Artigo de Guilherme Valente, saído no último Expresso:
A carta de Clara Ferreira Alves - CFA (28/11), com excepção do sonho que eu e, seguramente, o destinatário partilhamos, e da afirmação de que a literatura foi expulsa da escola (foi sendo, nos últimos 40 anos, e Crato começara a fazê-la regressar), parece-me ser, nuns casos, desconhecimento, noutros, «disparos ao lado».
Desconhecimento: os Autores referidos têm todos bons editores. (Falta Miguéis, do admirável Léah.)
Disparos ao lado: Ciência na escola, Clara! Nos anos 80, Cosmos, também bela literatura, era um dos mais lidos no Secundário. Hoje quantos alunos ou professores o conhecem?
A ideologia que dominou à solta nesses anos odeia a ciência, a literatura, a cultura, a.. .liberdade, não é? Para eles, a cultura que estimamos, que importa semear na escola, gera desigualdade. Solução: retira-se da escola! A Igualdade, aspiração e ideal de sempre da esquerda, transformaram-na em igualitarismo cretino. Por isso as desigualdades aumentaram em todos estes anos.
No alvor da Libertação, M. Bloch (lembrou-mo Finkielkraut) escrevia: "A esquerda para mim é antes de mais a promessa de abrir ao maior número o tesouro das humanidades e a herança da nobreza do mundo".
Mas a esquerda que há ou se vê - note-se o modo decepcionante como António Costa navega na educação a irresponsabilidade do BE - tem lá alguma ideia dessa herança, História, cultura...leituras, visão ética e estética, que permitiria intervir neste mundo novo para realizar os grandes ideais, individuais e colectivos, alicerces da sociedade, que distinguem um viver humano? Como podem saber o que transmitir às crianças? A escola em que nos pudemos formar, vivendo e lendo, em que João Soares se formou, não é, Clara, a dessa gente.
O problema seminal é que foram matando a leitura. Não é por falta de edições das obras que os grandes autores não são lidos. Não são lidos porque... não há leitores. Nem já na universidade se lê...
A tiragem de O Século no tempo de Raul Brandão chegava aos 100 000 exemplares! Nos anos 40, O Mosquito chegou a esgotar 80 000 exemplares!
Apesar de ser muito menor o número de crianças na escola, as que tinham essa oportunidade aprendiam a ler na sua maioria.
Quando estive no CNE (custa-me chamar-lhe "da Educação") uma inspectora do ME confirmou que 30% das crianças saíam do primeiro ciclo do Básico sem saberem ler! Número, afirmou, que o ME tentava ocultar. Crianças condenadas a quê?
Bastou, nos últimos dois anos, um exame no termo desse ciclo, mesmo contando pouco para a média, para que a situação se invertesse, para que as reprovações em exames seguintes diminuíssem. O segredo para se ser bom aluno é…ler.
Infelizmente, como sabemos porque vivemos isso, a maioria dos alunos só estuda quando há exames. E muitos professores só ensinam quando têm essa pressão. São factos, mas essa gente quer lá saber dos factos...
Vale a pena continuar a gritar?
Que futuro terá um país em que os pais não combatam pela exigência na educação dos filhos?
Com a amizade que sabes,
Guilherme
PS - O que peço a João Soares, que, com a satisfação que ele sabe, vejo, enfim, num Governo, é mesmo que olhe pelo património. Quando me levam a visitar na Europa tanto monumento insignificante, penso na riqueza do nosso património. Se puder, olhe também para a enormidade (estranha...) deste Acordo Ortográfico, E para a Lei do Preço Fixo do Livro, que não salvou as pequenas livrarias, que já morreram ou estão a acabar todas, e está a conduzir a "monopólios" no sector.
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1 comentário:
Prezado Doutor Guilherme Valente: Pelo interesse que despertou em mim este seu elucidativo texto, estou a elaborar, sob a forma de post, intitulado "Carta Aberta a Guilherme Valente", um comentário em que abordo alguns pontos por si abordados com a lucidez e a coragem de sempre. Cumprimentos cordiais. Rui Baptista
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