Por Eugénio Lisboa
Quando eu era rapaz, o futebol era sobretudo para se jogar. Íamos ver jogar e isso abria-nos o apetite de jogar também. Jogávamos mal, mas íamos aprendendo a jogar melhor. Como disse, tratava-se, acima de tudo, de jogar.
Porém, o mundo é feito de mudança, como avisara o nosso grande bardo renascentista. Hoje, muito mais do que jogar futebol – e joga-se muito! – fala-se futebol. Por cada hora e meia de jogo, temos, garantidamente, alongadas dezenas de horas de falatório sobre o dito jogo, em todos os canais. Escalpeliza-se cada golo, cada não golo, cada falta cometida ou não cometida, o comportamento do treinador, do árbitro, a bola na trave, um canto desperdiçado, etc., como se não tivéssemos visto isso tudo, no desenrolar do jogo.
Sobretudo, começo a suspeitar que nem é bem de jogar que se gosta de falar: perora-se gulosamente de “mercados”, de compras, de vendas, de transferências, de cotações, de coisas que parecem ter pouco que ver com jogar. Atingem-se mesmo altitudes proustianas, como foi o caso de se gastar quatro horas de falatório para se escrutinar, em profundidade, o significado metafísico do abraço de Sérgio Conceição a Pinto da Costa. Nem a célebre passagem relativa à “madeleine”, do romance de Proust, mereceu tanta glosa minuciosa.
A literatura já deu o que tinha a dar. Agora é a vez do futebol, que exige os seus Sainte-Beuves, equipados até aos dentes, para roerem até ao osso cada precioso minuto do jogo a analisar. É a altura de se congeminar uma boa “teoria do futebol” que torne a leitura deste desporto unicamente acessível aos iniciados na nova CIÊNCIA. Que de mestrados e doutoramentos a haver!
Dentro de pouco tempo, só poderá ser comentador de futebol quem tenha preparação científica, ao nível de mestrado ou doutoramento. Será o fim dos amadores e dos impressionistas. Acontecerá aqui o que já tinha acontecido na literatura: a história repete-se.
Eugénio Lisboa
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