAÇÃO DOS DOUTORAMENTOS?


“O princípio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente”.
Rui Alarcão, ex-reitor da Universidade de Coimbra

Meu artigo de opinião saído hoje no Público:

Ao que se subentende pelo ponto de exclamação final, no intuito de criar suspense nos leitores, “agraciou-me” Joaquim Sande Silva (J.S.S.), professor do Politécnico de Coimbra, com um artigo de opinião intitulado “Obrigado, Rui J. Baptista!” (Público, 01/09/2016) .

Obrigo-me  a responder ao seu autor, não tanto para o privar de momentos de  glória junto dos seus pares, mais para resguardo de memória futura de factos envolvidos  numa contenda em nome de uma mediocrização de usos e costumes que postergue todo e qualquer valor e anule toda e qualquer diferença entre os dois subsistemas de ensino superior: universitário e politécnico. Assiste-se, ipso facto, por parte do ensino politécnico, a um agitar de  águas tumultuosas em prol da respectiva possibilidade de outorgação  de doutoramentos, ainda que apenas com o brilho dos falsos diamantes.

Em rejeição ao estatuto que me foi atribuído de cidadão que tem como hobby “malhar “nos politécnicos, através de um jornal diário (J.S.S.), encontro honrosa companhia na notícia seguinte: “Os reitores das universidades públicas não querem que os politécnicos passem a atribuir doutoramentos” (Público, 17/06/2016).  Regredindo a tempos passados, encontro arrimo numa extensa notícia jornalística, intitulada “Entre a greve geral e as manifestações”, que se reporta a uma Assembleia Magna da Universidade de Coimbra, de que respigo:” Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os dos politécnicos”. “Setenta por cento marxista, Cristina, originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu anteontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as túnicas de Cristo e, às tantas, a propósito das alterações à Lei de Base do Sistema Educativo, conseguiu arrancar a primeira chuva de aplausos da sessão” (Público,01/11/1996).

Esta insistência em miscigenar o ensino universitário com o ensino politécnico, pela atribuição de doutoramentos por ambos, teria como efeito misturar um vinho de excelente colheita com água de  fonte cristalina  para produzir uma intragável zurrapa!  Assim, continua a ser minha forte convicção que a razão do desnorte do ensino politécnico, em busca de uma identificação com o ensino universitário, reside no facto do ensino politécnico enjeitar uma  identidade própria. Ora a identificação com o ensino universitário exigiria que o ensino politécnico tivesse a mesma exigência  de acesso que o ensino universitário e não uma segunda escolha de alunos com notas mais baixas do ensino secundário.

Termina  J.S.S. o seu artigo da forma seguinte: ”Por isso faço votos para que Rui J. Baptista responda a este artigo e continue a criticar os politécnicos e os seu dirigentes em artigos futuros”. Embora nos possa, porventura,  separar um fosso da largura da verdade (Miguel Torga), aqui estou eu a responder à sua exortação na tentativa de encontrar pontes  que possam ajudar a consensos tendo sempre presente a preocupação ética de Fialho de Almeida: “A luta é legítima: eu não respeito as suas ideias, respeito-o a si”!

Para além disso, seria uma descortesia retirar-me de uma procissão que ainda vai no adro de uma igreja de fervorosos fiéis. Fiéis que teimam na concessão de doutoramentos politécnicos à custa de mudanças estruturais  que permitam uma subversão de valores tradicionais retirando à multissecular universidade portuguesa o exclusivo da atribuição do mais elevado grau académico: o doutoramento!

Sei bem que determinadas tomadas de posição minhas me trazem, em inspiração pessoana, “pedras no caminho”. A elas me tenho habituado! No início da década de 90, em carta ao director de um jornal, fui acusado de “xenofobia académica” por um professor do politécnico (muito provavelmente de formação universitária por terem esse estatuto a esmagadora maioria dos docentes deste subsistema de ensino superior).

A essa acusação respondi, nesse mesmo jornal, com um artigo de opinião de que extraio o essencial: “Tenho que aceitar a acusação que me foi feita de ‘xenofobia académica’, mas que colhe nobre exemplo nos franceses que, durante a II Guerra Mundial, lutaram contra os alemães nas Forças da Resistência, enquanto compatriotas seus colaboravam com os invasores. Nesta perspectiva a minha ‘xenofobia académica’, mais do que uma mera opção, deve ser tida como uma questão de honra!”

Como ultima ratio, no que respeita  ao exemplo de J.S.S. sobre a inexistência do sistema binário de ensino superior em Espanha, “essa boa amiga que dorme deitada ao nosso lado o sono da indiferença, tendo por travesseiro os mesmos montes e por lavatório os mesmos rios”(Eça), ainda que assim seja esta situação embora não pondo as mãos no fogo, julgo não  corresponder à verdade. Mas mesmo que assim acontecesse,  este facto não beliscaria a vox populi : “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”.

Mas isto é apenas um fait divers face a novos problemas que se avizinham com a criação de cursos profissionalizantes de curta duração (2 anos), a exemplo da criação inicial  do ensino politécnico que nasceu com essa limitação e dela fez rampa de lançamento  para a pretensão actual de atribuir doutoramentos. Segundo François Chateaubriand, “toda a instituição começa  por três estágios: utilidade, privilégio e abuso”. Será que nada aprendemos com os erros do passado?

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