quinta-feira, 25 de julho de 2024

EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

Por A. Galopim de Carvalho 
 
“Direi tantas vezes quantas as necessárias que classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade liberta do sufoco em que vivera.

E, aqui, insisto em repetir, a Escola falhou completamente. Já o disse tantas vezes e a verdade é que os números não me desmentem.

Acontece que o eco deste falhanço, na opinião pública e nos media, fica demasiado aquém da urgência e importância que a Educação e a Escola Pública deviam merecer. A generalidade dos pais, já “educados” na mesma Escola Pública, pródiga em distribuir diplomas, mas muito parca em facultar conhecimento, quer é que os filhos passem e, se possível, com boas notas.

Os governantes sabem muito bem o que deveriam fazer neste domínio da sociedade. Bastava adoptarem procedimentos de sucesso já experimentados noutros países. Será que não o podem fazer? É um facto que o poder do feiticeiro reside na ignorância dos seus irmãos tribais, o que, traduzido para a nossa sociedade, diz que, quanto mais ignorante for o povo mais fácil é governá-lo. Será que é isto que tem vindo a acontecer?

Continuamos, alegremente, a desprezar o nosso maior património centrado na educação, na formação, na preparação dos alunos para uma cidadania plena. E não estou só nesta afirmação. Recordo, uma vez mais, as palavras do então Primeiro-ministro António Costa, em finais de 2015, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto.

“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação.”

Por vezes começo a perder a esperança de ver a mudança tão desejada. Não quer dizer que baixe os braços e a prova disso é que estou aqui, uma vez mais, a “arregaçar as mangas.”

Comecei, em princípios deste mês e continuo a sondar algumas personalidades das ciências, da arte, da cultura e da política que possam subscrever um Manifesto para a Reforma da Educação passível de merecer a maior e melhor atenção por parte do Governo, da Comunicação Social e, mesmo, por parte de uma grande parcela da população que anda distraída.

Uma vez alcançado o acordo dos Professores com o Ministério da tutela sobre a recuperação do tempo de serviço, tenho quase a certeza de que uma parte muito considerável da enorme massa humana que se manifestou nas ruas do Portugal inteiro, se sinta confortavelmente satisfeita e desinteressada do problema, de maior importância, a nível nacional – a inegável degradação da Escola Pública. Estou mesmo em crer que a necessária e urgente Reforma da Educação não é, sequer, popular, nem para os alunos desmotivados e com diploma garantido, que os há em quantidade preocupante, nem para os maus professores, os tais que sempre recusaram as avaliações a sério, que não são assim tão poucos e que veem na Escola um emprego assegurado até à aposentação.

Neste capítulo, os Sindicatos têm tido um papel contrário ao do interesse nacional, ao porem ao mesmo nível os bons e os maus profissionais. Por outro lado, receio que, concluído o citado acordo, o Ministério se sinta desobrigado de atender às restantes reivindicações, as mais sérias e profundas, as que visam uma completa reforma deste importante pilar da sociedade que se deseja melhorar. Neste capítulo será preciso não esquecer que a liberdade de acção do Ministro detentor da respectiva pasta está condicionada pela política global do Governo, em particular da parcela do OGE que lhe for concedida. Mas, atenção, qualquer Ministro ou Secretário de Estado, que aceite trabalhar no quadro de uma governação que lhe cerceie os meios necessários para desenvolver a política de Educação que se impõe, fica conivente com ela. Ponto final.

É para mim evidente que os sucessivos Ministérios da tutela só fizeram o que os seus governos permitiram. Mas também é verdade que foram coniventes com as limitações que lhes terão sido impostas. Consciente desta degradação, dirigi a, no passado dia 11, a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação, com cópia para Sua Excelência o Senhor Ministro da tutela, o documento intitulado “Escola Pública”.

Acontece que, seguindo as pisadas dos seus antecessores: “moita-carrasco”, uma maneira tradicional de dizer que Suas Excelências não responderam. É uma realidade muito nossa, a que eu já estou habituado. Os nossos governantes (com raras excepções) não respondem aos cidadãos. Via de regra, comportam-se como reis e senhores, de que nós somos simples vassalos que ousamos dirigi-lhes a palavra.
 
A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

António Pires disse...

Os tempos, que o Professor Galopim de Carvalho recorda, uma vez e mais outra, com indisfarçável saudade, já lá vão!...
Mesmo nos anos imediatamente anteriores ao 25 de Abril, os liceus (designação burguesa para escola secundária com 3.º ciclo) eram destinados apenas para ensinar e educar os filhos da alta burguesia, os únicos que tinham posses para almejar transpor as portadas das universidades portuguesas e estrangeiras, encetando assim o caminho que, um dia, os conduziria à glória do bacharelato, da licenciatura, ou do doutoramento, em Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura e Letras. Nesses tempos, nas escolas ensinavam-se matérias fáceis e difíceis, tanto das áreas das ciências sociais como das ciências exatas e experimentais, com o critério único de que a sua aprendizagem contribuiria para a formação integral do aluno, enquanto pessoa, e para o desenvolvimento do país.
Porém, desde o PREC (Processo Revolucionário em Curso), as políticas educativas têm sofrido grandes transformações, que vão invariavelmente no sentido de que os professores só podem ensinar matérias muito fáceis, ou facílimas, o que, melhorando as aprendizagens dos alunos, conduz ao sucesso educativo universal. Se depois, a jusante da escola, não houver profissões compatíveis com os diplomas facilitados, há sempre a solução de emigrar para países ricos, onde, com canudo ou sem canudo, se ganha mais do que em Portugal.

tempus fugit à pressa disse...

Manifesto para a Reforma da Educação passível de merecer a maior e melhor atenção por parte do Governo, da Comunicação Social e, mesmo, por parte de uma grande parcela da população que anda distraída. duvido que haja uma pressão pública pela melhoria da educação, o governo preocupa-se mais com os exames do que com os programas

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