Não tinha pensado voltar, nestes próximos tempos, à "educação para a cidadania" e muito menos à "educação sexual", a que ela parece estar reduzida na comunicação social
(e enquanto estamos distraídos ou não queremos saber, a "educação financeira" e a "educação para o empreendedorismo" ganham terreno),
mas não posso deixar de dar atenção a uma sugestão de leitura deixada, em comentário, por Rui Ferreira, a quem agradeço: um artigo de Ana Cristina Leonardo com o título O novo padrão ocidental, saído hoje no Público que recorda coisas muito óbvias e põe a tónica num triste "sublinhado moralista", que se acentua nesta e noutras questões: "de um lado os rectos, do outro os crápulas".
Dou destaque a algumas das suas passagens.
Preliminarmente, julgo adivinhar uma certa candura naqueles que estão convencidos de que os jovens aprendem sobre sexo na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Depois, há que perguntar com frontalidade: se a educação sexual em Cidadania é tão indispensável e tem efeitos tão positivos, por que razão os resultados do inquérito conjunto da UMAR e da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género indicam um aumento no número de jovens que legitimam os comportamentos violentos no namoro? Ou ainda: como se explica o acréscimo de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens (Expresso, 6/3/2025: “Casos entre os 15 e os 24 anos aumentaram mais de dez vezes na última década”)?
Não vale dizer-se que sem educação sexual na disciplina de Cidadania a situação seria pior. O argumento perde a lógica quando, apesar da educação sexual em Cidadania, a situação tem vindo a piorar. Baralhando as premissas, seria o mesmo que concluir que a situação não tem vindo a melhorar por obra e graça da disciplina de Cidadania. Nenhuma das formulações faz sentido. O que talvez possa fazer sentido é concluir-se que a educação sexual em Cidadania não aquece muito nem arrefece pouco. Outras soluções se impõem, sem esquecer que a escola é apenas uma das múltiplas realidades dos jovens. Numa sociedade violenta e onde o acesso à violência fica à distância de um clique, será ilusório imaginar-se poder a escola substituir-se à educação… da cidadania, precisamente (...).
As posições não têm de ser alicerçadas. Na verdade, elas servem apenas para sinalizar o lugar que se ocupa ou, melhor, o lugar que o outro ocupa. É a favor da educação sexual em Cidadania e Desenvolvimento? Se sim, é um progressista dos sete costados; se não, é um reaccionário dos pés à cabeça.
Mais coisa menos coisa, eis-nos encurralados entre aulas à Monty Python — caricaturadas com genialidade e profetismo em 1983 em O Sentido da Vida, filme onde, levando a pedagogia às últimas consequências, um professor dá uma aula de sexo ao vivo, enquanto alunos entediados lançam aviõezinhos de papel uns aos outros — e as teorias educacionais dos pais de Famalicão.
3 comentários:
Raquel Varela, que eu sigo por todo o lado, é peremptória:"A disciplina de Cidadania é um erro. Faz parte da descolarização."
Efetivamente, toda a argumentação aduzida por Ana Cristina Leonardo, no que se refere à cidadania com, ou sem, educação sexual, pode ser estendida, mutatis mutandis, a todas as "disciplinas" curriculares incluídas nas aberrações pedagógicas que são as aprendizagens essenciais de João Costa. Quando, ignobilmente, se coarta um professor, na sua função de ensinar, para que os pobrezinhos não precisem de aprender muito para serem todos ricos e pseudo-doutores, a própria escola deixa de fazer sentido. Entramos no processo de descolarização em curso!
Deixem-me fazer um paralelo talvez odioso, talvez repugnante. Na guerra, por exemplo, da Rússia contra a Ucrânia, há dois lados e há o 'ir mais fundo', as 'razões históricas' , o essencial por trás do conflito. Mas há dois lados. Há rectos e crápulas. É preciso e urgente acabar com o morticínio e a destruição, mas a atitude digna é com a Ucrânia.
Quero dizer que uma coisa são medidas urgentes para terminar um conflito, uma polémica, outra coisa é ir em busca de uma solução, um projecto, que corrija o essencial, que promova o essencial.
Há sim rectos e crápulas na questão da educação sexual nas escolas. è preciso resolver isso urgentemente. Penso que é isso que a medida , e o Ministro, pretendem, talvez de forma atabalhoada. O pensamento sério de estudiosos como a Drª Helena Damião ou Ana Cristina Leonardo, que preconiza uma mudança estrutural do sistema, é um contributo inestimável para um dia em que alguém corajoso e bem financiado comece uma tarefa de décadas : mudar a Escola para o que ela há muito devia ser.
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