domingo, 24 de julho de 2016
Prefácio de "Sobre a Desigualdade" de Harry Frankfurt (Gradiva)
Nos últimos tempos, a questão em torno do crescimento da desigualdade económica na nossa sociedade tem sido bastante debatida — em parte, devido ao estímulo causado pela publicação da investigação do economista francês Thomas Piketty [1]. O fosso que separa os recursos económicos dos que detêm mais dinheiro daqueles que possuem menos tem vindo a aumentar com rapidez. Este crescimento tem sido visto por muitas pessoas como deplorável.
Na verdade, não resta qualquer dúvida de que os mais ricos gozam de vantagens competitivas significativas, muitas vezes censuráveis, relativamente àqueles com menor riqueza. Como é óbvio, isso é mais flagrante na esfera do consumo. Mais importante ainda é a forma como se evidencia no que diz respeito à influência social e política. Os mais ricos encontram‑se na posição de usufruírem de um maior peso na definição dos nossos códigos sociais e de conduta do que os mais pobres, assim como na determinação da qualidade e trajectória da vida política.
No entanto, apesar de a desigualdade económica ser indesejada, tal não se deve ao facto de ser moralmente questionável. Nesta acepção, não é moralmente questionável. É deveras indesejável no sentido em que é acompanhada de uma tendência quase irresistível de gerar desigualdades inaceitáveis de outros tipos. Estas, que por vezes chegam ao ponto de pôr em causa a integridade do nosso compromisso para com a democracia, devem ser, naturalmente, controladas e evitadas à luz de leis, regulamentos e normas judiciais apropriados, assim como através de vigilância activa.
Creio ser muito importante esclarecer estas questões. Reconhecer a inocência moral inerente à desigualdade económica conduz à ideia de que é errado apoiar o igualitarismo económico enquanto ideal moral autêntico. Além disso, ajuda a reconhecer a razão pela qual deverá ser perigoso ver a igualdade económica, em si mesma, como um objectivo moral importante.
A primeira parte deste livro é dedicada à análise do igualitarismo económico. Conclui que, de um ponto de vista moral, a igualdade económica não é assim tão relevante e os nossos ideais morais e políticos devem estar mais focados em assegurar que as pessoas têm o suficiente. Na segunda parte, irei explorar uma via segundo a qual a igualdade económica poderá ter, de facto, alguma importância moral.
Harry Frankfurt
1 Ver Thomas Piketty, Capital in the Twenty‑First Century (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014) [O Capital no Séc. XXI, Temas e Debates, 2014.]
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