segunda-feira, 30 de maio de 2022

Reduflação: sabe o que significa o “palavrão”?

Reproduzimos um texto de grande interesse do Professor Mário Frota

Só agora a comunicação social, que ignorou as nossas tomadas de posição no último semestre de 2021, “descobriu” a reduflação e se espraiou em considerações sobre o tão decantado fenómeno da redução do produto e da manutenção do preço

Com efeito, como sempre, numa porta está o “ramo” e na outra se vende o “vinho”… Velho aforismo popular que serve à maravilha!

O que quer significar que há quem se aproveite das ideias dos outros para “vender o seu produto” e disso tirar vantagens em detrimento do “concorrente”!

Eis, entre outros, o artigo que a 28 de Outubro de 2021, um dia antes de deixarmos a presidência da apDC, démos à estampa num dos diários de Coimbra e bem assim os comunicados, sem qualquer repercussão, que difundíramos com exemplos e remetemos, aliás, sem saber, entretanto, das consequências, à Autoridade de Segurança Alimentar e do Mercado…

Eis o texto:

“Reduflação é o processo mediante o qual os produtos diminuem de tamanho ou quantidade, enquanto o preço se mantém inalterado ou regista um acréscimo. Tal efeito é uma consequência do aumento do nível geral dos preços dos bens, manifestado por unidade de peso ou volume, causado por inúmeros factores, principalmente a perda do poder aquisitivo da moeda e a queda do poder de compra dos consumidores e/ou do aumento do custo das matérias primas, cuja resposta da oferta é a redução do peso ou tamanho dos bens transaccionados. A expressão resulta de uma tradução literal do termo ‘shrinkflation’, um neologismo inglês, cunhado por Pippa Malmgren e Brian Domitrovic, na obra editada em 2009 Econoclasts: The Rebels Who Sparked the Supply-Side Revolution and Restored American Prosperity (lit. Econoclastas = Os Rebeldes que despoletaram a revolução da Oferta e Restauraram a Prosperidade Americana), que resulta da aglutinação de «shrink» ‘reduzir, encolher’ e «(in)flaction» ‘(in)flação’.” 

Sardi-Antasan alertava, há dias, num periódico europeu de grande circulação, que nos tempos que correm a reduflação (shrinkflation) parece haver assentado arraiais com ‘armas e bagagens’.

O fenómeno tem tido uma enorme repercussão na Grã-Bretanha em consequência do Brexit, ao que afiançam outras fontes.

“Reduzir quantidades sem diminuir preços na grande distribuição”: eis a receita miraculosa dos capitães da indústria agro-alimentar – repercutir (de modo discreto) o aumento dos custos das matérias-primas no preço dos produtos.

Tal inflação, dissimulada, revela-se algo complexa à luz do dia:

“É muito difícil surpreender os produtores no acto porque há que lograr encontrar o produto (o mesmo produto), no mesmo espaço físico, em espaços temporais distintos: antes da operação de “maquilhagem” e após a operação de redução da quantidade ou do volume.

“Nos últimos dois anos, identificámos com sucesso dois casos do estilo, explica Camille Dorioz, directora da campanha da Foodwatch.

“As nossas armas? O nome e a exprobação (o vexame) nas redes sociais.

Produtores e distribuidores, porém, vêm ‘sacudindo a água do capote’.

A indústria apresenta-se demasiado opaca. Portanto, de escassos dados de suporte se dispõe”. Em particular porque a reduflação (“shrinkflation”) não é ilegal, desde que haja de todo compatibilidade entre a composição do produto e a rotulagem.”

Registe-se que o álcool é o único produto cuja concentração por unidade é estritamente regulamentada. Para evitar decepções, é preferível ‘monitorar’ os preços por unidade de medida, parâmetro que muitos dos consumidores já vêm adoptando, para além de se tornar imperioso despertar para eventuais mudanças susceptíveis de ocorrer nas embalagens.

(Há dias, no Mercado da Figueira da Foz, um dos comerciantes ali estabelecido fazia passar por 1 Kg. 800 gramas de nozes pré-embaladas… com uma “destreza” incalculável e com um enorme despudor, ignorando que havia ali, no espaço da sua banca, duas ou três balanças de que os consumidores se poderiam socorrer para a confirmação do peso…)!

Camille Dorioz chega a citar “uma das práticas mais tortuosas do marketing que consiste, aliás, em esperar que um produto fique bem “preso” ao carrinho de compras do consumidor para se degradar a qualidade e / ou jogar com a quantidade, paulatinamente. Um tal processo, fundado na habituação e na “confiança no produto”, pode levar de 3 a 5 anos a maturar. Os consumidores ficam naturalmente menos atentos e de todo sem reacção ao processo ‘degenerativo’ em curso!”.

“90% dos produtos consumidos na Europa são importados. E quando não se ignora que trazer um contentor de 40 ’ da Ásia custa quatro vezes mais do que há 18 meses, cerca de US $ 15.000 ( 12 882€), a factura a pagar é elevada. Daí que atribuir a ‘encolha’ (a redução) a uma resposta de curto ou a uma estratégia de longo prazo dos industriais, seja algo difícil de dizer ”, comenta Arthur Barillas, CEO da Oversea.

O debate está, portanto, longe da sua conclusão.

Como assevera Sardi-Antasan, as associações de interesse económico do agro-alimentar não se pronunciam. Nanja as marcas. Nem sequer as empresas de pesquisa especializadas, que para tanto não dispõem de dados: o que revela o quão difícil é o fenómeno, longe de um consenso do ponto de vista científico. Aos consumidores uma recomendação: “gato escaldado de água fria tem medo”!

Nada nos diz que no que tange ao papel higiénico ou aos rolos de cozinha tal não esteja já a ocorrer…

No Reddit há denúncias da redução no tamanho dos ‘cookies’ Pringles ou da embalagem do gel de banho da Dove…”

Pois este alerta “ficou no tinteiro”, caiu em saco roto e só agora a comunicação social desperta para o fenómeno…

Mas um conselho: não percam tempo”! Se detectarem casos destes, vão directamente à ASAE… É que a Deco não é nenhuma inspecção dos mercados nem autoridade dotada de fé pública. E está ligada a uma central de interesses belgas que, para além do mais, explora a ingenuidade dos consumidores portugueses e lhes trata da saúde, vende-lhe colchões macios com nome de avestruz, adormece-os com os vinhos das suas prateleiras e ainda lhes concede cartões de crédito, sabe-se lá se mediante contratos pejados de cláusulas abusivas! Ah! E também lhes impinge seguros de saúde! Como vê, sempre a tratar-lhes da saúde! Não tarda, estará também ligada a uma das fileiras dos produtos milagrosos tipo - “Cogumelo da Chuva” (que os há já do Sol e do Tempo, no Brasil e em Portugal)!

E já tomou conta dos condomínios: os condóminos já ali têm ficha, sob controlo belga…

Uma advertência para os mais distraídos: ainda não vende vinho a copo… Mas não tardará decerto, dada a saída para esquecer das amarguras do quotidiano!

Mário Frota
Presidente emérito da apDC - Direito do Consumo - Coimbra

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