MEU PREFÁCIO AO NOVO LIVRO DE GALOPIM DE CARVALHO:
Já um dia chamei ao Professor António Galopim de Carvalho o «Mestre das
Pedras e das Palavras», dado o seu enciclopédico conhecimento de tudo o que diz
respeito a rochas e minerais e a sua comprovada habilidade do uso das palavras
para transmitir o seu conhecimento. Mas, mais apropriadamente e de forma mais
sumária, quero agora chamá-lo «Mestre da Terra», pois a Terra não tem apenas
pedras, tem os resultados da desagregação das pedras pela prolongada força
erosiva da água e dos ventos e tem, evidentemente, água – aliás a maior parte
da sua superfície é coberto por água. Galopim de Carvalho conhece, como poucos,
a Terra que pisamos, que é o resultado de um longuíssimo processo histórico.
Para um geólogo o tempo mede-se em milhões de anos ou mesmo em milhares de
milhões de anos, em nítido contraste com o nosso tempo histórico, que se
estende apenas por milhares de anos. Assim, as palavras que criámos para
designar os lugares da Terra não poderiam deixar de estar marcados pelos
resultados das transformações que moldaram todas as paisagens. A história da Terra,
estudada pelas Ciências da Terra, marca significativamente o nome das terras.
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Este livro – como todos os outros
que o Mestre nos tem generosamente dado – é feito de palavras que têm a ver com
a Terra. Em Geologia e Geografia na Toponímia de Portugal estão reunidos, por ordem alfabética, nomes de
terras portuguesas que, de uma maneira ou de outra, se relacionam com o local particular da Terra onde se
situam: ora são «bairros», porque têm argila, ora são «gândaras», por terem
areias, ora são «montes», por serem elevados, ora são «vales», por estarem em
depressões, ora são «pauis», por terem pântanos, ora são «penas», «penhas» ou «peras»
(ou ainda «fragas», «rochas» ou «seixos») por terem pedras de vários feitios e
tamanhos, ora são «portelas», por oferecerem passagem entre os montes. Nomes relacionados
com a água também há uma enxurrada deles: as «fontes», as «fozes», as «lagoas», as «pontas»,
as «rias», as «ribeiras», etc. É toda
uma multidão de topónimos portugueses que aqui está cuidadosamente catalogada
pela mão do Mestre, com a indicação em numerosos casos da etimologia, a mor das vezes do latim, mas por vezes do
árabe.
Este livro não é apenas uma fonte documental, digna de figurar na colecção dos
livros à mão de semear de um erudito ou simples curioso, por a sua consulta ser
útil quando se lê ou escreve. É também uma valiosa contribuição para a cultura
nacional, tratando de juntar letras e ciências, que teimam amiúde em aparecer
separadas ou mesmo desavindas. E é ainda uma pedrada nas águas paradas do
quotidiano das nossas vidas, por vezes demais nos esquecermos que pertencemos à Terra, que somos,
como dizia Camões, um «bicho da terra tão pequeno». Bicho da terra? Sim, e bicho
da Terra!
Aprendi muito ao folhear este livro. Às vezes coisas que são óbvias, mas nas
quais nunca tinha reparado, como, por exemplo, o facto de Belmonte, a terra de Pedro
Álvares Cabral na Beira Alta, significar, como não podia deixar de ser, «belo monte».
É tão óbvio como «Monsanto» significar «monte santo». Mas aprendi o mais das
vezes coisas menos evidentes: por exemplo, que Cascais vem das cascas de
bivalves que se apanham nas areias da praia ou que Algés vem do gesso que
encontra numa mina local explorada em tempos ancestrais ou ainda, para não sair
das cercanias de Lisboa, que Odivelas significa «rio escuro». Os leitores poderão encontrar aqui o
significado do nome da terra onde nasceram ou onde vivem.
Só podemos estar agradecidos ao Mestre por ele ter sedimentado neste livro uma
parte muito interessante do seu vasto conhecimento da Terra, feito não só de
leituras, mas de longa experiência com os pés bem assentes na terra e os olhos
bem abertos. Bem haja!
Carlos Fiolhais
Coimbra, 14 de Fevereiro de 2022
3 comentários:
Senhor Professor Carlos Fiolhais
Peço desculpa pelo atrevimento, sou um curioso/estudioso (mais curioso que estudioso) da Toponímia, há dias ofereceram-me um livro do do Professor Galopim de Carvalho, com prefácio de sua autoria.
Daí lembrei-me imediatamente que o Professor Galopim de Carvalho, pelo seu passado, e pela idade que tem, bem merecia ter o seu nome na Toponímia de Évora.
Pelo que, e peço novamente desculpa pelo atrevimento gostava de pedir a sua ajuda para apadrinhar a proposta à Câmara Municipal de Évora no sentido de incluir o Professor Galopim de Carvalho na Toponímia.
Respeitosos Cumprmentos
Manuel Lopes
Claro que apadrinho! Carlos Fiolhais
Desculpe ...apenas em "Évora" ? «Mestre da Terra»... da terra portuguesa. É sempre uma aventura vivermos as palavras por si escritas. por si ditas. Sentir o modelar no barro,o esculpir granítico de quem somos. Nós e a greda, as areias, penedos e fragas por palavras sábias ...
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