Eis abaixo os destaques de dois podcasts da SIC inscritos na rubrica "A próxima vaga", com a qual se pretende indagar "como a tecnologia está a moldar o século XXI?". Inclui "debates sobre o impacto atual e futuro da Inteligência Artificial (IA) em diversas áreas da nossa vida em sociedade" e, portanto, a educação não poderia ser excepção (ver aqui e aqui).
Num dos debates sobre os "grandes desafios da Educação na era da IA", participou uma professora catedrática de IA e a presidente da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial. No outro participou um professor catedrático de engenharia electrotécnica e de computadores e um médico cardiologista.
Sobressai no primeiro debate a ideia de que a IA "vai ter um impacto significativo no ensino do futuro", sobretudo na "personalização da aprendizagem",
que passará a ser adequada ao ritmo, necessidade e capacidades de cada aluno. Temos aqui a antiquíssima retórica beneficente, bem assenta em qualquer declaração...
Mais nova - apesar de surgida antes da explosão da IA - e preocupante é a recolha de dados dos alunos em suportes informáticos com vista, alega-se, a conseguir-se essa personalização (leia-se "eficácia pedagógica" desligada de sentido formativo): "modelos de linguagem de larga escala podem analisar os dados dos alunos e adaptar o conteúdo e as estratégias de ensino...", disse uma das convidadas.
Combina-se aqui o "dataísmo" (Byung-Chul Han) com o "solucionismo tecnológico" (Evgeny Morozov), ambos normalizados nos discursos sobre educação. Isto é bem evidente na segunda frase destacada
Deixam-se, como é habitual nesses discursos, duas notas complementares sobre a necessidade de:
- "garantir que a implementação desta tecnologia no ensino
seja feita de forma ética e responsável";
- "manter uma presença humana" (os professores?) "nos processos de educação (...) para garantir a interação e o desenvolvimento do espírito
crítico dos alunos".
A ética e o humano são, percebe-se, secundários e funcionais: incluem-se na equação educativa para que a tecnologia, essa sim fundamental à aprendizagem, seja usada dentro dos limites do aceitável e seja feito o que a máquina ainda não pode fazer.
Este não é um discurso educativo. E é lamentável que tente passar por tal. Não é menos lamentável que quem se pronuncia publicamente sobre a educação escolar não tenha o cuidado de procurar compreender o que significa educar e a responsabilidade que o acto de educar envolve.
Referências:
Han B-C (2022). Infocracia: A digitalização e a crise da democracia. Relógio D`Água.
Morozov, E.
(2015). La locura del solucionismo tecnológico. Katz-Clave Editorial.
Nota: Não, não sou contra as tecnologias, portanto, não sou contra as tecnologias digitais; apenas entendo que o uso de qualquer tecnologia não é um fim em si mesmo, é um meio que permite concretizar fins edificantes.
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