“A influência do elemento Ferro, agora, e mesmo antes
de haver vida, é pelo menos tão importante como o ADN na história da própria
vida”. Quem o afirmou foi o químico inglês Robert Williams num artigo publicado
na revista Nature em 1990 [1].
De facto, o Ferro é elemento essencial para a produção
de energia e bom estado de saúde, por exemplo, nos seres humanos. Todos sabemos
que o Ferro presente na hemoglobina, existente nos glóbulos vermelhos, é
essencial para o transporte de oxigênio a todas as células do nosso corpo.
A propósito, e numa outra perspectiva, diga-se que o
uso do Ferro também influenciou a história da Humanidade.
Mas a importância do
Ferro para a vida é muito anterior ao aparecimento desta no planeta Terra.
Comecemos por identificar a origem dos átomos de Ferro no Universo.
A mais consensual teoria
sobre a origem do Universo diz-nos que o Big Bang terá ocorrido há cerca de
13,8 mil milhões de anos. Os primeiros elementos atómicos a serem formados,
algumas centenas de milhares de anos depois, foram o Hidrogénio
(maioritariamente), o Hélio e algum Lítio. Muito depois, formaram-se as
estrelas e a sua evolução levou à nucleossíntese de elementos mais pesados como
o Carbono e o Oxigénio. Estima-se que 200 milhões de anos depois do Big Bang, o
Universo terá entrado na “Era do Ferro”: as estrelas, atingindo um determinado estado
nas suas “vidas”, começam a produzir ferro. Com o fim da vida destas estrelas,
explodindo em supernovas, o Ferro, assim como muitos outros elementos,
ter-se-ão espalhado pelo Universo em nebulosas. Algumas destas nebulosas terão
dado origem a sistemas planetários.
Há cerca de 4,6 mil
milhões de anos, ter-se-á formado o nosso Sistema Solar a partir de uma dessas
nebulosas. E o Ferro terá sido fundamental para a formação planetária. No caso
que nos interessa agora, refira-se que o Ferro é o elemento mais abundante no
planeta Terra: é elemento maioritário dos núcleos internos e externos do centro
da Terra, e é o quarto elemento mais abundante da crosta terrestre.
As propriedades
magnéticas do Ferro estão na origem do campo magnético terrestre. Este campo é
fundamental para proteger a Terra das partículas energéticas presentes no vento
solar, assim como de outras radiações que, caso chegassem à superfície do
planeta o tornariam muito pouco adequado para hospedar a vida tal qual a
conhecemos. Podemos, assim e com alguma certeza, afirmar que sem a presença de
Ferro não haveria vida na Terra.
Tanto quanto podemos
saber hoje, as primeiras formas de vida na Terra, com vestígios fósseis
conhecidos, já existiam há 3,6 mil milhões de anos. Nesta altura, a atmosfera
terrestre era praticamente desprovida de Oxigénio. Curiosamente, esta atmosfera
pobre em Oxigénio, associada a temperaturas de cerca de 100 graus Celsius e uma
pressão inferior à actual, poderá ter permitido, segundo alguns autores,
determinados ciclos de reacções químicas que produziriam energia utilizável
para a síntese de substâncias hoje ditas orgânicas.
De acordo com o químico alemão Günter Wächtershäuser (1938 - ) e a sua teoria hipotética do “Mundo de Ferro-Enxofre” [2], esta química à volta de pirites de ferro, num
ambiente consistido por chaminés hidrotermais nos fundos marinhos, terá estado
na origem da primeira química da vida. Esta hipótese postula que uma primitiva
forma de metabolismo antecedeu o aparecimento da genética na história da
evolução das primeiras formas de vida unicelular.
Muito milhões de anos
após, com o aumento de Oxigénio devido à actividade fotossintética de células
conhecidas por cianobactérias, o Ferro, reagindo com o Oxigénio, tornou-se
muito menos solúvel em água e óxidos de Ferro precipitaram-se nos fundos de
lagos e mares. Isto teve um impacto na evolução da vida e na geologia do
planeta. Mas estes são aspectos a desenvolver numa próxima crónica.
Referências:
António Piedade
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