segunda-feira, 25 de abril de 2022

NOVIDADES E REEDIÇÕES DE ABRIL DA GRADIVA

 Informação recebida da Gradiva:

NOVIDADES E REEDIÇÕES DE ABRIL  |  já disponíveis
A Era do deslumbramento
Como a geração romântica descobriu a beleza e o temor da ciência

Richard Holmes
€25,00 €22,50

Vencedor do Prémio da Royal Society

«Melhor Livro do Ano para o New York Times Book Review

Um livro admirável pela originalidade e energia narrativa. Uma evocação inspirada e singularmente documentada dos locais de confluência da ciência e da arte.
 

«Extraordinário... Uma fusão ambiciosa e inteligente de história, arte, ciência, filosofia e biografia.»
The New York Times
 

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A Procura da Língua Perfeita
Umberto Eco 

€22,50 €20,25

A história de uma ilusão e de um fracasso: a procura da língua perfeita, capaz de unir todos os europeus. Um sonho perseguido tenazmente, desde o século VI d. C. até aos nossos dias, através dos mais diversos códigos e línguas: da matemática aos computadores, da magia à astrologia, do esperanto às confluências modernas entre diferentes línguas. Mais uma vez, Umberto Eco oferece aos leitores a sua capacidade de percorrer diferentes campos do conhecimento (da filosofia à literatura, da matemática à ciência) com uma feliz veia narrativa. Um daqueles livros de investigação que fazem do autor uma referência no panorama europeu.


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Aproveite a campanha de 40% em toda a obra de Umberto Eco

Comboio na Duna
Silvério Manata
€14,00 €12,60 

Livro vencedor do Prémio Literário João Gaspar Simões 2021.

Comboio na Duna tem como cenário o último quartel do séc. XIX de uma pequena vila da região da Gândara, que serviu também de pano de fundo à ficção de Carlos de Oliveira. Na esteira do entusiamo regenerador que rasgou o país de estradas e caminhos de ferro, também ali o comboio sulcou o litoral gandarês, chegando aos palheiros de uma mancheia de pescadores da arte xávega. Assumindo-se como a solução para o problema económico, social e político daquelas areolas esquecidas, o comboio, que transportaria o peixe e o moliço da Ria, haveria de as arrancar ao isolamento. As vozes neste romance dão conta das peripécias do «cavalo a vapor» pintando simultaneamente os quadros rurais da época que, por sua vez, se vão encaixando no enredo.


Conheça aqui a restante obra do autor.
 

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Ilha Com Vista para o Mar
Uma Aventura no Serviço Médico à Periferia

Pedro Serrano

 €13,00 €11,70 


Entre 1975 e 1982 o Serviço Médico à Periferia obrigava os médicos recém-licenciados a um ano de trabalho em zonas recônditas do país. Vários milhares de jovens clínicos, ignorantes do retrato da saúde nacional, mas mais ainda da realidade social portuguesa, foram despejados onde houvesse uma mesa e uma cadeira, sem mais orientação do que umas palavras de circunstância à partida e à chegada. Qual terá sido a vantagem objectiva da iniciativa para a saúde da população é coisa que ficou por apurar. Certo é que gentes sem nenhuma espécie de acesso a cuidados de saúde viram, de súbito, alguma forma de assistência chegar às suas localidades, prestada por profissionais imberbes mas dispostos a olhar para os seus males. Além de um retrato do Portugal do final da segunda metade dos anos 1970, Ilha Com Vista Para o Mar é a narrativa, íntima e contada de dentro para fora, de uma dessas experiências de iniciação médica e humana.


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Lonesome, vol. 2
Os Ruffians

Yves Swolf
€16,50  €14,85

Kansas, Janeiro de 1861.

O Pregador Markham e a sua horda de fanáticos espalham o terror pela fronteira do Missouri. Um cavaleiro anónimo segue no seu encalço.

Das planícies cobertas de neve do Middle West às ruelas sombrias de Nova Iorque, a sua demanda de vingança e de identidade conduzirá o cavaleiro a um confronto de proporções dantescas, no limiar do sobrenatural.


Leia aqui as primeiras páginas.

Conheça aqui a restante colecção.


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O Guardião, agente secreto do Vaticano, vol. 5
A Incubadora do Diabo

François Boucq, Yves Sente
€16,50  €14,85

Quem são os caçadores de nazis que seguem na peugada de Vince? Quem são os verdadeiros dirigentes da «Ordem da Renovação do Templo»? Quem é esse irmão gémeo, supostamente morto, reaparecido nas fileiras dos seus inimigos? Tudo questões a que o terceiro guardião terá de dar resposta, no inferno húmido do mangal mexicano.

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Atena
Luc Ferry, Clotilde Bruneau, Carlos Rafael Duarte, Didier Poli
€16,50  €14,85 

ATENA. Deusa da sabedoria e da guerra, protectora das artes e das técnicas, Atena é a filha preferida de Zeus, mas também é uma das divindades mais poderosas do Panteão do Olimpo. Nunca se separa dos seus atributos: a lança, o elmo, o escudo e a coruja - uma ave cuja visão penetrante, que enxerga tanto nas trevas como para lá das aparências, simboliza a inteligência. Por vezes benfazeja, muitas vezes impiedosa, Atena auxilia o pai na luta contra o ressurgimento das forças destrutivas do caos original. É nesta qualidade que concede ajuda a numerosos heróis - Jasão, Teseu, Héracles, Ulisses… - e toma parte activa na Guerra de Troia. Aliada leal do rei dos deuses, Atena é também patrona de várias cidades gregas, a começar por Atenas, que lhe deve o nome.

Leia aqui as primeiras páginas.

Conheça a restante colecção aqui. 

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E NOVAS REEDIÇÕES  |  já à venda

Calvin & Hobbes
Plácidos Domingos
Bill Watterson

€21,20 €19,08 

Uma colectânea de histórias clássica protagonizada pelo indisciplinado Calvin e pelo seu tigre de estimação Hobbes que ganha vida de forma encantadora.

Repleta de tiras de domingo de página inteira da autoria de Bill Watterson, esta colectânea certamente agradará a leitores veteranos mas também aqueles que se iniciam na leitura de uma das mais geniais criações da história do cartoon.


Toda a obra do autor disponível aqui. 

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A PONTE É UMA PASSAGEM

 


Meu texto no livro sobre fotografias de Bernardino Pires que a In-Libris acaba de publicar:

O homo sapiens é o único animal capaz de construir pontes, contrariando os obstáculos que a Natureza criou. E é também o único animal a fazer arte, designadamente a arte fotográfica que permite arquivar fisicamente o tempo passado. Tanto as pontes como as fotografias são artefactos tecnológicos, mas as duas são também obras de arte, isto é, há nelas a capacidade de deslumbramento dos nossos sentidos e do nosso intelecto. Na engenharia civil as pontes chamam-se mesmo «obras de arte».

Gosto de pontes, como a Ponte D. Luís, no Porto, porque elas permitem ligações entre as pessoas de diferentes sítios. Foi por gostar de pontes que escolhi esta imagem do  fotógrafo portuense Bernardino Pires. Ela dá-nos a ver uma grande obra de engenharia – precisamente a ponte D. Luís – através da fotografia. Vejo neste belo instantâneo, captado no tabuleiro inferior, uma estrutura metálica, de dimensões sobrehumanas, mas que serve o humano propósito de travessia do rio, permitindo que pessoas e bens passem facilmente de uma margem para outra. E vejo, no chão, a luz recortada pela sombra que tanto a estrutura como as pessoas projectam (não se sabe o ano, mas pelas sombras, pode-se saber a hora, porque os astros nunca falham). Vejo ainda a atmosfera enevoada tão característica do Porto, com o inconfundível Mosteiro da Serra do Pilar em fundo.

Quando os meus olhos se fixaram pela primeira vez nesta imagem saltou à minha memória uma canção que em 1981 uma banda rock do Porto, os Jáfumega, celebrizou. Está no lado B do single Dá-me Lume, intitula-se Ribeira e o refrão diz: «A ponte é uma passagem/ p´rá outra margem». A letra dessa canção evoca a Ribeira portuense, dominada pela referida ponte: «Desafio pairando sobre o rio/ a ponte é uma miragem.../ Nas tasquinhas decoradas/ curte-se o chique burguês/ comem-se boas dobradas/ ostenta-se a embriaguez». O Porto é a «cidade das seis pontes»: de montante a juzante: Freixo, São João, D. Maria Pia, Infante, D. Luís e Arrábida. Mas a ponte mais emblemática, a ponte mais antiga de todas as que estão ao serviço, é a Ponte D. Luís  (até diria que é o ex-libris da cidade, não fora o caso de a Torre dos Clérigos poder ficar zangada). Diz-se que há cidades com menos de seis pontes e outras com mais de seis, mas com exactamente seis só existe a Invicta. Considerando só as cidades portuguesas, não estou, de facto, a ver outra com meia dúzia de pontes: Lisboa só tem duas, ao passo que  Coimbra tem quatro. Ou melhor, estou: Vila Nova de Gaia é outra cidade com seis pontes, precisamente as mesmas que o Porto. As pontes são tanto de uma como da outra margem. Mas é curioso que as duas margens alberguem cidades distintas a começar logo pelo nome, como acontece em Lisboa, mas ao contrário do que acontece em Coimbra, que é a mesma urbe dos dois lados do rio Mondego (não obstante o Código da Praxe estudantil chamar à margem esquerda o «Japão», enfatizando a distância). A geografia sempre foi delimitadora de identidades embora, com a ajuda das pontes, o São João se celebre tanto de um lado como de outro. Quando for concluída a sétima ponte, por ora apenas em projecto, a Ponte D. António Francisco dos Santos, tanto o Porto como Vila Nova de Gaia ficarão com sete pontes, tantas quantas, segundo um histórico problema matemático, a cidade de Königsberg, onde nasceu e  morreu  o filósofo alemão Immanuel Kant. 

Já não me lembro quando fui ao Porto pela primeira vez. Deve ter sido quando, em criança, passei de comboio pela, então já velhinha, ponte D. Maria Pia, obra do engenheiro francês Gustave Eiffel, suporte da linha de Lisboa para o Porto, para mudar de comboio na estação de Campanhã. Ia passar férias estivais nas terras dos meus pais: na do meu pai, em Peso da Régua, com estação na deslumbrante linha do Douro, ou na da minha mãe, em Vidago, servida pela serpenteante linha do Corgo. A recordação precisa dessa primeira vista do Douro esconde-se nos abismos da memória, mas permaneceu o calafrio que senti quando me vi, com a composição, suspenso sobre as águas, uma sensação que haveria de repetir.

Sempre que venho ao Porto, o meu olhar demora-se sempre no imponente Douro e nas pontes, que ligam as suas duas encostas. Ainda há pouco, feito turista no Cais de Gaia, não pude deixar de fotografar de vários ângulos e alturas a ponte D. Luís, que pacientemente se oferece como um modelo inesgotável para os fotógrafos. Lembro-me de a ver na capa do disco dos GNR Psicopátria, que comprei na Baixa do Porto no Natal do ano em que saiu, 1986: uma rapariga mergulha da margem da Ribeira, com impecável estilo, nas águas do Douro, em frente à referida ponte (a fotografia é de Beatriz Ferreira, uma das primeiras fotojornalistas portuguesas). Esse LP abre com a canção «Pós modernos»: «Ah! Os pós modernos agarram na angústia/ E fazem dela uma outra indústria». Foi o ano da entrada na União Europeia e o país punha o pé na pós-modernidade quando ainda nem moderno era. Ficou alguma angústia, com pouco acréscimo de indústria. No mesmo ano de 1986 saiu o LP de Rui Veloso com o título homónimo, que inclui a canção Porto Sentido, com letra de Carlos Tê, que fala da Ponte D. Luís: «Quem vem e atravessa o rio/ Junto à serra do Pilar/ Vê um velho casario/ Que se estende até ao mar.» O Porto, que sempre inspirou os músicos, foi o berço do rock português.

A fotografia a preto e branco da Ponte D. Luís feita por Bernardino Pires é do tempo do Estado Novo, dos anos 50 ou 60, quando a vida era mais a preto do que a branco e quando a música quase não passava do fado. A democracia ainda estava longe no horizonte. Só um grande fotógrafo, muito atento ao seu olhar, pode captar um instantâneo como aquele, fazendo um retrato social do Estado Novo: as duas mulheres, uma para lá e outra para cá, transportam um grande peso à cabeça. E, para cá, vem um agente da autoridade, pois nesse tempo havia sempre, onde quer que se estivesse, um agente da autoridade. Não se percebe se é um GNR, dos autênticos (os do grupo de Rui Reininho ainda não existiam). Era uma sociedade claramente sexista, pois apesar de haver transporte automóvel (descortina-se um camião ao fundo da ponte), os carregos estavam por conta das mulheres. O homem enchapelado, à direita e em primeiro plano, vai sem carga, tal como sem carga vem o «GNR».

A Ponte D. Luís (ou «Ponte Luiz I», sem o «dom» e com o «I», como está inscrito numa pedra de mármore identificativa, coeva da inauguração) foi construída entre 1881 e 1886. A inauguração foi em 31 de Outubro de 1886, cem anos antes do referido disco dos GNR. Concebida para substituir a Ponte Pênsil anterior, a obra foi desenhada pelo engenheiro belga Théophile Seyrig, que tinha sido assistente de Gustave Eiffel na construção da Ponte D. Maria Pia, inaugurada em 1877 e encerrada em 1991, quando começou a funcionar a vizinha Ponte São João, do engenheiro Edgar Cardoso. D. Maria Pia era a esposa italiana do rei D. Luís e, na nobreza, ao invés do que acontecia no povo, primeiro estavam as senhoras, pelo menos na nomeação das pontes… Quase no mesmo sítio da Ponte D. Luís (ainda lá estão os pilares e a casa do guarda)  existiu a Ponte Pênsil, também chamada Ponte D. Maria II, inaugurada em 1843, da qual há fotografias. Esta, por sua  vez, substituiu a Ponte das Barcas, onde se deu o famoso desastre de 1817, durante a Segunda Revolução Francesa. A uma ponte sucede-se sempre outra, porque precisamos e precisaremos sempre de ir de uma margem para a outra. E «a ponte é uma passagem/ p’rá outra margem».

 

48 ANOS DE DEMOCRACIA: UM DEPOIMENTO PESSOAL


Meu artigo na revista Dirigir & Formar do IEFP (na imagem cartaz de Vieira da Silva sobre o 25 de Abril):

O regime democrático, instalado entre nós com a revolução de 25 de Abril de 1974, fará 48 anos, passando a durar mais do que anterior período não democrático, advindo do golpe de 28 de Maio de 1926. Vivi o primeiro quando tinha 17 anos – estava no primeiro ano do curso de Física na Universidade de Coimbra e a notícia chegou a meio de uma aula de Análise Infinitesimal II. Já levo 48 anos do novo regime, tendo desenvolvido toda a minha carreira de 44 anos de ensino, investigação e extensão inteiramente no seu quadro.

Claro que o facto de um jovem de uma família relativamente modesta ter chegado no tempo da «outra senhora» à universidade, indica que no início dos anos 70 ocorreu um enorme alargamento da frequência do ensino secundário e um concomitante aumento do acesso ao ensino superior. Tive a sorte de, aos 17 anos, viver em Coimbra, onde pude passar do Liceu Nacional D. João III para a Universidade, que lhe era muito próxima. Lembro-me de, em 1972, o ministro da Educação da época, José Veiga Simão, grande responsável pela referida democratização do ensino, ter visitado o meu liceu, que tinha sido também o dele. Nesse tempo de alguma abertura foi possível a uma comissão de alunos, que eu integrava, chegar à fala com o ministro a quem pediu – com sucesso! – um subsídio para o jornal estudantil.

Enquanto caloiro universitário, pude testemunhar fenómenos de oposição ao regime – como o espalhamento de panfletos nas instalações – e de repressão – por exemplo, o afastamento compulsivo das aulas, pelos contínuos-vigilantes, de estudantes que pretendiam informar os seus colegas de eventos proibidos. A Academia de Coimbra estava no rescaldo das lutas estudantis, que tinham atingido o seu auge, em 1969, com a greve aos exames, a repressão e o consequente «luto académico», numa altura em que eu ainda andava no liceu. Não tendo tido actividade política antes do 25 de Abril (até porque era menor), sei o que era a falta de liberdades: havia o espectro da guerra colonial, exercia-se censura (que eu próprio experimentei, pois aos 15 anos já escrevia para um jornal regional) e, acima de tudo, temia-se a Direcção Geral de Segurança - DGS, a polícia política que era herdeira da PIDE. Adolescente ávido pela leitura, sabia que certos livros eram proibidos. Tendo começado a ir ao cinema, sabia que eles eram tesourados. E também sabia que, havendo formalmente eleições, sabia-se à partida quem ia ganhar.

Depois do 25 de Abril houve a explosão libertária que é bem conhecida. Em Coimbra assisti a alguns dos seus episódios, como o assalto popular, contido pelas tropas do MFA, à sede da DGS em Coimbra e como a grande manifestação do primeiro 1.º de Maio. Na Universidade passou a haver sucessivas Reuniões Gerais de Alunos e Assembleia Magnas. A gestão universitária tornou-se caótica, com alguns professores sumariamente «saneados», enquanto os governos provisórios se sucediam. Votei pela primeira vez em 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte. No Verão quente de 1975, fui pela primeira vez ao estrangeiro, a um encontro juvenil de ciência em Londres: percebi então melhor o que era a liberdade, que em Portugal, de forma algo atabalhoada, estava a começar. Lembro-me de o ministro da Educação e Investigação Científica, Mário Sottomayor Cardia, num dos primeiros governos constitucionais, ter feito um referendo, em que perguntava aos estudantes se «queriam a Universidade aberta». Como o curso de Física tinha apenas quatro alunos, conseguimos, com a prestimosa ajuda dos nossos professores, concluir o curso com a normalidade possível. Fizemos os exames todos.

Acabado o curso em 1978 e tendo entrado logo como assistente, beneficiei de uma visita de professores alemães a Coimbra, prometendo cooperar na formação de quadros universitários, Como Física foi uma das áreas escolhidas, fiquei logo com o rumo traçado: em 1979 deixava as aulas em Coimbra para fazer o doutoramento na Universidade Goethe, em Frankfurt am Main. Quando saí era primeiro-ministra Maria de Lourdes Pintasilgo, num governo que não durou muito. Em 1980 soube na Alemanha da queda doi avião de Francisco Sá Carneiro, pouco antes de António Ramalho Eanes ser reeleito presidente da República. Voltei em finais de 1982.

A partir daí vivi a par e passo a democracia em Portugal. Curiosamente, o dia da assinatura em 1985 no claustro dos Jerónimos da entrada de Portugal na União Europeia, deu-se no dia dos meus 29 anos. Era uma bela prenda! Eu tinha verificado, durante a estada na Alemanha (de onde fiz incursões a França, Áustria, Suíça, Itália, etc., embora não a leste, pois o muro de Berlim só cairia em 1989), que o estado de desenvolvimento do país, em geral e em particular nas áreas que mais me interessavam da educação, da ciência e da cultura, deixava muito a desejar. Éramos um país fechado, avesso à novidade. Quando, no início dos anos 80, vinha a Portugal de férias, via as fronteiras terrestres portuguesas controladas, inclusivamente encerradas de noite, quando estavam abertas por toda a Europa por onde passava.

Fiz o que pude para que o país democrático se desenvolvesse: além das aulas e trabalhos de investigação, dediquei-me à difusão da cultura científica. Passei, a partir de 1987, a escrever na imprensa nacional (Expresso). E, em 1991, saiu o meu primeiro livro, Física Divertida (Gradiva), que foi um sucesso editorial. Conheci o meu colega José Mariano Gago na Conferência Física Nacional de Física realizada em Évora em 1984. Tornámo-nos amigos, pois eu partilhava o seu sonho de fazer alastrar a ciência em Portugal. Singrando numa carreira política, ele haveria, em 1995, de ser ministro da Ciência e Tecnologia, espoletando uma transformação enorme no país: fomentou uma rede de unidades de investigação, uma fundação para financiar a ciência e uma agência de cultura científica. Colaborei com ele em tudo o que me pediu. Eu próprio tomei várias iniciativas que apoiou. Houve altos e baixos no nosso caminho democrático na educação, na ciência e na cultura, mas os anos finais do século passado foram decerto um tempo alto.

Hoje em dia o país é muito diferente do que era. Há muitos mais jovens a frequentar o ensino superior e, em particular, há muitos mais doutoramentos. Em 1982, quando me doutorei, havia 87 mil alunos no ensino superior, ao passo que em 2021 havia 412 mil. Em 1982 houve 130 doutoramentos ao passo que em 2015 eram quase 3000. Particularmente nítida foi a ascensão académica e social da mulher: elas hoje são a maior parte dos alunos na Universidade, assim como a maior parte dos doutorados. Há também maior investimento em Investigação e Desenvolvimento: em 1982, investia-se apenas 0,3% do PIB, ao passo que em 2020 se voltava aos 1,6% que já se tinham atingido antes (bem aquém dos 2,3% da média da União Europeia).

A educação, a ciência e a cultura são traves-mestras da democracia. Um sistema democrático, além de dar liberdades, deve criar desenvolvimento. Em Portugal, por muitos que sejam os problemas que persistam, o balanço é francamente positivo.

 

ADA LOVELACE, A «FEITICEIRA DO NÚMERO»


Meu artigo que acaba de sair na revista FACES DE EVA- ESTUDOS SOBRE A MULHER:

Resumo:

Resume-se a vida e a obra da matemática Ada Lovelace, a filha de Lord Byron que é hoje um exemplo para todas as raparigas interessadas em carreiras na ciência e tecnologia pelo seu pioneirismo na compreensão do conceito de computador universal e de programaçãor. Tendo vivido em plena época romântica, que foi uma reacção cultural ao avanço da ciência e da tecnologia, Ada tentou conciliá-las com a poesia e as humanidades, uma visão unificadora que é oportuna num mundo que continua dividido nas «duas culturas.»

Palavras-chave: Ada Lovelace, Byron, Máquina Analítica, Programação, Algoritmo.

 

Abstract

We sumarize the life and work of mathematician Ada Lovelace, daughter of Lord Byron who is today an example for all girls interested in careers in science and technology for her pioneering understanding of the concept of universal computer and programming. Having lived in the midst of the Romantic era, which was a cultural reaction to the advance of science and technology, Ada tried to reconcile them with poetry and humanities, an opportune unifying vision in a world which remains divided in the «two cultures.»

 

Keywords: Ada Lovelace, Byron, Analytical Machine, Programming, Algorithm.

 

 

Introdução

Quando em 2019 o Rómulo – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra (Rómulo, 2019) organizou uma exposição sobre mulheres na ciência (o título era «Ciência no Feminino») não houve qualquer dúvida em incluir o nome da matemática inglesa Ada Lovelace (1815-1862), de seu nome completo Augusta Ada Byron, King depois de casada, e condessa de Lovelace depois de o marido ter sido nomeado primeiro conde de Lovelace, como uma das 25 mulheres que deram contributos mais significativos para a ciência e a tecnologia.

Ada publicou um único trabalho, em 1843, mas este revelou-se premonitório de ulteriores desenvolvimentos no campo da computação: ao descrever uma máquina de calcular mecânica que tinha sido desenvolvida por um professor da Universidade de Cambridge, deixou escrito, preto no branco, o que era uma máquina de calcular de uso universal (a palavra «computador» não era comum) e escreveu o que é considerado o primeiro programa de computador, embora ainda não existissem na altura linguagens de programação. Ela é, portanto, considerada a primeira programadora da história. Mais do que uma cientista que proveu uma tecnologia logo aplicada, Ada foi uma visionária, ao antecipar possibilidades que só muito mais tarde viriam a ser concretizadas e adoptadas de forma generalizada. Hoje, num mundo largamente dominado por computadores, é justo destacar o pioneirismo de uma jovem inglesa da época vitoriana (Ada tinha 27 anos à data do referido trabalho), quando eram muito raras as mulheres que podiam aceder à ciência através de educação adequada.

A educação científica de Ada foi-lhe proporcionada pela mãe, a matemática Anne Isabella (Annabella) Byron (1792-1860), nascida com o nome de Milbanke, que pretendia por esse meio afastar tendências poéticas que pudesse ter herdado do pai, o poeta Lord Byron (1788-1824), de nome completo George Gordon Byron, uma das maiores figuras do Romantismo. Apesar de Ada ter sido a única filha legítima de Byron, ele praticamente não a conheceu, uma vez que se separou de Annabella, para não mais reencontrar nem mãe nem filha, um mês após o nascimento da criança. Para manter afastada a memória do pai, só aos 20 anos a mãe permitiu que a filha pudesse ver um retrato dele. No entanto, o gosto pela poesia foi partilhado por pai e filha: Ada, ao longo da sua curta vida (morreu aos 36 anos, de cancro uterino, precisamente a mesma idade com que o pai morreu no exílio), perseguiu o que ela própria designou de «ciência poética», uma visão na qual se fundem a matemática e a poesia. Não deixa de ser irónico que, tendo o Romantismo sido uma reacção ao avanço da ciência e da tecnologia (Lord Byron proferiu, em 1812, um discurso no Parlamento britânico criticando a automatização e o desemprego por ela provocado, defendendo os Luditas, os trabalhadores que destruíam as máquinas), uma sua filha tenha sido responsável por desenvolvimentos de tecnologias mecânicas que haveriam de culminar na actual omnipresença das máquinas electrónicas.

Neste artigo resume-se a vida e obra de Ada Lovelace, enfatizando o seu trabalho inovador sobre a Máquina Analítica, o primeiro protótipo de uma máquina equivalente aos computadores que conhecemos hoje. Salientaremos, para além desse pioneirismo num domínio científico-tecnológico onde as raparigas e mulheres ainda hoje são minoritárias, a actualidade da sua visão conciliadora entre, por um lado, ciência e tecnologia, e, por outro, artes e humanidades.

O trabalho de Ada

O único trabalho publicado por Ada Lovelace foi, em 1843, um conjunto de notas complementares da sua tradução de francês para inglês de um artigo de Luigi Frederico Menabrea (1809-1896), engenheiro italiano que foi também general e estadista (tendo sido primeiro-ministro de Itália entre 1867 e 1869), intitulado Sketch of the Analytical Engine Invented by Charles Babbage (Menabrea & Lovelace, 1843). Essa tradução foi publicada nas Scientific Memoirs. Selected from the Transactions of Foreign Academies of Science, vol. III, pp. 666-732, uma revista editada por Richard Taylor (1781-1858), naturalista e editor científico inglês. Saiu do prelo da editora fundada em Londres por ele próprio e pelo pai, a «Richard and John Edward Taylor», que está na base da actual «Taylor & Francis». O original francês tinha sido publicado na Bibliothèque Universelle de Genève, em 1842 (Menabrea, 1842).

A base do artigo do italiano foram os apontamentos que tirou numa conferência que o matemático e polímato inglês Charles Babbage (1791-1871) proferiu em Turim em 1840, explicando os planos de uma máquina que ele tinha começado a desenvolver em 1833, a que chamou Analytical Engine (Máquina Analítica), que era um aperfeiçoamento de uma sua máquina anterior, com o nome de Difference Engine (Máquina Diferencial), cuja invenção data de 1822. A diferença entre as duas é substancial: a primeira só seria capaz de fazer uma certa tarefa matemática – a Máquina Diferencial destinava-se calcular funções por interpolação polinomial – ao passo que a segunda tinha um enorme poder computacional, podendo ser programada para realizar vários tipos de tarefas matemáticas. Ada aproveitou precisamente essa diferença ao propor o primeiro programa de computador, usando entre outras a noção de ciclo..

Essas duas máquinas mecânicas são o maior legado de Babbage, que estudou na Universidade de Cambridge no Trinity College e na Peterhouse, e foi depois Professor Lucasiano de Matemática em Cambridge de 1828 a 1829, a famosa cátedra ocupada por Isaac Newton e, em tempos recentes, por Stephen Hawking. Babbage foi eleito em 1816 sócio da Royal Society de Londres, a sociedade à qual o rei inglês Carlos II, consorte de D. Catarina de Bragança, outorgou carta real em 1662, e à qual Newton presidiu de 1703 até à sua morte, em 1727. Esta sociedade, a mais antiga sociedade científica do mundo em actividade contínua, era um «clube masculino» (as primeiras mulheres só foram admitidas em 1945).

Babbage montou um protótipo da Máquina Diferencial (com CPU e impressão, mas sem memória nem programação). Em 1991 o Science Museum de Londres construiu uma Máquina Diferencial que funcionava, reproduzindo as engrenagens montadas em eixos. Babbage montou também uma parte da Máquina Analítica, uma tarefa prosseguida pelo seu filho Henry Babbage. O engenho conseguia realizar tarefas simples como calcular múltiplos de pi. Contudo, nem os apontamentos de Menabrea nem os rascunhos de Babbage parecem ser suficientes para completar o projecto e «correr» o exemplo indicado por Ada.

A tradução de Ada é competente, uma vez que ela, amiga de Babbage, conhecia bem os planos da máquina, mas o que a colocou na história da ciência e tecnologia foi o acrescento das notas, assinadas no final com as suas iniciais A.A.L. (de facto, há uma gralha, e saiu impresso «A.L.A.»), que iam de A a G, ocupando cerca de 40 páginas, mais do dobro do número de páginas do artigo de Menabrea sobre o invento de Babbage. É nessas notas que ela afirma, de forma original, o que é uma máquina de calcular universal e exemplifica como se faz um programa (respectivamente nas notas A e G).

O que era a Máquina Analítica? Era um projecto – a máquina nunca chegou a ser completada em vida do autor nem sequer postumamente, devido à incompletude da descrição deixada por ele – de um dispositivo mecânico de calcular, que, devidamente programado, podia realizar qualquer tipo de tarefas matemáticas. Tal como os computadores actuais, esse computador primitivo possuía unidades de processamento central ou CPU - Central Processing Unit (curiosamente denominada mill), de memória, de input e de output. Qualquer computador, antigo ou moderno, permite transformar um dado input num output, como fazia a Máquina Analítica. A máquina podia ser programada usando a tecnologia dos cartões perfurados, um processo da autoria do mecânico francês Joseph-Marie Jacquard (1752-1834) que, em 1804, inventou um tear completamente mecânico, com a capacidade para criar padrões têxteis bastante intrincados. Os cartões perfurados foram usados em 1890 pelo norte-americano Hermann Hollerith para processar dados do Censos dos Estados Unidos e reapareceram em meados do século XX como meio de programação dos computadores electrónicos, que surgiram no pós-guerra.

Ao acentuar a semelhança com o tear de Jacquard, Ada descreve o trabalho do computador de uma forma que pode ser considerada «ciência poética»: «Podemos dizer com mais propriedade que a Máquina Analítica tece padrões algébricos tal como o tear Jacquard tece flores e folhas.» (Menabrea, 1843).

O pioneirismo de Babbage e Ada fica mais claro se se referir que os computadores só apareceram quase um século depois, em 1941, quando o engenheiro alemão Konrad Zuse (1910-1995) construiu em Berlim o primeiro computador programável, o Z3, baseado não em mecanismos de rodas dentadas, mas em relés eléctricos. Com a invenção do transístor realizada em 1947 pelos físicos norte-americanos John Bardeen, Walter Brattain e William Schockley, nos Bell Laboratories, os grandes computadores a válvulas, que surgiram nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, como o Electronic Numerical Integrator and Calculator (ENIAC), construído na Universidade da Pensilvânia, deram lugar a computadores mais pequenos, mas, apesar disso, mais poderosos. Iniciava-se a era informática, que continuamos hoje a viver, e que foi acelerada com o aparecimento do primeiro computador pessoal em 1974 e com o desenvolvimento da Internet, em particular o aparecimento em 1989 dos protocolos da World Wide Web, que estão na base da actual rede mundial de computadores.

Ada descreve nas suas notas um algoritmo (conjunto de procedimentos; a palavra vem do nome do matemático persa do século IX Al-Khwarizmi) para elaborar uma tabela de números irracionais conhecidos por números de Bernoulli, estudados pelo matemático suíço Jakob Bernoulli (1654-1705), que surgem como parâmetros em certas séries matemáticas contendo a exponencial (séries são somas infinitas de termos onde entram potências sucessivas da variável). É correcto dizer-se que foi a primeira pessoa a criar um programa de computador, apesar de não ter sido executado. Foi recentemente traduzido em linguagens de programação modernas e, após ter sido detectado um bug (o primeiro da história da computação) foi compilado e executado com êxito. O seu programa era mais elaborado e preciso do que outros que o próprio Babbage escreveu. Acresce que ela o publicou, o que não aconteceu com os programas anteriores de Babbage. Em ciência é essencial a publicação para garantir a precedência. Por exemplo, o físico italiano Galileu Galilei foi o primeiro a publicar em 1610 os resultados de observações feitas com o telescópio no ano anterior, mas foi o inglês Thomas Harriot o primeiro ­– embora por escassos meses -– a ver o céu com a ajuda de um telescópio, não tendo, porém, publicado os seus desenhos e notas. A inequívoca precedência de Ada não significa que o seu avanço tenha tido um impacto imediato na história da computação. Foi um trabalho teórico que ficou durante muitas décadas ignorado.

A tradução de Ada do texto de Menabrea foi feita a pedido do físico inglês Charles Wheatstone (1802-1875), o autor de um conhecido circuito com resistências eléctricas («ponte de Wheatstone»), mas foi Babbage que sugeriu que ela acrescentasse notas da sua lavra. Apesar de Babbage e Ada terem estado em diálogo, tanto oral como escrito, durante a escrita das notas, não restam dúvidas aos historiadores de ciência, com base nos manuscritos de um e de outro, que a autoria dessas notas é de Ada. De resto, Babbage nunca reclamou essa propriedade intelectual. Lovelace e Babbage tiveram uma ligeira desavença quando ele tentou publicar na revista uma sua declaração (criticando o tratamento que o governo britânico tinha dado à sua máquina) na forma de um prefácio não assinado, que poderia ter sido erroneamente interpretado como uma declaração de Ada ou conjunta. Ada foi muito decidida a responder-lhe, apesar da diferença de idades (24 anos), não tendo a relação entre deles ficado prejudicada. Ada, já em doença terminal, quis que ele fosse o seu executor testamentário.

 

Contribuições de Ada

Walter Isaacson, o biógrafo sueco de génios tão diversos como Leonardo da Vinci, Albert Einstein e Steve Jobs começa o seu livro Os Inovadores. Como um Grupo de Hackers, Génios e Geeks Criaram a Revolução Digital, com o capítulo «Ada, Condessa de Lovelace» (Isaacson, 2014). Segundo ele, o mérito inovador de Ada, que viveu num tempo em que as mulheres eram vistas como seres inferiores, consistiu no facto de, nas suas notas, «ter explorado quatro conceitos que teriam ressonância histórica um século mais tarde quando o computador finalmente nasceu». Esses conceitos são:

O primeiro é a ideia de uma máquina de calcular genérica, que pode ser programada para realizar um conjunto de tarefas diferentes: Ada percebeu a noção e o poder de um computador universal. Em 1953, mais de um século após sua morte, as notas de Ada Lovelace sobre a Máquina Analítica de Babbage foram republicadas como um apêndice da obra de B.V. Bowden: Faster than Thought: A Symposium on Digital Computing Machines, chamando a atenção da comunidade informática para o seu pioneirismo (Bowden, 1953).

O segundo é o facto de que as operações a realizar por essa máquinas não terem que ser limitadas aos números e, portanto, às operações matemáticas tradicionais. Podiam, no seu entender, manipular qualquer coisa que fosse expressa por símbolos, como palavras ou notas musicais. De facto, os computadores digitais modernos manipulam os valores binários 0 e 1, podendo, com base nessa notação, processar palavras, notas musicais e outras estruturas de dados.

O terceiro foi o fornecimento por Ada de um exemplo concreto de um algoritmo computacional. Tratou-se, como foi dito, de um procedimento para calcular os números de Bernoulli, usando a sua formulação em séries matemáticas. Este foi o primeiro programa exposto em pormenor, embora não tivesse sido executado pela Máquina Analítica uma vez que ela nunca foi concretizada pelo seu autor (Babbage queixou-se da falta de apoio governamental necessário para o sucesso do empreendimento). Ada introduziu os conceitos hoje correntes de sub-rotina, um módulo do programa que se pode chamar do programa principalr, de ciclo (loop), um comando que permite a repetição  de um conjunto de operações,  e de escolhas condicionais (if), que consistem em comandos alternativos que controlam o fluxo de execução baseado no valor lógico de uma expressão.

Finalmente, Ada pronunciou-se sobre uma questão muito actual da chamada «inteligência artificial»: «Podem as máquinas pensar?». A sua resposta foi um categórico «não»: «A Máquina Analítica não tem a pretensão de originar o que que quer que seja.» Explicou: «Pode fazer tudo aquilo que nós queiramos ordenar que faça. Pode seguir a análise; mas não tem o poder de antecipar qualquer relação analítica ou verdades». Esta objecção tem sido objecto de grande debate, começando com o matemático inglês Alan Turing (1812-1954), no seu artigo «Computing Machinery and Intelligence» publicado em 1950 (Turing, 1950). Ciente do trabalho da matemática oitocentista, Turing chamou a este problema a «objecção de Ada». Concluiu que a máquina analisada por Ada era uma máquina de cálculo universal, a que hoje se chama «máquina de Turing». Uma máquina de Turing pode realizar qualquer função do pensamento humano. Turing propôs nesse artigo o chamado «teste de Turing» para responder à questão de saber se as máquinas podiam não pensar, mas sim aparentar pensar. É bem sabido o fim trágico de Turing, provavelmente relacionado com a sua homossexualidade (Hodges, 2014). Hoje ele é um nome consagrado das ciências da computação.

Biografia de Ada

Apesar de ela ter sido contada noutros sítios (Woolley, 2000; Chiaverini, 2017; Seymour, 2018; Hollings, 2018), vale a pena resumir aqui a vida de Ada Lovelace. Mesmo com o privilégio de nascimento, é admirável como uma mulher na época vitoriana tenha conseguido o que ela conseguiu.

O pai de Ada foi George Gordon Byron, 56.º barão de Byron, que cedo revelou os seus talentos e também a sua extravagância. Nessa altura era costume as pessoas de posses fazerem na sua juventude longas excursões de formação, o chamado Grande Tour. Byron começou a sua viagem a Portugal em 1809, tendo escrito uma carta a um seu amigo onde comunicava as suas impressões, descrevendo o seu «domínio» da língua portuguesa, que não passava de alguns palavrões e insultos. Byron gostou muito da sua estada em Sintra, terra a que ele chama na estrofe 18 da sua obra Childe Harold's Pilgrimage «o glorioso Paraíso» (Mello Moser et al., 1977, p. 143). Mas, a par desse elogio à terra, refere-se na mesma estrofe em termos depreciativos aos portugueses: «Pobres, e miseráveis escravos! Nascidos entre as mais nobres Cenas! Porque desperdiçou a Natureza as suas maravilhas sobre semelhante gente?» (Mello Moser et al., 1977, p. 143). De Lisboa seguiu por terra para Sevilha, Cádiz e Gibraltar, onde embarcou para a Sardenha, Malta e Grécia.

A vida amorosa de Byron, para além de muito intensa, foi muito complicada: encarnou um verdadeiro D. Juan, o personagem literário que serviu de título a um dos seus livros mais famosos. Mas, ao contrário desse D. Juan, que se apaixonou por uma jovem, Byron era o que hoje se chama bissexual. Os seus casos com rapazes tinham de permanecer na sombra.

Em 1812 Byron teve uma relação com Caroline Lamb, uma senhora casada, que haveria de chamar a Byron «mad, bad and dangerous». O certo é que Caroline, de cabeça perdida, o começou a perseguir insistentemente. Byron cortejou depois uma prima de Caroline, Annabella Millbank, uma menina de «boas famílias» com formação matemática (algo raro nessa época), com quem se casou em 1825. Annabella era bastante religiosa e com princípios morais que estavam nos antípodas dos de Byron. Este precisava da segurança material que a família dela oferecia. O casamento foi, porém, muito infeliz e, portanto, muito breve. A mulher abandonou-o não só pelo conhecimento que terá tido da homossexualidade do marido, mas também e talvez principalmente pelo facto de ter percebido que o marido se sentia atraído pela sua meia-irmã do lado paterno, Augusta Leigh (ter-lhes-á pedido numa ocasião para ser beijado pelas duas em simultâneo). Como era norma no mundo masculino da época, Byron depreciava as mulheres: ele disse um dia que «os homens eram mais inteligentes do que as mulheres, mas que estas beijavam melhor». Semanas depois de Annabella dar à luz Ada em Londres (Byron ficou desiludido por não ser um rapaz) e um ano depois do casamento, Annabella deixou o marido refugiando-se em casa dos pais: a bebé nasceu a 10 de Dezembro de 1815 e o casal separou se a 16 de Janeiro de 1816, tendo o divórcio sido assinado em 21 em Abril. Para além do boato de incesto (Augusta teve uma filha, Elizabeth Medora Leigh, muito provavelmente de Byron), pairava a questão da homossexualidade: a sodomia era então um crime que podia levar à forca. Byron, livre dos laços do casamento, não hesitou em partir para Itália, não mais tendo voltado à Grã Bretanha. Não reclamou a custódia da filha, que em casos litigiosos era atribuída ao pai. É significativo que tenha dado à filha o nome de Augusta, o seu amor incestuoso. Em 1841, Ada e Medora souberam, da boca de Lady Byron que eram filhas do mesmo pai, algo de que a primeira já suspeitava.

Lord Byron escreveu o poema «Fare Thee Well» («Adeus») para a sua ex-esposa em 1816, pouco depois da sua separação, onde se refere à filha com desvelo (Byron, n.d.):

(…) E ao achares consolo, quando

A nossa filha balbuciar,

Ensiná-la-ás a dizer "Pai",

Se o meu desvelo vai faltar?

 

Quando as mãozinhas te apertarem

E ela teu lábio - houver beijado,

Pensa em mim, que te bendirei

Teu amor ter-me-ia abençoado.

 

Se parecerem os seus traços

Com os de quem podes não mais ver,

Teu coração pulsará suave,

E fiel a mim há de tremer. (…)

 

E, no poema Childes Harolds Pilmigrage, canto III, estrofes 1 e 2 (Isaacson, 2014, p. 24):

 

Teu rosto lembra tua mãe, bela criança!

Ada! Tu, o fruto único de meus ramos?

Vi em teus olhos riso e esperança,

E nos separámos.

 

Byron teve mais filhos para além de Ada e Medora. Uma outra filha extraconjugal, Clara Allegra Byron, nasceu em 1817 de Claire Clairmont, uma meia-irmã de Mary Shelley e enteada do filósofo político William Godwin (1756-1836), mas só viveu cinco anos. Em 1816 Claire fugiu já grávida de casa dos seus pais acompanhando Mary Wollstonecraft Godwin, mais tarde Shelley (1797-1851), e Percy Shelley (1792-1822, o namorado de Mary, que casaria com ela pouco depois, e que foi um dos expoentes do romantismo inglês). Foram ter com Lord Byron e o médico John Polidori, a uma villa nas margens do Lago de Genève, na Suíça. Como a meteorologia não permitia sair de casa (foi o «ano sem Verão», devido a perturbações climáticas globais causadas pela erupção do vulcão Tambora, na Indonésia), o grupo passou o tempo em jogos literários. Foi nessa altura que nasceu o famoso romance de Mary Shelley Frankenstein: o Moderno Prometeu, que foi publicado pela primeira vez anonimamente em 1818 (a primeira edição, não foi assinada, porque era estranho nesse tempo haver uma autora feminina, mas o nome de Mary já aparece na segunda edição, em 1823, e na terceira edição, revista e definitiva, com prefácio da autora, em 1831; Shelley, 2018).

Byron morreu em 1824 na Grécia, de uma gripe mal tratada, quando participava na Guerra da Independência contra o Império Otomano. Nessa altura a filha tinha apenas oito anos. Algumas das últimas palavras foram sobre a sua filha: «Oh, minha pobre criança! - minha querida Ada! Meu Deus, se eu pudesse tê-la visto! Dê-lhe a minha bênção!» (Isaacson, 2014, p. 25). É curioso que Ada tenha ficado, a seu pedido, sepultada muito perto do pai que ela nunca conheceu, em Nothinghamshire, no centro de Inglaterra.

Ada foi educada pela avó materna, não tendo tido uma relação fácil com a mãe ausente. A relação entre mãe e filha terá ficado prejudicada pela má memória que Lady Byron guardava do marido, a quem sempre acusou de imoralidade. Mas Lady Byron tentou salvar as aparências, preocupando-se com a criança ou pelo menos dando a entender que se preocupava. Em cartas à sua mãe tratou numa ocasião a filha por «it»: «I talk to it for your satisfaction, not my own». Mas noutras ocasiões mostrava afecto, tendo o cuidado de pedir para preservar essa correspondência a fim de poder documentar o seu interesse pela filha. Byron também procurou saber dela através de Augusta.

Ada foi crescendo em inteligência e graça. Aos 12 anos, alimentou o sonho de voar. Ensaiou escrever um livro a que deu o título de Flyology e experimentou vários materiais para fazer asas. Pensou em usar uma bússola para se orientar no ar. E idealizou o uso de vapor para ajudar à “arte de voar” (estava no tempo das máquinas a vapor). Era uma pequena fada que queria ser uma fada real. Babbage chamar-lhe-ia, mais tarde, «Lady Fairy».

Ada padeceu desde criança e ao longo da sua vida de várias doenças. Aos 14 anos teve sarampo, que a deixou prostrada durante quase um ano.

Era educada em casa por tutores (a educação feminina tinha, nesse tempo, de ser feita em ambiente doméstico, pois as raparigas não frequentavam escolas públicas). A mãe queria, a todo o custo, afastá-la do que ela considerava ser a insanidade do ex-marido e insistia na formação em matemática: a ciência do rigor deveria opor-se à fantasia eventualmente herdada do pai. Mas «quem sai aos seus não degenera»: Aos 17 anos Ada teve um caso amoroso com um dos seus jovens tutores. A rapariga foi reenviada para casa por familiares do jovem envolvido e o incidente foi cuidadosamente encoberto.

Em 1833 começou a receber aulas particulares de Mary Somerville (1780-1872), uma das cientistas mais notáveis do século XIX e, por isso, também representada na referida exposição «Ciência no Feminino». As duas tornaram-se grandes amigas. Somerville foi a primeira membro feminina da Royal Astronomical Society (embora apenas honorária) e a autora de vários livros de divulgação científica entre os quais sobressai On The Connection of the Physical Sciences (Somervile, 1834). Foi numa recensão a esse livro que o polímata inglês William Whewell (1794-1866) introduziu, em 1834, a palavra «scientist». A ciência era um termo antigo, mas a palavra «cientista» para designar um praticante profissional de ciência só então começou a ser usada.

No mesmo ano de 1833, Ada foi introduzida na corte inglesa (ainda antes da coroação da rainha Vitória, 1819-1901, que teve lugar em 1838), como era costume para as meninas de alta sociedade aos 17 anos, tendo-se logo feito notar pela sua graça e inteligência. Nessa altura já era bastante nítida a sua aptidão para a matemática.

Em 1840, Ada passou a ser tutorada por Augustus De Morgan (1806-1871), professor do University College de Londres e um dos maiores especialistas em lógica matemática do seu tempo. Numa carta a Lady Byron, De Morgan escreveu que a capacidade de Ada em matemática poderia levá-la a tornar-se «uma investigadora matemática original, talvez de primeira categoria.»

Outros nomes notáveis com quem Ada travou conhecimento foram, para além do já referido Charles Wheatstone, os físicos britânicos Andrew Crosse (1784-1855), David Brewster (1781-1868) e Michael Faraday (1791-1867), todos eles interessados na electricidade, um tópico então de grande actualidade, e o escritor Charles Dickens (1812-1870), o autor maior da literatura vitoriana. Encontrou alguns deles em bailes em reuniões mundanas, como as que eram organizadas por Babbage em sua casa.

Lovelace conheceu Charles Babbage em 1833, por intermédio de Mary Somerville. Babbage não tardou a convidar Ada para ver a sua Máquina Diferencial. Ela ficou completamente fascinada pelo engenho e passou a visitar Babbage sempre que podia. Babbage, por sua vez, ficou impressionado com as capacidades intelectuais, em particular matemáticas, de Ada, passando a discutir com ela a Máquina Analítica. Escreveu-lhe uma carta em 1843 onde dizia: «Decidi deixar tudo para trás e partir para Ashley carregado de papéis suficientes para esquecer este mundo, todos os seus aborrecimentos e, se possível, os seus numerosos charlatães - tudo em resumo, excepto a Feiticeira do Número» (Witkowski, 2004, p. 126; na carta original está no singular). Chamou-lhe também noutra ocasião: «Minha querida e admirada intérprete.» Ada sempre admirou Babbage: tentou primeiro que ele fosse seu tutor e depois seu parceiro no empreendimento da Máquina Analítica. Mas Babbage, embora admirando o talento de Ada, sempre evitou uma demasiada aproximação.

Em 1835 Ada casou com William King-Noel (1905-1893), conde de Lovelace a partir de 1838, ele próprio um cientista (interessava-se por questões de agricultura e pecuária). Tiveram três filhos: Byron, em 1856, Anne Isabella (Annabella), em 1837, e Ralph Gordon, em 1839. O primeiro nome prestava homenagem ao pai (sem a oposição da mãe), o segundo à mãe, ao passo que o terceiro tomou como segundo nome o segundo nome do pai. A verdade manda dizer que Ada não acompanhou muito os seus filhos.

Na década de 1840, ganhou o vício por apostas de cavalos. Desenvolveu um modelo matemático para fazer apostas, mas perdeu uma quantia considerável numa sociedade com outros jogadores que a venda de algumas jóias de família teve de cobrir. Foi por essa altura que teve uma relação sentimental com um filho do físico Andrew Crosse, John Crosse (1810-1880), a quem ela haveria de deixar parte da sua herança. Continuou a sofrer de doenças, tendo tratado dores crónicas com opióides, que tinham efeitos secundários. Poucos meses antes de morrer, devido a algo que ela disse ao marido (provavelmente uma confissão do adultério), este deixou de a ver. A mãe convenceu-a a uma conversão religiosa no leito de morte.

 

Ciência e Poesia

Ada, que tinha consciência do seu génio, era possuída por inquietações filosóficas, especulando acerca da integração da poesia e da ciência. De facto, ela procurava uma visão unificada do mundo. Em 1851, um ano antes de lhe ter sido detectado o cancro, ela escreveu à sua mãe mencionando «certas produções» em que estava a trabalhar a respeito da relação entre matemática e música. Ada acreditava que a intuição e a imaginação eram essenciais para que os conceitos matemáticos e científicos pudessem ser aplicados eficazmente. Estava à frente do seu tempo: Muito mais tarde o físico Albert Einstein diria que «a imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. Mas a imaginação dá a volta ao mundo » (Calaprice, 2011, p.12; Fiolhais, 2008). Em 1841 escrevia que a imaginação era a «faculdade de fazer combinações. Ela reúne coisas, factos, ideias em combinações novas, originais, infinitas e sempre em mutação […] É ela que penetra os mundos invisíveis da Ciência à nossa volta» (Isaacson, 2014, p. 30).

Interessou-se também por pseudociências em voga na altura, como a frenologia (hipotética divisão do cérebro em zonas especializadas) e o mesmerismo (magnetismo animal). No século XIX vários cientistas estavam imbuídos de ideias espiritualistas, tendo alguns deles, por estranho que pareça, acreditado no espiritismo, então muito popular.

Em 1844, ela comentou ao seu amigo Woronzow Greig, o filho mais velho de Mary Somerville e ele próprio um cientista, que pretendia criar um modelo matemático do modo como o cérebro dá origem a pensamentos e nervos a sentimentos («um cálculo do sistema nervoso»), uma tarefa que ela obviamente nunca realizou. O seu interesse pelo cérebro provinha da preocupação da sua mãe a respeito da sua potencial loucura, alegadamente herdada do pai. Foi para tentar aprofundar este projecto que Ada visitou Andrew Crosse em 1844 pedindo-lhe que a ensinasse a fazer experiências eléctricas. Também se interessou por magnetismo. O século XIX, com Faraday, foi o século em que se ligou a electricidade e o magnetismo, uma união que permitiu compreender que a luz é uma onda electromagnética. Se é certo que o século XIX foi o século do Romantismo, não é menos certo que foi também um século de grandes avanços na ciência e na tecnologia. Conforme assinala o historiador britânico Richard Holmes, em A Era do Deslumbramento. Como a geração romântica descobriu a beleza e o terror da ciência (Holmes, 2015), o Romantismo não foi tão estranho à ciência como se poderia pensar. O percurso biográfico de Ada serve para o mostrar.

 

Moderna recepção

Ada tornou-se ultimamente muito popular. A Wikipedia é continuamente actualizada com homenagens em sua honra (Ada Lovelace, 2021)

O seu nome aparece em várias peças de teatro (por exemplo, em Arcadia, do dramaturgo inglês Tom Stoppard; Stoppard, 1993), filmes (por exemplo, Conceiving Ada, da realizadora norte-americana Lynn Hershman Leeson, 1997), romances (por exemplo, The Difference Engine, dos norte-americanos William Gibson e Bruce Sterling, uma história de 1980 num género de ficção científica chamado steampunk, em que invenções hoje conhecidas aparecem precocemente; Gibson & Sterling, 2011), séries de TV (por exemplo, Doctor Who, 2020, na BBC), bandas desenhadas (destaca-se a novela gráfica com extensas notas do desenhador inglês Sydney Padua The Thrilling Adventures of Lovelace and Babbage; Padua, 2015), e outros meios de cultura popular. Os argumentos dessas obras são, por vezes, imaginativos: A peça Ada and the Engine, da dramaturga norte-americana Lauren Gunderson, representa Ada Lovelace e Charles Babbage num enredo de amor não correspondido e imagina um encontro póstumo entre Ada e o seu pai (Gunderson, 2018).

A linguagem de computador Ada, criada por uma equipa contratada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, recebeu o nome de Ada Lovelace. O respectivo manual de referência foi aprovado em 1980 e a última versão é de 2012.

O bicentenário do nascimento de Ada Lovelace foi celebrado com uma série de eventos académicos, incluindo The Ada Lovelace Bicentenary Lectures on Computability, no Instituto de Estudos Avançados de Israel, Dezembro de 2015 - Janeiro de 2016, o Simpósio Ada Lovelace, Universidade de Oxford, Outubro de 2015.

A plataforma de criptomoeda Cardano, lançada em 2017, usa «Ada» como nome da criptomoeda e «Lovelace» como a menor subunidade da Ada.

A 8 de Março de 2018, Dia Internacional da Mulher, o The New York Times publicou um obituário de Ada Lovelace, reabilitando-se de um longo silêncio sobre mulheres cientistas (Miller, 2018). O jornal reconheceu que havia um demasiado predomínio de homens brancos nas suas páginas sobre falecimentos.

Ada Lovelace é hoje celebrada pelos movimentos feministas de todo o mundo. Em 2009 foi criado pela jornalista e feminista inglesa Suw Charman-Anderson o «Dia de Lovelace» na segunda terça-feira de Outubro com o intuito de «elevar o perfil das mulheres na ciência e tecnologia». Ela afirmou: «ter pessoas com o mesmo quadro mental à sua volta é essencial, e nós esperamos ser capazes de ajudar as mulheres a encontrarem essas comunidades» (Phillips, 2011, 464).

De facto, Ada é uma figura inspiradora. Costuma ser destacado o seu pioneirismo no campo da computação, por ela ter apreendido a ideia de computador universal e ter escrito o primeiro programa de computador. Mas também devem ser destacadas as suas intuições de que um computador podia ser usado para fins artísticos e de que o aparecimento dos computadores mecânicos suscitava a questão da «inteligência artificial».

Em 1959, o cientista e escritor britânico Charles P. Snow, numa famosa Conferência na Universidade de Cambridge, intitulada As Duas Culturas (Snow, 1999) discutiu a oposição entre ciência e tecnologia, por um lado, e artes e humanidades, por outro. É extraordinário que, numa era em que o domínio da ciência era posto em causa, Ada Lovelace tenha sonhado com uma «ciência poética», tentando resolver pela conciliação dos supostamente contrários uma questão que tem continuado até aos dias de hoje. Ela percebeu que a ciência e a arte não tinham de estar em pólos opostos, podendo até justapor-se. O aprofundamento deste aspecto, que não tem tido suficiente enfatizado quando se apresenta a vida e obra de Ada, afigura-se muito oportuno no mundo actual a fim de romper o isolamento de duas dimensões humanas que nada ganham em estarem separadas e, pior ainda, em confronto (Fiolhais, 2015).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ada Lovelace (n. d.). Retrieved Novembro 25  2021 from

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