“Experiência é o nome que damos aos erros que cometemos" - Oscar Wilde.
A última resposta de
um leitor anónimo ao meu post aqui publicado, “O
Futebolês” (13/09/2014), nada
acrescenta a não ser a novidade de um
hábito seu: “Lamento o hiato da resposta
mas só comento em blogs ao fim de semana” (bem eu sei que o hiato de uma
semana tem a vantagem de o comentário passar sem ser lido e, ipso facto, não sujeito a refutação).
Apesar de tudo, dei-me
ao trabalho de verificar, com o preciosismo que utiliza na sua prosa, as datas
dos seus comentários e “eureka!”: encontrei um no dia14 de Setembro, uma
segunda-feira. Acha que este seu lapso, me dá o direito de lhe chamar mentiroso?
Eu não, apenas de descuidado em consultar um simples calendário.
Dessa benevolência
não gozei eu da sua parte, em insistência neste seu novo comentário,
referindo-se, à laia de introito de crime de lesa majestade para com a simples
numeração, ao meu engano na citação de 3 mil milhões de euros (em vez de 3
milhões de euros) no caso da cláusula de despedimento de Paulo Bento. E sem a
benevolência que usa para com de Jorge Jesus por si havido com “profundamente
irónico”, a exemplo de um André Brun
.
Depois repete o fado
do coitadinho de quem tem desculpa por não ter “inclinação ou condições de
estudo”, temperada pelo comentáriozinho político, nada anódino, de “eu
estar sempre disponível para vincar as diferenças de classe”. Achará, porventura,
que as calinada, num mundo dominado pelo ter inferiorizam Jorge Jesus, que
ganha balúrdios de euros, perante os diplomados académicos ou títulares de nobreza? E
depois sou eu o elitista, como diria Eça:
“A mim nada me é permitido. Ora sebo!”
O leitor que se
debruce sobre o seu duplo comentário escalpelizará as suas repetições
argumentativas se para tanto tiver paciência de Job. A mim apenas me resta
pedir ao leitor desculpa pelo incumprimento da minha palavra quando escrevi em comentário
anterior:” Como escreveu Eça (cito de
memória), se continuar com os seus argumentos filosóficos ou explicativos do
que se passa na cabeça de Jorge Jesus, “não é um vencido que se retira, é um
enfastiado que se afasta”… a menos que o seu comentário traga algo de novo e
substantivo que me leve a mudar de opinião!”
E mudo de opinião
para não privar o leitor da “profunda ironia” ( em adjectivação sua) que
preside às intervenções públicas de Jorge Jesus, embora pedindo-lhe desculpa
por ser obrigado a fundamentar a minha opinião de que ele não é profundamente irónico,
apenas senhor de um ego incomensurável que raia, ou mesmo ultrapassa, a basófia
do novo-rico.
Imputando a si a
responsabilidade de voltar ao assunto, sou
obrigado a reportar-me, à laia de aperitivo, ao colóquio de Jorge Jesus, intitulado “Teoria e
Prática no Futebol”, realizado no Salão
Nobre da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa,
destinado a futuros treinadores de futebol com formação
académica universitária,. E, ipso facto,
obrigo-me, ainda, de referenciar a encomiástica apresentação de Jorge Jesus feita, na altura, pelo professor Manuel Sérgio de quem partiu, aliás, o convite que lhe foi endereçado
.
De Jorge Jesus, disse Manuel Sérgio, ser ele “um homem de estudo; sabe hoje que é
especialista numa ciência humana”. E não se quedando por aqui, de valor bem
mais alto se fez ele voz: “Assistir a um
treino de Jorge Jesus é, sem exagero [repare o leitor, no reforço “sem
exagero”] assistir a uma aula universitária”. Malgré
tout, como que
para justificar as sempre esperadas
calinadas gramaticais de Jorge Jesus utilizou Manuel Sérgio o seguinte argumento: “Admitamos
que vinha aqui um grande cientista norte-americano a procurar falar português.
Dizia asneiras atrás de asneiras e no entanto era um sábio!” Analogia forçadíssima: Jesus não falou numa
língua estrangeira , mas em português/futebolês. Desta forma, compará-lo a um
cientista norte-americano tornou pior a emenda que o soneto!
Alado com asas
mitológicas de Ícaro pelas referências elogiosas
feitas à sua pessoa, Jorge Jesus, pairou sobre a sua experiência como treinador com
respaldo num pensamento seu:
“Quanto mais experiente agente estamos, mais conhecimentos temos, melhor também
estamos”. E vai daí, aproveitou uma ocasião soberana para perorar, do alto
do seu indesmentível e enorme ego: “Eu
criei uma ciência para ter uma ideia, um modelo
de jogador, um modelo de treino” (“Jornal de Notícias”,
11/03/2013).
Tanta sapiência, “,
veio a ser notícia de jornal fazendo-o
cair das alturas a que o tinham elevado com asas de cera e penas: “O treinador do Benfica considera-se o
melhor do mundo e não acredita que
alguém saiba mais de futebol do que ele. Nem Mourinho o supera”(“Jornal I”,
27/08/2014).
Estabeleço agora a diferença entre a basófia de Jorge Jesus e a humildade grata de José Mourinho. que, quando do seu doutoramento “honoris causa”, pela Universidade Técnica de Lisboa, declarou:
“Seria sempre treinador de futebol,
mas sem a faculdade seria assim-assim e
nunca muito bom” (“Record”, 24/03/2009).
Já anos atrás, José
Mourinho, em entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, em resposta à
pergunta ”de que outras coisas tem de saber?”,
respondeu: “De tudo. Há áreas científicas
que nos podem ajudar no nosso trabalho, nomeadamente psicologia, pedagogia,
fisiologia. Posso falar com o meu departamento médico sobre lesões, músculos,
biomecânica, teoria do treino. São temas que domino. Dominar as competências
psicológicas é fundamental. Pode fazer a diferença” (“Selecções do
Reader’s Digest”, Junho 2003).
São estes dois homens, Mourinho, um teórico com formação académica, e Jorge
Jesus, um prático com pretensões a cientista (em palavras de Ortega y Gasset: “Podemos pretender ser quanto queiramos, mas não é lícito fingir que
somos o que não somos”), que estiveram, por estes dias nas páginas dos
jornais em que Jorge Jesus , sobre a
alegada cobiça de que Talisca foi alvo por parte de clubes ingleses, evoca
a famosa personagem de Alexandre Dumas: “Conheciam tanto o Talisca como eu o D’Artagnan!”
Ironia, ou simples gracejo, que lhe mereceu a estocada
mortal de José Mourinho de ele “andar aos
pontapés e a agredir a pobre gramática” ( “MOURINHO ARRASA JESUS”, “Record”, 1.ª página, em
letras garrafais, 19/09/2014)
Ou seja, “quem com ferros mata com
ferros morre!”
Isso mesmo teve a clarividência de reconhecer Jorge Jesus , quando, em
entrevista exclusiva à TVI, com ar
seráfico de menino de coro e em exaltação nacionalista apela à concórdia entre
ambos : “Não vamos arranjar polémicas,
não as quero até para bem do futebol
português. Ele está em Inglaterra e eu
estou em Portugal”. Ou seja, cada galo no seu poleiro e nada de bicadas!
10 comentários:
Foi aquando da minha primeira licenciatura, que tinha uma forte componente nas Geociências, que aprendi a valorizar o conhecimento técnico que advém da experiência e que, pelo menos nesta área, é absolutamente essencial e inclusive complementar ao conhecimento académico. Penso que o Prof. Galopim de Carvalho poderá confirmar isto mesmo.
Na maior parte dos casos, os meus professores e assistentes entre os vinte-e-muitos e quarenta e poucos não eram tão lestos e proficientes como os técnicos não licenciados na identificação de rochas e minerais, na obtenção e preparação das amostras destes, na preparação de lâminas petrográficas (uma arte em si mesma), a encontrar, classificar e preparar fósseis, etc. Estamos a falar de profissionais com décadas de casa, que já detinham uma vasta experiência quando a maioria dos jovens professores de então ingressaram na faculdade. Claro está, havia professores catedráticos e jubilados (como os Profs. Coelho Pires, Portugal Ferreira ou Vilela de Matos) que aliavam os dois saberes (o saber académico e o saber prático, de campo), fruto da sua experiência acumulada ao longo de décadas.
Isto tudo para dizer que, não sendo Jesus um académico, não tendo ele conhecimento teórico de futebol, tem no entanto a experiência acumulada de anos como futebolista e técnico que é de valorizar, quanto mais não seja pelos resultados que tem obtido, e que não se limitam à conquista de títulos. Como dizia o meu pai, "o diabo não é esperto por ser o diabo, mas por ser velho".
E entendo que lhe dê um enorme gozo ter tido a carreira e sucesso que teve e continua a ter, sem que no entanto tivesse tido a formação académica de vários dos seus congéneres. Erra, contudo, quem considerar que este conhecimento substitui de alguma forma o conhecimento académico. Se assim fosse Jesus não precisaria dos profissionais qualificados da sua equipe técnica.
Nem um nem o outro dos dois "saberes" basta, por si. Senão, todos os licenciados em educação física com especialização em futebol seriam "Mourinhos", o que não é o caso. Mas Mourinho, por aliar (e sobretudo, por valorizar) ambos os saberes, está evidentemente num plano superior. A Jesus e a quase todos os demais.
Mas não alinho no coro de críticos de Jesus pela sua falta de formação académica. Thomas Edison, por exemplo, não era licenciado (mas tinha vários trabalhando para si, como Jesus tem) e foi o inventor mais prolífico do seu tempo. E é mais ou menos o que Edison fazia que Jesus hoje faz. Inventar muito. Falhar. Falhar cada vez melhor. Até, eventualmente, acertar.
Um dia acerta o discurso, também, na forma e no conteúdo. Porque, "quanto mais experiente a gente estejamos, mais conhecimento tamos, melhor também estamos". :)
Professor Rui Baptista;
Se JM diz que o Talisca já era conhecido e só não estava em Inglaterra porque lhe faltava uma “licença de trabalho”! É caso para perguntar, mas então o que é que andam os Ingleses a fazer no Brasil se depois não podem contratar um jogador jovem?! Deviam poder não é assim? e porque não podem?!
Mas, depois de JJ se ter pronunciado da forma que o fez, a JM cabia-lhe unicamente ter feito esta coisa muito simples: apresentava um ou outro relatório que tivesse sobre o jogador Talisca, do Chelsea ou de outro clube inglês, pois que os conhece, não é! (ou os “olheiros” Ingleses não apresentam relatórios do seu trabalho!!). E, Ipso facto, desmascarava JJ.
Mas o que fez JM [não sem antes se ter auto proclamado homem culto] ?!
Fez precisamente o que NÃO é PERMITIDO ao homem culto, e ofendeu no intimo um ser humano, ofendeu JJ.
É também caso para perguntar, mas então porque veio JM reclamar ser portador de uma certa cultura?!! Quis apenas demonstrar que JJ não tem o nível de cultura dele!! claramente que foi isso.
Professor Rui Baptista, creio que, neste triste espectáculo, quem perdeu foi, de longe, JM. Eu quando vejo discursos como o de JM lembro-me sempre daquele ensinamento que retirei do Professor Abel Salazar “(...) se a cultura lhe não servir para se fazer mais refletido, mais tolerante, mais compreensivo e mais humano, para nada lhe servirá então a cultura:" É assim com JM.
Cumprimentos cordiais,
Prezado Nuno Franco: nunca pus (ou melhor, nunca ousaria pôr em causa o papel da experiência, não aquela experiência de que nos fala Oscar Wilde, citado no meu post: “Experiência, eis o nome que damos aos erros que cometemos”.
Mas o grande perigo está quando a prática se quer fazer passar por ciência.
Ninguém ousará pôr em dúvida que uma injecção dada milhares de vezes por um prático dessa “arte” é bem mais dada do que uma injecção ministrada por um médico que conhece todas as implicações científicas dessa prática, mas apenas a exerce de quando em vez. Quer isto dizer que a prática tem o seu lugar não se devendo sobrepor à teoria e vice-versa. Ambas são faces de uma mesma moeda teórico-prática ao serviço do conhecimento.
De igual modo, defendo o autodidactismo como uma forma de aprendizagem de grande valor ( é o caso do grande historiador Alexandre Herculano sem estudos académicos superiores e do escritor Ferreira de Castro, de possse da antiga 4.ª classe do ensino primário), mas abomino o autodidactismo proclamado sem corresponder à verdade dando razão a quem escreveu que, muitas vezes, o que se proclama a si próprio como tal não passa de um “ignorância por conta própria”(Mário Quintana).
Ao comparar-se o experimentalismo de Edison à experiência de Jorge Jesus (JJ), esquecemo-nos que Edison viveu da experimentação na procura de uma descoberta científica e o futebol, por lidar com pessoas , como jogo que é tem resultados imprevisíveis. Daí a expressão de que a bola é redonda.
Por outro lado, não pode ser esquecido que JJ tem ao seu dispor jogadores de valor excepcional. Como me dizia um amigo meu, com um certa ironia, prenha de dor de cotovelo, adepto ferrenho de outro clube, quase se pode dizer que com virtuosos da bola, como os jogadores da actual equipa do Benfica, ao seu treinador quase lhe é permitido a táctica: “Todos a monte e fé em Deus”!.
E aqui, nesta fé, reside o processo aleatório que preside a qualquer forma de jogo que leva o jogador dos jogos de azar a acreditar que determinada parada, seja ela qual for, lhe trará, finalmente, a fortuna desejada.
Desculpe a forma “desarrumada”, como este comentário me saiu: como diria Eça, “ao correr da pena”! A forma como foi elaborado o seu comentário merecia melhor sorte. Vê como a sorte está presente em tudo?
Aquela sorte que quando um treinador deixa de obter resultados famosos se diz que a sua estrela está a empalidecer. Aliás, atribuem, uns, a Mestre Cândido de Oliveira, outros, a Otto Glória, que conduziu a seleção portuguesa ao 3.º lugar no Campeonato Mundial de Futebol/66: “Quando a equipa ganha o treinador é bestial, quando perde é uma besta”!
Mas no caso de JJ não se pode ou deve assacar-lhe a culpa total dos seus auto-elogios. Ele mais não faz do que tentar corresponder à imagem que lhe criaram como, por exemplo, na respectiva apresentação no Coloquio da Faculdade de Motricidade Humana. Mesmo o título do colóquio “Teoria e Prática no Futebol” me parece demasiado pomposo por se tratar de um prático que repete, amiudadamente, a paráfrase de uma máxima de um médico-cientista e homem da cultura, de seu nome Abel Salazar: “O médico que só sabe de medicina nem de medicina sabe!”
Pertence a Manuel Sérgio a referida paráfrase: “Quem só sabe de futebol nem de futebol sabe!”. JJ repete, a propósito e a despropósito, esta paráfrase sem se dar conta que ela em nada o ajuda. Mesmo partindo do princípio que ele sabe muito de futebol , que outras sabedorias poderá apresentar ?
Concedo que esta possa ser uma pergunta incómoda sobre uma pessoa que se gaba numa instituição universitária (FMH): “Eu criei uma ciência, para ter uma ideia, um modelo de jogador, um modelo de treino”(sic.). E já que estamos com a mão na massa (cinzenta), uma pergunta impertinente: pode a sociedade científica tolerar “cientistas” deste jaez? Encontro bordão para a minha pergunta em Bronowski: “Esta é a essência da ciência: faça uma pergunta impertinente e você estará no caminho para uma resposta pertinente!”
Prezado Engenheiro Ildefonso Dias: Brevemente responderei ao seu comentário. Cumprimentos cordiais.
Ao leitor que possa estar interessado:Foi publicado, minutos atrás, a minha resposta ao comentário anónimo com o título: "Onde se fala de ironia, de mentiras e de um criado de café".
Errata: Onde escrevi (meu comentário anterior) criado de café, corrijo para empregado de café. Recordação da minha saudosa juventude em que esse era o tratamento usado para esta profissão.
Prezado Nuno Franco: Obrigo-me à seguinte correção no meu comentário anterior. Onde escrevi Alexandre Herculano (2.ª linha do 3.º §), corrijo para Oliveira Martins.
Prezado Rui Baptista,
penso que concordámos, no essencial, inclusive no ponto de que Jesus é um pavão. Mourinho também, diga-se. Mas no caso de Jesus tal é mais desculpável exactamente por não ter tido a formação e educação que lhe permitisse ser de outra forma.
Mas mais erra quem convida um não-académico como orador. O Mourinho devia estar ocupado, na altura. :)
Cumprimentos e obrigado pela sua resposta.
Prezado Nuno Franco: Como escreve, "mais erra quem convida um não- académico como orador". Ainda se compreendia se o convite fosse feito para Jorge Jesus falar num grupo recreativo ou desportivo de bairro. Querer promover Jorge Jesus desta maneira foi mau para ele próprio e desprestigiante para os muros universitários. Enfim...
Cumprimentos cordiais,
Engenheiro Ildefonso Dias: Acabo de publicar um novo post,"O colóquio de Jorge Jesus na Faculdade de Motricidade Humana", tendo como leitmotiv o seu comentário.
Cumprimentos cordiais.
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