segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Onde eu estava há 50 anos… Carlos Fiolhais

Depoimento que dei à jornalista Alexandra Tavares Teles, do DN, que quis saber onde eu estava há 50 anos:

Há meio século tinha 17 anos e recebi as minhas primeiras notas universitárias. Precisamente em janeiro de 1974 e não foram nada de especial. Lembro-me bem: tive 16 a Introdução à Física da Matéria, 16 a Elementos de Química, 16 a Cálculo Infinitesimal e um mísero 13 a Álgebra Linear (tive de me esforçar depois para ter a média final de 18). Não tendo vida política antes do 25 de Abril, apercebia-me da contestação estudantil que se vivia em Coimbra. Como estávamos em ‘luto académico’ desde 1969, nunca usei capa e batina. Nunca praxei, nem fui praxado. 

Em 1974 tinha hobbies: fazia espeleologia, acampando aos fins de semana. Jogava xadrez na Associação Académica. E fazia jornalismo: tinha, com um colega, uma página no Correio de Coimbra. Foi aí que soube o que era a censura e senti, depois, o que era a liberdade. 

 A Revolução, que aconteceria três meses depois, valeu para me livrar do Serviço Militar. Se antes havia o espetro da Guerra Colonial, fui inspecionado, em Coimbra, já depois do 25 de Abril. xxx O resultado foi favorável às minhas pretensões, que eram as de ser dispensado do serviço, então obrigatório. Fiquei feliz com o anúncio da dispensa, por daltonismo, num tempo em que, com o fim da guerra, deixavam de ser necessárias grandes incorporações. A inspeção não se fez sem problemas, uma vez que comecei, num teste, por não ver os números feitos de bolas coloridas que me eram exibidos. Mas, quando me informaram que só os daltónicos é que viam aqueles números, passei logo a vê-los. Entrei na ‘Reserva Territorial’, tendo pagado os devidos selos para um documento que tinha de mostrar na fronteira. 

Talvez por ter vivido num quartel (o meu pai era militar), nunca tive a mínima vocação para atividades marciais. Também já me disseram que se aprende muita coisa na tropa. Pois eu não aprendi nada. De tiros só sei o que vi nos filmes.

Na altura em que fui declarado inapto para a tropa, frequentava o 1.º ano do Curso de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologias na Universidade de Coimbra. Entrara em outubro de 1973, após ter sido dispensado das provas de aptidão, por ter boas notas a todas as disciplinas no Liceu Nacional de D. João III (a melhor foi 17 a Filosofia e a pior 14 a Desenho, muito prejudicado por um 9 - a minha única negativa na vida - no primeiro período do 7.º ano). Por que é que fui para Física quando podia ter ido para qualquer curso? Porque a Física me atraiu pela leitura de livros de divulgação que falavam dos segredos do microcosmo. Passado meio século, não estou nada arrependido. Fiquei ‘casado’ com a Física até hoje.

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