O estado de muitos sistemas educativos públicos europeus - fico-me pela Europa - é nada menos do que calamitoso:
- currículos mais pobres a cada reforma, capturados pela suprema ideologia neoliberal a que se agregam variadíssimas outras;
- avaliação descentrada da sua essência e tornada mecanismo privilegiado de controlo de tudo e de todos;
- desintelectualização dos professores, que se veem - e muitos nem isso - executores de orientações, recomendações, sugestões, vontades... alheias aos desígnios do ensino;
- escolas geridas a partir de modelos que negligenciam o dever de educar e que, além disso ou por isso, se veem alinhadas pela política partidária do momento;
- formação de professores - inicial e contínua - inconsistente, dispersa, desinvestida que nada garante em termos de competência científica, pedagógica, ética ou outra que se impute à profissão;
- políticos que há muito abdicaram de tomar as decisões que lhes cabem, em prol do bem-comum, cumprindo agendas de grandes organizações, corporações, fundações, empresas...;
- linguagem pseudo-educativa mas que, elaborada a partir de finos princípios de marketing, confunde e convence.
- e poderia continuar...
Assim sendo, mesmo que políticos, directores escolares, formadores de professores, professores e outros educadores de um determinado país recuperassem as legítimas finalidades da educação escolar, estivessem de acordo em relação a elas e se articulassem para as alcançar teriam de colocar uma questão prévia: por onde começar? Pelo currículo? Pela formação de professores? Pelo chamamento dos professores à profissão? Pela gestão das escolas? Por onde?
Não sei e penso que ninguém saberá responder, tal é o (mau) estado da educação escolar pública. Logo, justifica-se um tom de modéstia em qualquer proposta que seja feita, sobretudo se ela derivar da tutela, pelo facto de esta entidade estar - espera-se - consciente do todo.
Infelizmente, não é isto que acontece, cada equipa ministerial trata de, à partida, prometer o que já antes foi prometido e voltado a prometer: educação de qualidade e sucesso no percurso académico. Pensando, claro, sobretudo nos mais desfavorecidos sob o ponto de vista socioeconómico,
A actual equipa não é excepção: o Ministro da Educação apresentou há poucos dias um conjunto de medidas, centradas na superação da falta de professores, que não vai além de promessas; o mesmo acontecendo por parte dos parceiros que têm vindo a público pronunciarem-se.
Nenhuma dúvida substancial sobre a competência profissional de quem, pelas vias previstas nessas medidas, entra numa sala de aula. Longe está a ideia de que só deveria entrar nesse contexto quem, com saber efectivo - inscrito em diversos domínios - e apurado sentido de autonomia, pudesse assumir a responsabilidade pela instrução e formação de crianças e jovens, ou seja, pela sua educação escolar.
Como se percebe, em termos políticos e sociais convém tornar a ideia o mais longínqua possível. É que, caso fosse acolhida, revelaria o estado inequivocamente calamitoso do sistema de ensino público. O sistema, noto, que é para todos: "favorecidos" e "desfavorecidos".
3 comentários:
A decadência da educação não é uma calamidade do dia de hoje.
Há mais de trinta anos, era secretária de estado da educação a Doutora Ana Benavente que, no gozo dos seus altos critérios educacionais, decretou que não havia qualquer razão para que houvesse um padrão de duração de aulas de 50 minutos no ensino secundário. Cada escola é que estabelecia o tempo de duração das aulas: os conservadores manteriam as aulas de 50 minutos, os reformadores podiam estabelecer aulas de 45 minutos e os revolucionários foram muito elogiados quando avançaram para as aulas de 90 minutos. Passados vinte anos, começaram a aparecer uns teóricos que diziam que jovens de 15, 16, 17, 18 anos tinham muita dificuldade em estarem atentos e concentrados durante mais de uma hora de aula. Também ninguém se tinha lembrado de que reduzir o número de intervalos entre aulas, sendo que os poucos intervalos eram de 5 minutos, não se coadunavam, para além de questões de convívio social, com as necessidades fisiológicas de professores e alunos.
Depois, veio o Engenheiro Sócrates que nos brindou com essa grande especialista em finanças, a Senhora Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues. Com esta ministra, os privilégios de classe burguesa, de que gozavam os professores do ensino secundário, acabaram. Basta referir que no seu horário de 22 horas letivas que, evidentemente, incluía os tempos de intervalo entre aulas, os intervalos deixaram de ser tempo de trabalho letivo ou não letivo. Doravante, os professores do ensino secundário estão abaixo dos enfermeiros, ou dos operários fabris, a quem não descontam o tempo de ida à casa de banho. As 22 horas letivas passaram a ser contadas ao minuto, com toques estridentes de campainha à entrada e à saída da sala de aula.
Não é por acaso que o atual ministro da educação vem da área da economia.
Efetivamente, a recuperação do tempo de serviço é bem-vinda, mas sem extirparmos o cancro, que é o Projeto MAIA, que se vem espalhando insidiosamente pelos nossos jardins de infância e escolas básicas e secundárias, os professores e educadores de infância não serão mais do que bonifrates de feira, sem liberdade de pensamento.
O sucesso escolar, baseado na ignorância e na indisciplina, é falso.
O texto começa mal, diabolizando a ideologia "neoliberal" dos currícuolos, quando teria de acusar do mesmo os currículos muito semelhantes dos países com sucesso, desde os nórdicos aos asiáticos, muitos deles ainda mais liberais.
Depois, enquanto critica a linguagem 'pseud-educativa' de marketing oficial e a incompetência demuitos agentes, comete erros crassos na sua língua mãe como "desintlectualização"; perdoável porque pelo menos não adoptou o torpuguês do A. O..
Radicalismo quando critica o fundo de uma política na análise a um texto de emergência, circunstancial, que apenas pretende remediar carências gritantes. Deveria limitar-se a criticar esses 'remédios'.
Mas o mais grave, para mim, continua a ser a obsessão quase maníaca pela selecção dos professores. Afirmar que "só deveria entrar nesse contexto quem, com saber efectivo - inscrito em diversos domínios - e apurado sentido de autonomia" é elitizar o ensino a um ponto extremo e inconcebível. Não existe em país nenhum. Faz falta melhor formação de professores, em que a componente socio-didática deixe de ser beneficiada com altas notas que cobrem a mediocridade nas disciplinas específicas, e deixe de ser uma palhaçada em que basta o candidato redigir trabalho ou resposta em teste "a gosto" do formador, mesmo que conscientemente discordando, para ter alta classificação. Um embuste. Toda a gente sabe que a maioria dos prfessores saem com péssima formação em português, cièncias exactas e sociais porque caíram nas graças da ideologia socio-paranóica que reina nos institutos e universidades. Faz falta, sim, uma avaliação contínua dos professores ao longo da carreira, talvez de 4 em 4 anos. Mas não é da sua afabilidade nem do seu apurado sentido de "autonomia", um disparate monumental.
Excelente diagnóstico. Simples e rigoroso. Quem faz da escola a sua nobre profissão sabe muito bem disso, texto simples e rigoroso, repito.
Bem sabemos da crítica do "elitismo". Era só o que faltava transformar o filho do operário noutra coisa que não fosse tornar-se operário.
A técnica de marketing começa logo no nome dos programas "+ aulas + sucesso", a lembrar as coloridas embalagens dos produtos que encontramos nas prateleiras dos supermercados.
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