quinta-feira, 18 de julho de 2024

MEU DISCURSO NA ESTAÇÃO ELEVATÓRIA DE COIMBRA

Meu discurso inaugural na cerimónia de doação da minha biblioteca a 17/Julho/2024:

Coimbra, até pela ancestral presença da Universidade, é uma cidade extraordinariamente rica em história e cultura.  Sobressai o papel que teve na produção e difusão de livros. Foi em Coimbra que esteve a maior biblioteca medieval português, no Mosteiro de Santa Cruz, é em Coimbra que está a segunda biblioteca portuguesa, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, com mais de 500 anos,  que inclui a  Biblioteca Joanina, demandada por numerosos visitantes por ser considerada uma das mais belas do mundo, e é ainda em Coimbra que está uma das mais antigas e maiores bibliotecas municipais do país. Foi em Coimbra que funcionaram  editores e livreiros antigos e de nomeada (João Barreira, Imprensa da Universidade de Coimbra, Atlântida, Coimbra Editora e, na actualidade, a Almedina), foi em Coimbra que se editaram famosas revistas literárias e científicas (O Instituto, Presença, etc.), e foi também nessa cidade que nasceram grandes escritores como Sá de Miranda, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro, Fernando Assis Pacheco. João José Cochofel, Al Berto, Teolinda Gersão, Inês Pedrosa, Nuno Camarneiro, etc. 

E por Coimbra passaram quase todos os escritores, como Luís de Camões, Almeida Garrett, Antero de Quental, Eça de Queirós, António Nobre, Mário de Sá Carneiro, José Régio, Carlos de Oliveira, Fernando Namora, Miguel Torga, Joaquim Namorado, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço, Virgílio Ferreira, Manuel Alegre, etc. A lista é interminável, limito-me aqui aos que escreveram sobre Coimbra. O único que não passou foi Fernando Pessoa… Mas tem o nome duma praceta, onde curiosamente está a casa de Miguel Torga.

Coimbra terá dentro de poucos meses uma nova biblioteca. A Antiga Estação Elevatória vai passar a ser moderna: estação elevatória de Coimbra, uma moderna biblioteca no belo parque da cidade, ao lado do Mondego. “Estação elevatória” é o nome técnico da instalação que funcionou no Parque Dr. Manuel Braga entre 1922 e 1983, para recolha de água do rio Mondego e sua distribuição para consumo domiciliário. A Casa da EEC (inicialmente denominada “Casa do Rio”, para a distinguir da Casa das Águas da Rua da Alegria) foi erigida em 1922, mas já existiam recolhas de águas nesse sítio do rio desde 1889. 

No início dos anos de 1980 deixou de servir, dado não só o anquilosamento tecnológico como a sua substituição pela estação elevatória da Boavista, a montante do rio, e que permitia recolher águas com maior segurança ambiental e que ainda hoje funciona. Depois de um período de abandono, o espaço foi restaurado e ampliado por iniciativa da Câmara Municipal e dos Serviços de Águas e Saneamento da cidade de Coimbra (SMASC, o nome antigo das Águas de Coimbra) ao abrigo do programa Polis, mediante um projecto dos arquitectos Alberto Lage (do Porto) e Paola Monzio (de Bérgamo, Itália), que ganhou em 2001 o prémio do concurso Polis/European para jovens arquitectos com o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Coimbra – Museu da Água. (que acrescentou um novo edifício ao edifício histórico) e um projecto de musealização do edifício da autoria do arquitecto João Mendes Ribeiro (de Coimbra). 

O sítio de Arqueologia Industrial está hoje bem preservado, merecendo a sua qualidade e a localização no parque uma utilização renovada. O arquitecto João Mendes Ribeiro, que fez o projecto da nova biblioteca, a inaugurar em menos de um ano, é uma garantia de qualidade e de preservação do espírito do lugar. Agradeço-lhe a atenção que tem dado ao projecto, no meio de tantos outros a seu cargo como o projecto do Teatro Nacional de São Carlos. 

Este será também um sítio de arte, numa terra de grandes artistas:  para além de João Mendes Ribeiro, músicos, designers, cineastas, etc. como D. Pedro Cristo, Carlos Seixas, Artur Paredes, João Machado, JP Simões, Regina Pessoa, Carlos Paião, Mário Silva, António Ferreira, Tiago, Bettencourt, etc. 

O chamado “Museu da Água”, que serviu como Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental relativo à água, foi inaugurado em 22 de Março de 2007, Dia Internacional da Água. Foram ali realizadas várias exposições e oficinas, com inúmeras presenças de público escolar, para além de conversas (de água e café, de água e chá, etc.), concursos, passeios de barco, concertos. Actividade deste género será reatada com a abertura da EEC. Tratando-se agora de uma biblioteca, há uma interpretação metafórica óbvia de “Estação elevatória”: a EEC será um espaço onde os cidadãos de todas as idades, origens e condições sociais se poderão “elevar,” alimentando-se de bens culturais no ambiente único do parque que ocupa o centro da cidade, entre a ponte da Portagem e a ponte Pedro e Inês. 

Os mais de 40 000 livros que comecei a dar são os mais variados, mas destaco os temas de Coimbra, água e ambiente e livros e bibliotecas, aqui representados nesta estante. Usando as mais recentes tecnologias, será também um sítio virtual, que disponibiliza informação e serviços à distância. Uma antena para a cidade e para o mundo, portanto. O digital não é inimigo do papel. Quando os nossos cérebros não chegaram para armazenar informação, inventámos livros e bibliotecas em papel, quando estas não chegaram inventámos a Internet com livros e bibliotecas digitais.

Simbolicamente, o n.º 1 da nova biblioteca será o meu primeiro livro, “Física Divertida”, saído em 1991 na Gradiva. Saiu ontem uma nova edição revista e acrescentada na mesma editora, que começou com o Guilherme Valente e agora é dirigida pela Helena Rafael. Chama-se «Toda a Física Divertida», porque o segundo volume, «Nova Física Divertida». É curioso que comece com histórias da água… É apenas o primeiro de muitos que vão ocupar este lugar. Não só livros como jornais, revistas, discos, DVD e outros meios digitais. O que era meu passa a  ser de todos e, porque é de todos, continua meu. A partilha acrescenta, não diminui.

Por último, gostaria de agradecer ao Presidente das Águas de Coimbra, Alfeu Sá Marques, que é o verdadeiro motor desta estação elevatória, ao Presidente da Câmara Municipal, José Manuel Silva, que apoiou entusiasticamente o projecto, assim como a todos os seus colaboradores que têm ajudado. Uma palavra especial para a Dália e o Fernando Seabra Santos, que incentivaram a ideia desde a primeira hora. Agradeço também a todos os familiares, a começar obviamente pela minha mulher, colegas e  amigos, aos que aqui estão hoje e aos que, não podendo estar, mandaram mensagens.  

Bem hajam!

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