segunda-feira, 4 de julho de 2016

A dissonância nas "educações para..."

"O comportamento abusivo dos jovens perante as bebidas ,
alcoólicas em geral, é um assunto que preocupa a APCV 
[Associação Portuguesa de Produtores de Cerveja], pois
esse consumo irresponsável não só é prejudicial para o
indivíduo como também para a sociedade". 

No nosso sistema educativo, tal como em muitos outros, a ingerência de empresas, associações e outras entidades sociais no currículo tem vindo a ganhar terreno, acontecendo isso, entre nós, sobretudo nas "educações para...", incluídas na "Educação para a cidadania".

As decisões respeitantes à aprendizagem dos alunos, em vez de serem tomadas pelo Ministério da Educação, são tomadas por quem não tem mandato para tanto; o Ministério da Educação acolhe-as e legitima-as.

Ora, acontece que estamos num campo que exige a maior isenção, sob pena de a "educação" resvalar, deliberadamente ou não, para o doutrinamento e para a manipulação.

Um dos casos mais curiosos é o "patrocínio" de certas "educações para..." por entidades que, dada a sua natureza, têm interesses contrários aos que se propõem "combater". Exemplifico, na educação para a saúde, na promoção de uma "alimentação saudável", encontramos envolvidas marcas de bolachas e chocolates, de fast food ou de refrigerantes.

Detenho-me num outro exemplo desta "educação para...": a "prevenção do consumo nocivo de bebidas alcoólicas por parte dos jovens", que tem a generosa contribuição da... Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja!

Eu já conhecia esta contribuição, materializada num projecto (há sempre um projecto) com abrangência nacional, mas a leitura do artigo "Falar claro sobre consumo de bebidas alcoólicas", de Sara Oliveira, permitiu-me actualizar a informação.

Então, fiquei a saber que:
- se pretende incluir 900 mil alunos nesse projecto;
- foi assinado um protocolo de cooperação entre a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), a Associação Nacional de Professores (ANP) e o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ);
- foi lançado um manual - Falar Claro: Conversas sobre o Álcool entre Pais e Filhos - da autoria de um pedopsiquiatra cujos conteúdos "foram validados e certificados pela Direção-Geral de Educação e Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, no âmbito do Fórum Nacional de Álcool e Saúde";
- a Associação Nacional de Professores tem "uma ação de formação destinada a professores do 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico e do Secundário com o objetivo de fornecer aos docentes informações e ferramentas para a integração do projeto nas suas atividades curriculares", que "está em curso e já foi concretizada em quatro agrupamentos de escolas, no Norte e Sul do país".
Quero acreditar que as pessoas envolvidas neste mega-projecto tenham as melhores intenções quanto à educação dos jovens, mas, sinceramente, tenho dificuldade em perceber que lhes escape a dissonância óbvia em que o próprio projecto assenta.

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