Meu artigo no volume sobre a Liberdade, que documenta o Encontro sob o mesmo título organizado em Lisboa em 2014 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos:
A ciência,
por se basear na existência de uma comunidade, precisa de liberdade como de pão
para a boca. Sem a possibilidade de livre expressão do pensamento e de livre
circulação de ideias, que, por sua vez, exige livre circulação de pessoas e
bens, a ciência não pode florescer. Esta condição começou logo a despontar na
época da Revolução Científica, quando o italiano Galileu Galilei foi réu no
Tribunal do Santo Ofício por afirmar, contra a autoridade da palavra bíblica,
que é a Terra a mover-se e não o Sol. Verdadeira ou não, a expressão “e pur si muove!” significa simplesmente
que as concepções científicas não podem ser reprimidas. De uma forma ou de
outra acabam por se impor.
No século
das Luzes assistiu-se ao triunfo da razão. A fonte de onde brotava a ciência deveria também inspirar a organização
da sociedade humana. Por isso, talvez não tenha um acaso que os pais da grande nação americana tivessem uma
forte relação com a ciência. O norte-americano Thomas Jefferson, que no dia da
independência do seu país não deixou de fazer as suas regulares observações
meteorológicas, revelou: “A ciência é a minha paixão, a política o meu dever”. O escritor, também norte-americano, Timothy
Ferris, no seu livro Ciência e Liberdade.
Democracia, Razão e Leis da Natureza (edição portuguesa de 2013 como n.º
200 da colecção Ciência Aberta da Gradiva), enfatiza as relações entre a democracia
e a ciência. Segundo ele, a ciência só pode desenvolver-se em regimes
democráticos porque:
1) A ciência
é “inerentemente antiautoritária” tal
como a democracia (ao contrário do que por vezes se julga, em ciência não existem
autoridades, mas sim especialistas, pois apenas à realidade se reconhece
autoridade para escolher entre hipóteses rivais).
2) A ciência
e a democracia auto-corrigem-se (segundo o filósofo austríaco Karl Popper,
também a democracia contém em si a possibilidade de emendar erros, sendo estes obviamente
diferentes dos erros científicos).
3) A ciência
tem “de se valer de todos recursos
intelectuais à sua disposição”, o que
significa que beneficia do facto de que em democracia, todos, pelo menos em
princípio, têm acesso aos benefícios da educação.
4) A ciência
é poderosa (já Francis Bacon, um filósofo contemporâneo de Galileu, dizia que “knowledge is power”) e a democracia
permite que esse poder seja partilhado pelo maior número possível de cidadãos.
5) Por
último, a ciência é uma actividade social, isto é, não depende de um só
indivíduo ou de poucos indivíduos, sendo o diálogo entre os membros da
comunidade científica apenas possível se não forem erguidas barreiras entre
eles. Por outro lado, também não podem ser erguidas barreiras entre ciência e
sociedade, entre os criadores de ciência e os seus beneficiários.
Esta relação
simbiótica entre ciência e liberdade é corroborada, segundo Ferris, pelo facto
de que as primeiras democracias surgiram nos “Estados em que a ciência e a tecnologia
estavam mais avançadas – Inglaterra, Estados Unidos e Países Baixos e (mais
irregularmente) França, Itália e Alemanha”.
A democracia
verificou que a ciência lhe servia e, do mesmo modo, a ciência verificou que a
democracia lhe servia, pelo que as duas se tornaram inseparáveis. Na expressão
daquele autor “de um modo geral, a ciência prosperou em sociedades livres e
deu-se mal com governos despóticos”.
Os exemplos
da ciência alemã nos tempos de Hitler
(que, na medicina, conduziu a hediondas experiências com seres humanos em
campos de concentração) e da ciência de
Lysenko na era de Estaline (que contrariava a biologia mais avançada da
época) devem chegar para validar a tese
da aversão entre a ciência e os regimes totalitários. Ainda hoje, observamos o maior
progresso científico e tecnológico, com consequências extraordinárias no
desenvolvimento económico e social, nos países onde a democracia – e, portanto,
a liberdade – está mais enraizada, enquanto vemos o menor progresso nos países
onde existe défice democrático.
Como estamos
, em Portugal, quanto à relação entre ciência e liberdade?
De facto, a
ciência, pese embora alguns bons exemplos pontuais, só ganhou quantidade e
qualidade no nosso país após a Revolução de 25 de Abril de 1974. De então para
cá, graças à integração de Portugal na União Europeia, a ciência cresceu de um
modo sem precedentes, reforçando disciplinas mais tradicionais, como as ciências
exactas e naturais, e inaugurando disciplinas menos implantadas ou mesmo
inexistentes, como algumas ciências sociais e humanas.
Modernamente,
as ciências sociais e humanas, que por vezes se alimentam dos métodos das
ciências exactas e naturais, são consideradas um meio auxiliar precioso para o
funcionamento da democracia. Elas permitem, por exemplo, procurar respostas a
questões sobre a organização da sociedade, incluindo domínios como a economia,
a justiça, a educação, etc.
Tal como a
democracia, a ciência é uma procura incessante.
3 comentários:
A democracia é frágil e indefesa, porque não a deixam ser. Há sempre mecanismos (democráticos/anti-democráticos) que se apressam a neutralizá-la e, inclusive, a prevalecer-se dela para lograrem fins particulares, mais ou menos corporativos. Mas onde ela é manifestamente incipiente é perante a adversidade e a crise e o conflito. Rende-se completamente ao medo, ao dinheiro, às armas...Uma ameaça de guerra, uma bancarrota, uma guerra, rapidamente metem a democracia e os direitos humanos numa urna dos nazis...
Onde é que está escrito na Bíblia que o sol se move em torno da terra ?...ou foi falta de atenção ou é de uma desonestidade total o texto acima.
Há uma passagem em que, durante uma batalha, os guerreiros pedem ao Sol que pare de girar durante algum tempo, e o Sol "pára" (não a Terra, mas sim explicitamente o Sol). Essa é a passagem mais óbvia, creio eu. Mas talvez seja um problema de tradução... O que lhe parece?
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