domingo, 19 de fevereiro de 2017

Ensinar e aprender matemática. Dez pontos para discussão

Na conferência Pensar a Matemática, organizada pela Direcção-Geral da Educação, vale a pena também dar atenção a intervenção de Anthony Gardiner com o título Teacher and learning elementary mathematics.



Este professor da Universidade de Birmingham começou com uma provocação: "Tenho de pedir desculpa, pois temo que se os presentes gostaram da sessão anterior, talvez não gostem desta". Notou, assim, a profunda divergência que os teóricos, os políticos e os práticos denotam quando se reúnem para pensar no ensino e na aprendizagem.

Fez também uma advertência: "a educação matemática depende, de muitas formas, das condições locais, por isso, por favor, não esperem de mim um conselho acerca do que fazer e do que não fazer". Notando que, independentemente da discussão, as decisões quanto ao currículo já estariam tomadas, limitar-se-ia a oferecer algumas contribuições para que futuros debates pudessem, ser, de facto, abertos. 

Essas contribuições são francamente importantes para quem as queira aproveitar no sentido de se sair de um impasse em que, há muito, há tempo demais, caiu a discussão sobre o que deve ser o currículo da matemática, em particular, e o currículo em geral. 

Eis dez ideias que me parece serem de salientar:

1. Vivemos num período turbulento de grandes mudanças a nível mundial, mas o que agora se diz sobre o currículo acompanhar ou não essas mudanças foi o que se disse nos anos de 1950/60, de 1970/80, de 1980/90... nenhuma delas funcionou efectivamente, por isso é preciso olhar com cuidado para o que é e para o que não é permanente, eterno, confiável na educação matemática.

2. Três falsas dicotomias: "Competências globais versus conteúdos"; "Esquerda progressiva e liberal versus direita reaccionária e conservadora "; e "Educação matemática centrada no aluno versus centrada nos conteúdos". Tomar uma posição por um dos pólos acarreta, em geral, problemas.

3. Aprender matemática é, de facto, uma tarefa árdua, mas trabalhando progressivamente, apoiando a estruturação do pensamento do aluno, é uma tarefa possível.

4. É um erro identificar aquilo de que precisamos na vida adulta com o que é preciso aprender em estádios precoces de escolaridade. 

5. A questão fundamental do ensino é como organizar pensamento dos alunos que temos à frente, quais são os seus conhecimentos, interesses, frustrações, dificuldades e trabalhar a partir daí pois podemos introduzir a matemática já pronta nas suas mentes.

6. Não podemos confundir isto com a ideia construtivista de que as crianças são capazes de criar um universo matemático na sua cabeça, é preciso aproximar a "matemática dos matemáticos" e as "possibilidades das crianças num determinado momento".

7. É preciso olhar para o Pisa com muito cuidado e... não muito seriamente. É sobretudo muito apelativo a políticos e burocratas pela possibilidade de competição que faculta. Apesar de regularmente proporcionar comparações internacionais úteis, há que perceber que avalia a literacia matemática e não o que deve ser a aprendizagem da matemática. O TIMSS proporciona uma informação mais robusta acerca do que dessa aprendizagem.

8. Existe a crença de que os alunos são, neste século, muito diferentes daqueles que antes estavam na escola. Não mudaram assim tanto e, por isso, é precisa muita cautela quando se sugere que se deitem fora os métodos que têm dado boas provas em favor de outros que se diz, sem provas, serem os adequados. Os sistemas (e as escolas) que funcionam melhor são precisamente aqueles que mantêm uma forma de trabalhar para atingirem os objectivos estabelecidos, introduzindo alterações pontuais, compatíveis com essa forma.

9. É preciso reconhecer o papel fundamental do professor e, portanto, criar incentivos para que possam estimular os seus alunos, levando-os a criar e consolidar estruturas mentais, levando-os, progressivamente, do pensamento concreto para o abstracto.

10. Reduzir o currículo é sempre uma tarefa delicada e perigosa. O currículo é uma estrutura orgânica, sendo que qualquer mudança pode criar desequilíbrios, lacunas com efeitos negativos, antes de mais, nos alunos.

3 comentários:

Anónimo disse...

O Ensino é uma técnica, arte, depende mais do professor do que toda a ciência educativa que venham a "inventar". Depois, há demasiada engenharia social e politicamente correcto no meio disto tudo. Este inglês acaba por colocar o dedo na ferida, nada mudou, apenas se pretende dar a impressão de que o "Progresso" continua. Quantas vezes basta aos políticos não fazerem nada, para que as pessoas comecem a fazer alguma coisa de positivo? O mesmo é válido para os Directores de escola.

marina disse...

pela minha experiência pessoal para aprender matemática é condição essencial e praticamente única um bom professor de matemática :) basta isso , a matemática é muito divertida. acontece que os meninos no básico muitas vezes têm professores em matemática que nem gostam de matemática ,e fica logo tudo estragado , porque a aprendizagem da matemática é um continuum , se falha uma etapa , acabou-se. basta apanhar num ano um mau professor para se ter logo problemas.

Helena Damião disse...

Caros Anónimo e Marina
Por isso, precisamos de excelentes professores. E para os obtermos precisamos de uma formação de excelência - científica, pedagógica e didáctica. Os professores garantem a continuidade do ensino e da aprendizagem, sendo menos vulneráveis a mudanças "radicais" que políticos, empresários, ideólogos insistem em apresentar com a última das últimas novidades... todas tão velhas como a escola...
Cordialmente,
MHD

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...