Minha entrevista à jornalista Andreia Antunes, da Sábado (S.):
S. - Acha que a clonagem pode trazer vantagens para o avanço científico, no sentido de haver melhores resultados na área da investigação?
CF- Sim, não só pode como tem trazido. A clonagem, o processo de fazer organismos com genomas iguais, existe naturalmente na Natureza (reprodução assexuada na Natureza de muitos seres vivos e o aparecimento ocasional de gémeos na reprodução sexual). Claro que os organismos não são iguais, porque os genes expressam-se de maneira diferente conforme a interacção com o ambiente. Na clonagem artificial, o homem consegue realizar esse tipo de processos.
A clonagen de plantas já se faz desde tempos bíblicos: muitas
espécies agrícolas tiveram assim a sua origem. Experiências desse tipo
já se fazem em animais há mais de 130 anos, proporcionando um
conhecimento científico cada vez maior e também numerosas
aplicações. Um marco foi a primeira clonagem de mamíferos, a ovelha
Dolly, feita em Edimburgo por Ian Wilmut e Keith Campbell em 1996. A
ovelha já morreu e o próprio Wilmut morreu em Setembro passado, aos 79
anos, com Parkinson.
S- De que forma a clonagem pode ser utilizada na investigação médica para desenvolver terapias ou medicação?
CF- São inúmeros os avanços proporcionados pela clonagem. Basta pensar nos desenvolvimentos da agricultura e pecuárias, mas também na saúde humana. Não é apenas o progresso na compreensão da biologia do desenvolvimento, é também o melhor entendimento do funcionamento da genética (com implicações no estudo e tratamento do cancro), o fabrico de novos fármacos, a compreensão do potencial das células estaminais, etc. Claro que, como qualquer ramo da ciência e da tecnologia, coloca problemas éticos. Uma coisa é o que se pode fazer, que a ciência e tecnologia indicam com base na observação da Natureza. Outra é o que se deve fazer, que é uma questão exclusivamente humana. Os cientistas devem ter comportamentos éticos, isto é, devem seguir as normais gerais da sociedade (que evoluem ao longo do tempo e que variam de cultura para cultura) e também as regras da sua profissão (que são mais universais: os cientistas têm de aplicar com rigor o método científico). Embora os cientistas possam dar informação, as normas éticas são feitas pela sociedade. Como estamos a falar de vida, temos de considerar na clonagem questões de ambiente (incluindo o bem-estar animal) e de saúde humana.
S- Qual é a sua opinião sobre a ética envolvida na clonagem de macacos para testes em laboratório, considerando o equilíbrio entre avanços científicos e o bem-estar animal?
CF- Tem sido, desde a ovelha Dolly, feito inúmeras clonagens de outros mamíferos: ratos, coelhos, cabras, vacas, etc. A clonagem de primatas, que se fez pela primeira vez em 2018, levanta maiores problemas, dada a maior proximidade genética ao homem. Os chimpanzés têm cerca de 95% de identidade genética com os humanos. Os pequenos macacos que foram clonados - e em pequeno número - não são os mais próximos da espécie humana, o que significa que na evolução natural as espécies tiveram um antepassado comum há mais tempo. Os macacos rhesus (o nome lembra-nos que o factor Rh do nosso sangue vem deles) foram já sequenciados neste século, depois do chimpanzé,
Têm cerca de 93% de sobreposição genética com o homo sapiens. Isso
ajuda a explicar porq que razão têm sido usados em experiências
biomédicas: foram dos primeiros seres vivos mandados para o espaço e têm
sido usados para a compreensão de doenças , como alguns
terríveis males biológicos que nos afectam (incluindo o Alzheimer). As
experiências mais recentes referem-se à clonagem de um único indivíduo,
sendo muito pequena a taxa de sucesso. São ensaios muito preliminares.
Os seus autores, que dizem ter cumprido as normas éticas vigentes no seu país, defendem com a possibilidade de ajudar os humanos. Mas o assunto é controverso: uma associação de defesa dos animais no Reino Unido diz que as experiências não deviam ter sido feitas, em nome do bem-estar animal. Este tipo de controvérsias é normal num tema deste tipo. Cada especialista ou grupos de especialistas, perante os mesmos dados, chega a conclusões diferentes, i.e., não há um único equilíbrio que possa ser feito. A ciência funciona assim, com discussões permanentes e em viva interacção com a sociedade. Lembro uma questão diferente, a fertilização in vitro, em que houve muitos adversários de início por ser antinatural e os bebes poderem nascer deficientes e hoje é um técnica segura a que recorrem por exemplo muitos casais inférteis.
S- Há limites éticos na clonagem de animais para investigações? Se sim, quais os limites que deveriam ser definidos e aplicados?
S - Em termos éticos, como a clonagem de macacos se compara com outras formas de testes em animais, e quais princípios devem guiar a tomada de decisões nesse cenário?
S- Acredita que os benefícios científicos provenientes da clonagem de macacos justificam os potenciais dilemas éticos associados?
S-. Na clonagem de macacos, como podemos equilibrar os avanços científicos com a necessidade de respeitar a autonomia dos animais e evitar o sofrimento desnecessário?
S- A clonagem de macacos pode levantar questões sobre o bem-estar desses animais. Como os princípios éticos podem orientar a maneira como abordamos essas preocupações?
CF- O bem-estar animal é, com certeza, uma questão em jogo e deve ser tanto quanto possível procurado. Mas há outras, como o bem-estar humano, que resulta do alargamento da ciência. A ética é precisamente a discussão dessas várias questões. Só se faz com essa discussão e nunca termina de ser feita. A seguir a umas questões virão outras. Teremos sempre problemas éticos.
S- Acha que a clonagem de macacos para testes em laboratório pode abrir precedentes para a clonagem de humanos?
CF- Espero bem que não. Hoje é consensual em todo o mundo que a clonagem de humanos é uma má ideia, ainda que eventualmente seja possível, por prejudicar valores humanos. Sei que esse receio vem dos livros e romances de ficção científica (como "Admirável Mundo Novo» de Huxley), mas uma coisa é a imaginação artística e outra é a realidade. As histórias de ficção são úteis para nos alertar. A sociedade, informada pelos cientistas, concorda com a proibição de quaisquer ensaios desse tipo. Os autores deste ensaio com os macacos rhesus concordam absolutamente e dizem que estamos muito longe dessa possibilidade, que poderá parecer próxima a um leigo. O que eles querem é fomentar a ciência e técnica, antevendo utilidades práticas. Mas, mesmo que estivesse próxima do ponto de vista científico-técnico, a sociedade - que somos nós todos - manda não tentar sequer nada em humanos. Esta é uma convicção universal.
S-. Como é a comparação ética entre a clonagem de macacos para testes e a potencial clonagem de humanos para fins semelhantes?
CF- O caso da eventual clonagem humana - que não podemos fazer nem devemos fazer - levanta problemas muito mais graves do que a clonagem de macacos. Chamamo-nos homo sapiens, homem sábio, temos de mostrar sabedoria.
S- Considerando a clonagem de macacos para pesquisas neurológicas, qual é a sua perspetiva sobre os limites éticos relacionados à manipulação genética para estudar a cognição e comportamento?
CF- A proximidade genética entre primatas propicia o estudo neles de doenças neurológicas humanas. Por exemplo fármacos para doenças neurológicas fatais, como o Alzheimer e o Parkinson, mentais - que são um mal que, sob diversas formas, está muito generalizado - são testados em primatas dentro de um quadro de normas éticas, que , como disse, varia com a região e com o tempo.
S- Como a clonagem de macacos para testes pode impactar a confiança da sociedade na pesquisa científica e quais medidas éticas poderiam ser implementadas para mitigar possíveis preocupações?
CF- O público tem confiança na ciência, embora haja aqui e ali alguma manifestação de desconfiança. Em Portugal assistimos a um grande grau de confiança nas vacinação da COVID (em que se usaram vacinas revolucionárias de base genética), mais do que noutros países mais desenvolvidos. A confiança assenta na cultura científica, isto é, na percepção pela sociedade do que é a ciência. A escola deve proporcionar cultura científica, mas há outros meios como os de comunicação social. É preciso comunicar ciência com verdade, desmontando por exemplo as histórias de Frankenstein. E é preciso dizer que a ciência é uma dimensão humana, a que temos de acrescentar outras. A ciência funciona com ética: responde a problemas humanos e deve reflectir preocupações humanas. os cientistas são seres humanos que respondem perante a humanidade. A ciência procura a verdade, e a ética - que está fora da ciência - procura a bondade. Não é apenas a ciência que nos salva, embora ajude muito: salvar-nos-á sobretudo a nossa consciência se a soubermos usar bem.
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