domingo, 14 de julho de 2024

OS SEGREDOS DA TERRA

Meu artigo no último JL

É sabido que os físicos e os biólogos são dos autores mais prolixos de divulgação científica. Já os químicos e os geólogos são mais comedidos. Por isso devem ser saudados os ensaios de autores portugueses nestes últimos temas. 

Por exemplo, o professor de Ciências da Terra António Galopim de Carvalho (um jovem nos seus quase 93 anos), entre nós o «decano» da comunicação de ciência, publicou há pouco na Âncora Editora uma segunda edição, revista, do seu livro Como Bola Colorida. A Terra Património da Humanidade, que tinha saído em 2007. Só posso recomendá-lo como uma excelente introdução à geologia, até porque redigi um prefácio para ele (José Mariano Gago tinha escrito o da primeira edição). A bela metáfora do título retirada a um verso da «Pedra Filosofal» de António Gedeão inspirou estas minhas linhas do prefácio: «Uma criança que quisesse agarrar no nosso planeta teria de ter um tamanho gigantesco. Basta pensar que a bola onde vivemos tem cerca de 6400 quilómetros de raio, ao passo que uma bola de futebol adequada a uma criança terá cerca de 20 centímetros de raio. Um rapaz ou uma rapariga poderão ter entre um metro e um metro e meio. Feitas as devidas proporções, a altura da criança teria de ser à volta de 40 mil quilómetros, o que, parecendo muito, não é nada à escala do Sistema Solar: é um décimo da distância entre a Terra e a Lua.» Mas a mensagem principal do livro é que a Terra é um planeta dinâmico desde que surgiu há cerca de 4,5 mil milhões de anos, não só imparável no seu movimento astronómico, mas também em incessante transformação no seu interior e na sua superfície. Uma bola infantil pode ser parecida com a Terra no sentido em que se move e gira, mas está longe de se parecer com a Terra, se pensarmos na variedade e complexidade de fenómenos que o nosso astro alberga.

Um ainda mais recente livro de divulgação sobre a Terra ajuda-nos a conhecer melhor os segredos do terceiro planeta do Sistema Solar. Saído nas Edições Sílabo, intitula-se Terra, um Planeta Dinâmico e tem o subtítulo, algo maior, do terramoto de Lisboa à plataforma continental de Portugal na ótica da Tectónica de Placas. É seu autor Luís Rodrigues Costa, formado em Engenharia de Minas pelo Instituto Superior Técnico, que foi director do Serviço de Fomento Mineiro e presidente do Instituto Geológico e Mineiro. Este é o terceiro livro que publica. O primeiro saído na mesma editora, em 2021, com o título Relatividade Restrita: crónica de uma viagem guiada» convida a conhecer a teoria da relatividade restrita de Albert Einstein, ouvindo a conversa de uma tertúlia de amigos. O segundo, edição de autor, de 2022, intitula-se Croniquetas Mineiras: retalhos de uma experiência profissional e humana. O autor é fiel ao título, contando histórias da sua vida a tomar conta de minas.

Rodrigues Costa usa, em Terra, um planeta dinâmico, para comunicar a Teoria da Tectónica de Placas, essencial para a compreensão dos segredos da Terra, a mesma estratégia do seu primeiro livro. Volta a reunir-se a tertúlia que, nas palavras do próprio autor, é composta por: «Tomás (mas não Kuhn), professor universitário de história da ciência; Alberto (mas não Einstein), investigador num laboratório de telecomunicações; Bernardo (mas não Riemann), que trabalha numa sociedade que faz trabalhos de topografia; Leonardo (mas não Euler), que trabalha em matemática numa companhia de seguros; Vasco (mas não Santana), proprietário de um local de diversão noturna num bairro típico de Lisboa. O grupo é agora alargado com a entrada de um novo elemento, Alfredo (mas não Wegener).» Alfredo, que tinha cursado Geologia, foi primeiro professor dessa área e depois gestor de uma empresa de levantamentos geotécnicos.

Alfred Wegener, para quem não sabe, é um geólogo e meteorologista alemão nascido em Berlim em 1880 e falecido 50 anos depois na Gronelândia de hipotermia ao regressar de uma operação de salvamentos de colegas. É o autor da teoria da deriva dos continentes, publicada em 1915, segundo a qual há 300 milhões de anos existia um único continente, chamado Pangeia («Toda a Terra»). O território de Portugal, estava, nessa amálgama, unido aos do Canadá e da Gronelândia. Há cerca de 200 milhões de anos, no Triássico (o mais antigo período do Mesozoico, quando surgiram os dinossauros) a Pangeia começou a separar-se para dar origem aos actuais continentes. Estes estão associados a placas tectónicas em movimento lento, mas contínuo. Daqui por muitos anos os continentes estarão, portanto, noutros lados.

O Alfredo da tertúlia, ou melhor Rodrigues Costa apresenta-nos, em jeito de crónica dos encontros, a teoria da tectónica de placas na primeira parte (em oito sessões da tertúlia) dizendo que ela é o «pilar do conhecimento em Geociências». E, na segunda parte (em mais onze sessões), aplica o conhecimento anterior a alguns aspectos da geologia de Portugal, tomando como metáfora o que ele chama «Geoparque Ibéria» (para se perceber a geologia de Portugal tem de se considerar a Miniplaca Ibérica). Tudo isto após uma apresentação (encabeçada por uma citação de José Saramago, da» Jangada de Pedra»), um prólogo e antes de uma reflexão final (encimada por uma citação de Fernando Pessoa: «Tudo o que existe, existe porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste»), de um anexo, referências e um glossário. Lendo-o o leitor descobrirá a relação entre o terrível terramoto de Lisboa de 1755 (originado numa falha a cerca de 200 quilómetros a oeste-sudoeste do cabo São Vicente) e a definição pelo governo português, em 2009, com base em pareceres científicos, dos limites da plataforma continental portuguesa (de acordo com eles, Portugal é 97% mar!). A dinâmica das placas faz a ligação. O leitor, com pequeno esforço, irá perceber tudo, penetrando nos segredos da Terra. Será ajudado, por figuras, algumas a cores. No fim, ficará saber, por exemplo, que o Atlântico está a abrir e o Mediterrâneo a fechar. E que, há cerca de dez mil anos, no fim da última glaciação, podia-se ir a pé até às Berlengas. Isto é, a terra portuguesa era maior do que é hoje…

 

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