Artigo que recebemos de A.M. Amorim da Costa
(Dep. Química- Universidade de Coimbra
3004-535 - Coimbra – acosta@ci.uc.pt)
1. Introdução
É
para todos clara evidência a afirmação de Duarte Nunes de Leão na sua Origem e Orthografia da Língua Portuguesa:
“As lingoas cada dia se renovão com novos vocábulos per que se deixão ou
emendão os antigos (…) Destas inovações huas são voluntárias, que homens doutos
ou bem entendidos fazem, pêra policia & pureza dos vocábulos que achão
rudes. Outras são necessárias por invenção das cousas, a que he necessário
dar-lhe seus vocábulos”. Exemplificando, o mesmo Duarte Nunes de Leão,
refere-se à situação concreta dos novos vocábulos decorrentes do avanço dos
conhecimentos científicos: a grande enchente de vocábulos de novas doenças que
se foram descobrindo (“soo de doenças de olhos dizem que há perto de um
cento”!...), todos os nomes que os Latinos tomaram dos Gregos referentes a
“hervas e plantas, & medicinas simples e compostas, de que verão os livros
dos médicos, & authores herbolarios cheos”, notando expressamente que
“outros vocabulos usurparão os Latinos de outras gentes, por causa do
commercio, ou conquistas que com elles tiverão (que foi o que) nos aconteceu a
nos, que por as cousas que de novo se inventarão, & por as conquistas &
commercio que tivemos com outras gentes, nos vierão muitos vocabulos como foram
da Índia (…) e da Africa” (Nunes de Leão, 1784, pp. 21-28). O facto de se não
referir expressamente ao Brasil não significa que não nos tenham vindo também
de lá muitos e muitos vocábulos por acção das novas gentes e das novas coisas
que aí se encontraram.
Afirmados
os princípios genéricos, sempre acompanhados de elucidativos exemplos, Duarte
Nunes de Leão exibe, em sete longos capítulos (VIII a XV, pp. 57-91) um longo elenco de vocábulos portugueses
tomados dos Latinos, Gregos, Árabes, Franceses, Italianos, Alemães, Hebreos,
Syrios e Godos a que junta os vocábulos que não foram tomados de outras gentes,
mas consagrados nos escritos dos nativos e da plebe (capítulos XVI-XVIII, pp.
91-108).
Seguindo-lhe
a peugada, aqui exploraremos o vocabulário da matéria médica das Farmacopeias
Portuguesas. O elenco base destas Farmacopeias foi o herdado do repositório de
Galeno (131-201), Dioscórides (sec.I), Plínio (23-79), Hipócrates, Leoniceno,
Teofrasto, Serapião, Isidoro, Aécio, Avicena (980-1037), Averróis e, no século
XIII, do médico árabe Ibn Al Baiter de Granada quem, no seu Corpus Simplicium
Medicamentorum, incorporou os conhecimentos clássicos e a experiência árabe,
caracterizando mais de 2000 fármacos, dos quais cerca de 1700 de origem
vegetal. Esse elenco foi substancialmente enriquecido com os “simples e drogas”
encontrados no “novo mundo” que os Descobrimentos dos séculos XV-XVI trouxeram
ao conhecimento da Europa, traduzidos e identificados por recurso a um vasto
conjunto de novos termos e vocábulos. Aqui nos propomos fazer um levantamento
geral do seu teor.
2. A nomenclatura química dos Compêndios e Tratados de Matéria Médica
A
nomenclatura científica introduzida no domínio da química pela Escola de
Lavoisier, na década de 1780, compendiada no “Méthode de Nomenclature Chimique proposée par MM de Morveau, Lavoisier,
Berthollet et Fourcroy”(Morveau, 1787) foi rapidamente introduzida em
Portugal, sendo marcas importantes do seu estabelecimento as obras de Vicente
Coelho de Seabra (1764-1804) e de Thomé Rodrigues Sobral (1759-1829), com
especial destaque para os Elementos de
Chymica e a Nomenclatura Chimica
Portugueza, Franceza e Latina a que se junta o systema de Characteres Chimicos
Adaptados a esta Nomenclatura por Haffenfratz e Adet, da autoria do
primeiro destes dois químicos portugueses. A filosofia e princípios básicos que
presidiram à elaboração e formulação dessa nomenclatura foram claramente
afirmados por Lavoisier e seus colaboradores, decorrendo da necessidade e
importância de uma linguagem simples e sistemática para o bom desenvolvimento e
prática de qualquer ciência (Amorim da Costa, 1995, 2003).
Antes
da adopção e utilização generalizada da terminologia química decorrente da
sistematização lavoiseriana, era utilizada, em Portugal, como nos demais países
ocidentais, a terminologia usada pelos Compêndios e Tratados dos Boticários e
pelas Farmacopeias, uns e outras organizados
para servirem a química espagírica ou iatroquímica, a química farmacêutica ao
serviço da Medicina, toda ela centrada nos Princípios activos e passivos da
escola de Paracelso (1493-1511): o mercúrio é o princípio básico do evaporável; o enxofre, do inflamável; e o
sal, do solúvel. Nela encontramos, também, e sobretudo, a terminologia dos manuais
de João Baptista van-Helmont (1577-1644), Robert Boyle (1627-1691), John Mayow
(1641-1679), Nicasius Lefebvre (c.1610-1669), Jean Béguin (?-1620), Christophe
Glaser (1628-1672), Nicolas Lémery (1645-1715) e Johann Joachim Becher
(1635-1682); depois, a nomenclatura química do sistema flogístico da Zymotechnia
Fundamentalis seu Fermentationis theoria generalis e da Specimen
Beccherianum de G. Ernesto Stahl (1660-1734), onde é já bem patente a
procura da verdade da natureza pela observação e pelo trabalho de laboratório,
na convicção de que a química possibilitava o conhecimento dos segredos do
universo e, através dos seus produtos e técnicas, o progresso da medicina e da
terapêutica.
Em
tais Compêndios e Tratados não encontramos uma verdadeira sistematização dos
nomes utilizados para descrever as diferentes mezinhas usadas na prática
médica. As características físicas, os locais em que se encontram ou de que se
ouviu dizer que lá existem, o modo e a matéria utilizados para as preparar, ou
os efeitos que lhe são atribuídos, tudo servia de base para o nome que se lhes
dava. Não espanta pois, que à mesma mezinha correspondessem, em muitos casos,
nomes diferentes em diferentes autores, muitos deles, por vezes, até com
elevada carga de secretismo, sobretudo quando relacionados com o modo da sua
preparação, posto que, como adverte João Curvo de Semmedo (1635-1719), na sua Polyanthea Medicinal, “usam os chymicos destes e de outros nomes semelhantes
ou porque são os mais próprios dos seus significados, ou porque não querem que
os segredos que lhes custaram incansável estudo, os saibam, às mãos lavadas, os
inimigos da chymica, que a abominam em publico e a usam em secreto”; e
fazem-no “para se estimarem porque
conforme a Platão para que as Artes cresçam e se respeitem devem ocultar-se os
segredos delas, ou explicar-se por enigma” (Semmedo, 1716, p.756).
As
Farmacopeias portuguesas, seguindo o procedimento das suas congéneres além
fronteiras, são o repositório vivo dessa terminologia em língua portuguesa.
Consequentemente,
a matéria (vegetal, animal ou mineral) usada na preparação das receitas
consignadas que constam das Farmacopeias, bem como o local da sua proveniência,
o nome que a essa matéria era dado e os processos envolvidos no seu tratamento
até se obter a mezinha desejada, constituem outros tantos factores que determinaram
a terminologia usada. Por estas razões, a descoberta dos novos produtos
naturais de plantas, animais e minerais provenientes do Oriente, da África e
das Américas que os Descobrimentos de “novos mares e novas terras”, nos séculos
XV e XVI, trouxeram ao conhecimento europeu, acrescentou necessariamente ao
elenco das mezinhas e receitas vindas da Antiguidade e da Idade Média, toda uma
série de novos termos que as Farmacopeias posteriores a tais acontecimentos
registaram com maior ou menor destaque.
Nelas
passámos a encontrar os nomes vulgares vertidos na linguagem portuguesa de dezenas
e dezenas de produtos da matéria médica referidos elencados desde Dioscórides a
Ibn Al Baiter, como sejam o Dragão Amansado, o sal Emafrodito, o mercúrio doce,
o solimão, o ópio, o azougue, o benzoártico ou cordeal, o alcaest, os
trociscos, os aljofres, os castelinhos, a água de Inglaterra, a água lusitana,
a água seca, etc, acrescentados dos nomes dos produtos desses “novos mundos” com
efeito terapêutico, particularmente os de origem vegetal, pois que eram estes que
dominavam a farmácia da química espagírica. E também os termos usados para
designar as diferentes operações químicas que permitem preparar a partir de
todos esses produtos, as diferentes mezinhas: o alcoolizar, meteorizar,
calcinar, circular, cohobar, deliquar,
edulcorar, fixar, levigar, rectificar, etc.; e, ainda, os nomes de muitas das enchaquecas,
maleitas e outros males a que os fármacos enumerados podiam servir, v.g., as
almorreias, os fluxos de sangue, a conjunção das mulheres, as cezões, as febres
malignas, os humores melancólicos… (Semmedo, 1716, pp.733-756).
Cingindo
a nossa atenção ao caso da Farmacopeia Portuguesa predominantemente galénica,
cingi-la-emos também ao caso dos Descobrimentos Portugueses, referindo neste
estudo apenas a influência no elenco farmacêutico dos séculos XV e XVI das
novas “drogas e simples” provenientes da África, da América e do Oriente. Trataremos
com menos realce o caso das “drogas e simples” provenientes da África e da
América, tratando com mais delonga o caso das “drogas e simples” provenientes
do Oriente, pois julgamos que foram estes os que mais influenciaram a nomenclatura
que aqui desejamos notar.
3.Drogas
e Simples da África e da América - Iniciadas as descobertas portuguesas
mar Atlântico abaixo, o mais fácil foi chegar às Canárias, navegando sempre à
vista de terra, com mares e ventos bem conhecidos. Logo que depararam com as
novas terras, no caso Porto Santo e Madeira, de imediato os seus descobridores
se apressaram a colonizá-las, ocupando-as e cultivando-as. Nelas ensaiaram as
capacidades germinativas e a produtividade de várias plantas que levavam consigo
e que haviam sido já aclimatadas em algumas ilhas e territórios mediterrânicos,
como a cana do açúcar, as laranjas doces, o trigo, o arroz, a batata (Mendes
Ferrão, 2006). E nelas colheram, no meio da rica vegetação que em muitos casos
as cobria, exemplares de plantas que lhes eram completamente desconhecidos,
carregando com eles as suas naus como testemunhos de cada novo achamento, e
cujo cultivo haveriam de tentar na metrópole de que haviam partido.
Logo
em Porto Santo e na Madeira, encontraram em abundância uma planta de porte
arbóreo, de estranha arquitectura, o
dragoeiro, da qual por simples incisão no tronco, se extraía um pigmento
muito apreciado, o sangue de dragão,
que até então só as caravanas africanas faziam chegar à Europa. Era apenas o
princípio do imenso rol de novas plantas “desvairadas das nossas” que vinham ao
seu conhecimento (Catarino, 1993, pp.196-208).
À
medida que foram avançando no continente africano e entrando nas suas terras,
muitas outras foram as árvores, as plantas, as ervas, as raízes e outras cousas
que foram descobrindo para uso de nossos males e maleitas. Da maioria deles nos
chegaram longas e pormenorizadas descrições. Das plantas e outros produtos de
matéria médica achados na África nos dão conta, nomeadamente, a Relatione del Reame di Congo (Roma,1591) baseada no relato
feito por Duarte Lopes a Filipe Pigafetta; as The Strange Adventures of Andrew Battel of Leigh in Angola and the
Adjoing Regions publicadas por Purchas em 1625; a Relação de produções do Congo e de Angola (1622) de Bento de Banha
Cardoso; a História Geral das Guerras
Angolanas (1680/1681) de António Oliveira de Cardonega; a Istorica Descrizione dé tré Regni Congo,
Matamba et Angola (Bolonha 1687) de Giannantonio Cavazzi de Montecúccolo; a
Etiópia Oriental (1609) de Frei João
dos Santos; e a História da Etiópia, a Alta do Padre Baltazar Teles
Para
saborear o nome de alguns desses produtos, leia-se, por exemplo, o “Caderno que
trata das ervas, raízes e outras cousas que se tem descoberto no Sertão do
Reino de Angola, com várias virtudes” que o Sargento–Mor Afonso Mendes foi
escrevendo por curiosidade. Em 88 secções, denominadas “receitas”, com
indicações terapêuticas para vários males, nele encontramos referências, entre
outras, às raízes do mutututo, do mubango, da mufuta, como também o
pau-quicongo, o pau mussunda, o pau-paco, o óleo e a pedra de bezoar do
elefante (Sousa Dias, 1993, pp.209-227).
As
plantas e outros produtos de matéria médica achados no Brasil mereceram também
toda a atenção dos seus descobridores europeus. Umas e outros foram
extensamente descritos pelo Padre José Anchieta (1534-1597) e pelo Padre Fernão
Cardim (1540-1625). Anchieta deixou-nos uma minuciosa relação das plantas úteis
à medicina utilizadas no Brasil, especialmente pelos Índios; Cardim, no seu
tratado sobre o Clima e Terra do Brasil
descreveu as propriedades de catorze plantas medicinais das terras brasileiras
(Cardim, 1997) A estas descrições devem juntar-se a colecção de receitas
medicinais do Irmão Manuel Tristão (1546-1621), enfermeiro e boticário em
vários dos Colégios dos Jesuítas no Brasil, encontrada junto do manuscrito do
Padre Fernão Cardim (1540-1625). Devem juntar-se-lhes também as descrições de
Georg Markgraf (1610-1644) na sua Historia
Rerum naturalium Brasiliae primeiro publicada em 1640 e de Williem Pies,
mais conhecido por Guilherme Piso, na sua Historia
Naturalis Brasiliae, publicada
juntamente com nova edição da História de Georg Markgraf, em 1648 (Piso e Marcgrave,
1648). O Jesuita baiano Padre Francisco de Lima (1706-1772) escreveu mesmo um
tratado com o significativo título Dioscórides
Brasílico ou Plantas Medicinais do Brasil (Leite, 1938, pp.584-585); e,
entre 1624 e 1627, Frei Cristóvão de Lisboa (1583-1652) mandou escrever e
desenhar a História dos Animais e Àrvores
do Maranhão, onde refere também, alguns elementos médicos do material
descrito. O elenco do grande número de drogas com origem na flora e fauna
brasileiras continuou pelos séculos seguintes. Para não nos afastarmos muito do
espaço temporal que definimos para este trabalho, referiremos apenas que em
1766, na Colecção de Várias Receitas
publicada, em Roma, (Sousa Dias, 1993, pg.214) no total das cerca de duas
centenas de fórmulas dos séculos XVII e XVIII, se encontram 62 de boticários
brasileiros; e em 1762, também em Roma, e também da autoria de um jesuíta, foi
publicado um receituário com dezenas de drogas feitas a partir de matéria
médica do Brasil, com o sugestivo título “Receituário Brazílico composto de
variedades de Receitas e de curativos segundo a arte: de várias Ervas, Flores,
Raizes, Fructas e de outras cousas que são próprias do Brazil” (Sousa Dias,1993,
p.215, nota 1).
Ao
longo destas muitas descrições encontramos referência à descoberta e acção
medicinal da ipecacuanha ou poaia, da copaíba, da camará, do jaborandi, da
datura, da caroba, da capeba, da carapiá, das jurubebas, do urucu, da
mil-homens, da pajamarioba, do inhame, da erva de onça, da butua, e muitas
outras.
4.Drogas
e Simples do Oriente - Sobre
estas, reportar-nos-emos aqui apenas às três maiores relações que sobre elas
fizeram, ainda no século XVI, Tomé Pires (ca.1468
- 1540), na Suma Oriental (1515) e na carta que o mesmo
dirigiu a D.Manuel I, datada de 27 de Janeiro de 1516, Duarte Barbosa (ca 1480- 1545) no Livro do que viu e ouviu no Oriente (~1518) e, sobretudo, Garcia
d´Orta (1499-1568), nos seus Colóquios dos Simples e Drogas da India
(1563) de Garcia d´Orta (1499-1568). O mais que outros escreveram sobre o
assunto, ao tempo dos nossos Descobrimentos nos sécs. XV-XVI, é muito menos significativo
já porque se baseia, em muitos casos, na informação que nestas obras
encontramos, já porque, pelo seu carácter sumário, pouco contribui para um mais
vasto conhecimento da matéria exposta.
Seguindo
um critério cronológico, começaremos com os dois escritos de Tomé Pires que
acabámos de referir.
Boticário
do Príncipe D. Afonso (filho de D. João II), Tomé Pires embarcou para a Índia,
em 1511, com o cargo de “feitor de drogas”. Chegado a Malaca em 1512, homem “curioso de inquirir e de saber coisas”
(como dele escreveu Fernão Lopes de Castanheda), começou a escrever, nesse
mesmo ano, a Suma Oriental, “nos
pequenos intervalos de uma vida extremamente ocupada com suas funções
oficiais”, como ele próprio confessa, no Proémio Terceiro da obra, tendo-a
terminado provavelmente, em 1515, já na Índia. Trata-se dum Relatório dirigido
a El-Rei D. Manuel, possivelmente cumprindo uma recomendação que lhe fora feita
antes de ter partido para o Oriente. Como tal, tinha um certo carácter secreto razão
pela qual poderá ter sido conservada, durante largos anos, na Biblioteca Real
do Paço da Ribeira ou nos Arquivos da Casa da Índia, não se conhecendo hoje o
original escrito pelo próprio Tomé Pires (Cortesão, pp.10-65; 74-80). As
versões hoje conhecidas são cópias não totalmente coincidentes, nem quanto ao
total dos países que descrevem, nem quanto à ordem pela qual o fazem.
Seguiremos aqui a versão apresentada por Armando Cortesão, uma versão que se
apoia fundamentalmente na cópia existente na Biblioteca Nacional de Paris, um
volume com 4 folhas de guarda e 178 fólios 26,3x37,7 cm, correspondendo os
primeiros 116 a um livro de marinharia e um atlas da autoria de Francisco
Rodrigues, capitão da armada de Simão de Andrade que chegou em 1519 a Tamão, em
Cantão, e os 62 restantes à Suma Oriental de Tomé Pires. (Cortesão, 1978).
Nesta
versão, a viagem começa no Egipto seguindo por terras da Pérsia, Cabarim,
Narsinga e Malabar até Cambaia (Liv.I), donde segue para Goa ao longo de toda a
Costa Ocidental da Índia (Liv.II). De Goa passa a Bengala e vai daqui à
Indochina, passando por Sião, Birmânia e Camboja (Liv.III). E continua pelas
ilhas de Java, Molucas, Ceilão, Japão, Bornéu e Filipinas (Liv.IV) até Samatra
(Liv.V) e Malaca (Liv.VI). Descrição geográfica, económica e histórica dos
países que refere, o relato debruça-se sobre a geografia física, a geografia
económica e a antropologia, nos seus aspectos culturais e sociais, desses
países, com grandes minúcias sobre os diferentes povos que os habitam, as
ligações entre eles, os seus costumes e o seu comércio. Quando descreve as mercadorias
de cada reino, lá estão os produtos que nele se trocam, os naturais da terra e
os importados.
Seria
longo e repetitivo apontar aqui, terra a terra, todas as mercadorias que
refere. Para o objectivo que nos propomos, confinados a produtos de matéria
médica, o próprio Tomé Pires ter-nos-á facilitado o trabalho com a carta que
dirigiu a D.Manuel I, em 27 de Janeiro de 1516, “um rol de certas drogarias que se mandaram catar” naquelas terras
do Oriente para serem enviadas para Portugal, “dando conta donde cada uma nasce”.
Ao elenco dos vinte e tantos nomes indexados nesta carta, pouco haverá a
acrescentar, a não ser as observações circunstanciais, seja a título de
complemento, seja a título de elucidação do produto em referência
Este
é o elenco da dita carta: a erva
lombrigueira de Cambaia e Chaul; o ruibarbo, da Tartaria e da Turquia; a cana fistola, da serra entre o Malabar e
Narsinga e também de Daru, Samatra e Java; o incenso, da Arábia, Fartaques e Maderaca e também de Orixa, entre
Narsinga e Bengala; o ópio ou amfião,
do Egipto, Cambaia e Bengala; os tamarindos,
em todo o Malabar, em Tamor e Choromandel, em Java e nas ilhas à sua volta; a galanga, raízes do tipo do gengibre, em
Chaul, Mangalor, Índia e Cambaia; o
turbit, de Mandam (não muito bom) , da Turquia (o melhor) e também em
Portugal; os mirabulanos e quibules
do Malabar, de Bacanor, de Baçalor e de Mangalor (com pequenas diferenças entre
si), de Bengala, Malaca e das Ilhas Burney; o aloés, da Ilha da Çacotora, Adém, Cambaia, Samatra (existe também
em Valência de Aragão; o de Cambaia não é muito bom); o espiquenarde do Reino de Dely e de Mandão; o esquenante, ou palha de
gengibre de Çacotora, Arábias e Terras do Prestes João; o serapino, o galbano e o opoponaque,
gomas fétidas e fedorentas, das Arábias, do Cairo, da Itália, Turquia e
Damasco; o bedelio e a mirra, de
Mandau e da Arábia, Félix e Dely; o bálsamo
xilo, o bálsamo carpo, a goma arábica e alguns alambares, da
Arábia e o lápis lazúli, da Arménia, uns e outros chegados à India via
Alexandria; a monja, não o líquido
fétido resultante da simples decomposição dos cadáveres humanos, mas o líquido
que escorre dos corpos embalsamados com mirra e aloés, recolhida sobretudo nos
desertos da Arábia; o ispódio, raízes
de certas canas; o tincar, a sarcacola e
a alquitira dos Reinos de mandão e Dely e da Arábia; o folio betele do Reino de Goa, de Chaul até ao Camboja; o róbis do Reino de Racan, os vermelhos e
os balais de Ceilão, junto de Sião
donde vem o lacar e o benjoim, e onde
se encontram os chamados olhos de gato
e as melhores safiras; a zedoaria ou cálamo aromático do Malabar e Ceilão que
cresce entre as plantas da canela; o estoraque,
o benjoim negro derretido com pó de sândalo e pau de aguilha, ou então
com fermento de mel e azeite, como se faz em Adem; e, finalmente, o aljôfar das ilhas de Dalac, no mar Roxo,
perto do porto de Meca, do Baharem, a cento e cinquenta léguas de Ormuz, de
Ceilão e de Hainam, umas ilhas entre o Reino de Cochim e a China.
Ao
longo dos seis Livros da Suma Oriental
(Pires, 1515), encontramos alguns outros produtos que o autor não chega a
mencionar na carta dirigida ao Rei D. Manuel em Janeiro de 1516, mas que lhe
merecem igual atenção, nomeadamente o azernefe
vermelhão que levam de Malaca para Sião (p.242), a orpimenta do Egipto e que alguns portugueses cativos, em Malaca,
referiam a Afonso de Albuquerque, em carta datada de 1510, ser uma droga que
deveria ser levada para a Índia (p.141);
o cecotrino e a mirra usados na Arábia, as cubebas,
o salaziche e as finas alaquequas do Egipto e também da Arábia
(pp.146-150); as oraquas, o álcool de
palmeira e a madeira de sapão do
reino de Sião (p.242); o calambac do
reino de Champa (p.247); as tâmaras em
fardos de amfião (p.136); as sementes
alipiuri, os âmios e a alforva da
Cambaia (pp.203-204); os bisalhões e papos de almíscar de Aração (p.228), etc…
etc. Tudo isto para além da caparrosa,
do sal aziche, a pimenta, o cravo, a canela, o gengibre, o almíscar, o lenho de aloés, a cânfora, o gyracall, os cocos, a copra, os rabanetes, a mostarda, os limões, as azamboas e combalengas e outras especiarias e
plantas mais comuns que encontrou na maioria dos países da sua viagem do Egipto
a Malaca.
Duarte
Barbosa (ca. 1480 - 1545) que serviu
como “escrivão da feitoria da Cananor” durante vários anos, entre 1503 e cerca
de 1515, no Livro em que dá relação do
que viu e ouviu no Oriente com redacção iniciada por volta de 1512 e com
notas finais já de 1518, ano em que foi tornado público, em Lisboa, (Dames,
1989; Veiga e Sousa, 1989, 1996), nas
suas relações sobre o que viu nos muitos lugares por onde andou no Oriente, de
Mombaça ao “muito grande reino da China”, apontando a sua história, as pérolas (pérolas
de aljôfar, rubis, diamantes, etc…) e as “drogarias”, não acrescenta dados
verdadeiramente significativos ao rol dos simples e drogas mencionados por Tomé
Pires. Curioso é notar, todavia, a sua preocupação em referir os preço delas
nas diferentes terras, nomeadamente, em Calecut e no Malabar, com indicações
preciosas sobre as quantidades e as moedas que valem, onde fala do valor em fens e fanões das façarolas do alácar-martabão ou das façarolas do benjoim, dos tama
Por
sua vez, nos sessenta Colóquios dos
Simples e Drogas da Índia de Garcia d´Orta (ca.1499-1568) que o Conde de Ficalho classificou como sendo “não
somente um tratado de sciencias; mas também um monumento de história da arte
(da preparação médica) e da linguagem” (Conde de Ficalho, 1891, p.XII),
encontramos ainda, para além das preparações e utilizações farmacêuticas que
deles se fazem, outros produtos de matéria médica provindos do Oriente, novos
uns, os mesmos, mas com nomes diferentes, outros, quando comparados com os
apresentados por Tomé Pires e por Duarte Barbosa.. No rol de uns e outros
estão, por exemplo, o amono, o anacardo, a àrvore triste, o altide,
o anjuden, a assa fétida, o betre, o bangue, as carandas, os doriões, o epiquenardo, o faufel, o turbit, a tutia, o zerumbet, e outros mais.
5. O sentido de algumas das
denominações e noções associadas à nova matéria médica – Não podendo nós abordar aqui, por razões óbvias de tempo e espaço, o
sentido das muitas denominações e noções associadas a toda a nova matéria
médica provinda, nos secs.XV e XVI, do Brasil, da África e do Oriente,
limitar-nos-emos a tomar, quase que aleatoriamente, alguns exemplos pontuais
para realçar o tipo de questões que a sua adopção suscitou. E isto
relativamente ao seu uso como matéria médica, e também relativamente à terminologia
adoptada.
Os
diferentes Simples e Drogas são diferentes preparados de
cuja acção química se esperam efeitos terapêuticos, quando ministrados na dose
e no tempo adequados. À época dos Descobrimentos dos séculos XV e XVI, a
terapêutica que neles se buscava permite-nos classificá-los, servindo-nos do
texto do Thesouro Apolineo de Joam
Vigier, retomado pela Farmacopeia
Ulissiponense de 1716, em alterantes, purgantes e confortantes: «alterantes, os que aplicados
exteriormente, ou tomados interiormente, causam algumas mudanças em nosso
corpo, seja esquentando, humedecendo, ou defecando, amolecendo ou indurando,
rarefazendo ou condensando, constipando ou laxando, digerindo ou resolvendo,
corroendo ou encravando, detergendo ou parando; purgantes os que por certa fermentação e irritação que causam no
corpo, desatam os humores supérfluos e fazendo-os fluidos os põem em estado de
serem evacuados; confortantes,
aqueles que pela conformidade de suas partes com os espíritos do nosso corpo,
corrigem as alterações que se tinham feito nos humores e, juntamente com os
espíritos, ou seja excitando-lhe o movimento que estava sufocado, ou seja
moderando o que estava violento ou veemente e isto dando vigor à natureza, a
que lance fora as impuridades que lhe sufocavam o seu movimento ou lho
desordenavam” (Vigier, 1714, pp.21-24).
Foram
as virtudes em qualquer destas categorias que guiaram os Descobridores dos
“novos mares e novos mundos” na recolha dos produtos que aí foram encontrando,
inexistentes no “velho continente” e que por alguma razão, poderiam ser
utilizados como fármacos.
Usando
a classificação da Farmacopeia Ulissiponense,
diríamos que o sangue do dragão, a
resina do dragoeiro, usado para cicatrizar as feridas, seria um bom alterante de aplicação externa; o
aloés, um alterante de aplicação
externa para encarnar algumas chagas e um purgante para uso em caso de lombrigas,
colírios, no dizer de Garcia d´Orta. Aloés ou aloá seria o nome latino e grego dessa erva que os Árabes
designavam por cebar, os Decanins por
catecomer, os Castelhanos por acibar, os portugueses por azevre ou erva-babosa e de que existia grande quantidade em Cambaia e em
Bengala, sendo a melhor e mais louvada a existente em Çocotora, dita por isso aloés çocotorino. A mezinha que dele se
prepara é um sumo feito com a erva depois de seca que uma vez ingerido, de
preferência em jejum, “abre as almoreinas”, no dizer de Mesué, e por sua
amargura abre também as veias, estimulando a virtude expulsiva, e assim purga o
fel (Conde de Ficalho, 1891, vol.I, pp.23-44).
Deste
ponto de vista, interessante é notar aqui o que Garcia d´Orta refere a respeito
do “Amfiam dito assim corrompidamente porque o seu nome he opio” (cf. Colóquio
XLI), “usado em comer entre muitos”. Interessante, digo, pelo modo como a sua
acção é explicada, posto ser considerado um simples em que a virtude
imaginativa excede a virtude expulsiva (cf. Pg172), afirmação que não
encontramos para nenhum outro simples. “Aos homens que o comem faz andar
dormindo; e dizem que o tomam para nam sentir o trabalho” (p.171). O apregoado
poder afrodisíaco que lhe era atribuído é negado por Garcia d´Orta dizendo que
o que ele faz é retardar o “auto venéreo”, no homem como na mulher, por
“apertar os caminhos por onde vem a semente genital do cérebro, por causa da
sua frialdade” (p.172), levando frequentemente à impotência sexual (Conde de
Ficalho, 1891, vol.II, pp.171-172). Interessante também, do ponto de vista
linguístico, pelo cuidado com que Orta explica a etimologia do seu nome,
revelando os conhecimentos do autor neste domínio : “todos lhe chamam afiom, scilicet, os Mouros donde o
tomaram os Gentios, e nós mais corrompidamente lhe chamamos amfiam; e a causa dos Mouros lhe
chamarem afiom ou ofiom, é porque os Arábios tomaram
muitos nomes da língua grega, a qual elles chamam jhunami (casi língua joniqua): e porque os gregos lhe chamam opium, e porque ácerqua dos Arábios a
letra f e a letra p sam muito hirmans, e põemse muitas
vezes huma por outra, chamaramlhe elles ofium
ou afium, e também á peonia chamam elles faunia, e assim muitos outros nomes, mudando o p por f” (Conde de
Ficalho, 1891, vol.II, p.173).
Considerando
ainda quer a virtude médica que lhes era reconhecida, quer as razões dos nomes
adoptados que lhes foram dados, deixaremos aqui alguns apontamentos sobre
algumas dessas muitas drogas e simples novos, deixando inevitavelmente de fora
muitas e muitas dezenas deles. Folheando, sobretudo, a obra de Garcia d´Orta, referir-nos-emos,
numa escolha praticamente aleatória e assente em razões de maior
desconhecimento no quotidiano das nossas vidas, às cubebas, à galanga, ao folio
betel, ao bangue, à àrvore triste, aos jambolões, aos tamarindos, ao turbit, à
tutia e à zedoria.
As
cubebas são o fruto da Piper Cubeba, um arbusto lenhoso que
como a hera, se agarra às árvores que tenha na vizinhança, um fruto que se
parece com a pimenta, mas que dela se distingue por um pequeno pedúnculo que
possui; e também muito parecida com o mirto. A Piper Cubeba é espontânea em
Java e na Sumatra. Como refere Garcia d´Orta não deve ser confundida com a
pimenta, nem com o mirto agreste como
o fizeram os gregos, nomeadamente Galeno e Dioscórides, que dela falaram só
pelo que ouviram dizer, mas sem nunca a terem conhecido, o mesmo tendo
acontecido com Serapião, Averrois e os árabes em geral. A árvore “he como macieira
no tamanho, e as folhas sobem acima trepando, como nas árvores da pimenta”. Os
seus frutos nascem em cachos, como as uvas. Cheiram muito bem. Pelos efeitos
afrodisíacos que lhes são atribuídos, os árabes fazem com elas a festa à rainha
Vénus. Eles lhe chamam cubebe ou quabeb ou quabebechini. Na Índia e na Malásia, donde é verdadeiramente
originária lhe chamam cubabchini (Conde
de Ficalho, 1891, vol.I, pp.287-292).
A Galanga é a lavandou dos Chineses, ou a lancuaz
dos habitantes de Java. Nem Disoscórides, nem os Gregos Antigos falaram dela. Foram
os Árabes quem primeiro a terão usado, com Avicena a chamá-la chamligiam ou calungiam, num dos seus escritos, e caserhendar, num outro; e Serapião, galungem. Trata-se do rizoma, com nós como os da cana, da planta
descrita, em 1870 por Hance, sob o nome linneano de “alpinia officinarum”. Dela se conhecem duas espécies, uma maior,
outra menor, respectivamente a galanga maior e a galanga menor. Uma e outra são
“uma frutice ou mata de dois palmos em comprimento; tem folhas como a murta;
dizem os Chins que nasce sem ser prantada; floresce com flor branca; deita
sementes, mas não se semeia com elas; semeia-se das raízes dela mesma”. Nem
Avicena, nem Serápião a terão conhecido, tendo dela apenas notícia confusa
mercê do que dela ouviram dizer. O rizoma é quente e com suave cheiro, servindo
de proveito para as males do estômago e os maus cheiros da boca. Muitos a
confundem com o acoro, especialmente
em Espanha, ou com o cálamo aromático.
Porém, anda por caminhos errados quem tal faz (Conde de Ficalho, 1891, vol.I,
pp.353-356).
O folio betele, uma folha muito aromática
conhecida por “folha da Índia”” produzida pela palmeira de Betel, assim chamada
por existir em grande abundância nas margens do rio Betel, na costa Ocidental
da Índia, também conhecida por a Areca
Catechu. Tomada verde com avelã da Índia e limão é a chamada noz-areca, muito
boa para fortalecer os dentes; uma vez seca não serve para nada. Os homens que
a mascam regularmente, dia e noite, chegam aos oitenta anos com todos os dentes
e têm óptimo bafo, mas se um dia a não tomam têm um bafo que se não pode
suportar (Pires, 1516,p.456; Veiga e
Sousa, pp.167-168). No seu Colóquio XXIII, Garcia d´Orta refere-se
demoradamente ao “folio indo” ou “folha da Índia” sem a referir como folio de
Betel, identificando-a com a lingoa de
vaca, a lingoa de pássaro ou o melam da Índia dos catálogos de Avicena,
referindo que para além de poder ser usado para tratar o mau cheiro da boca, é
bom para “provocar a orina” e que conserva os panos, defendendo-os da traça (Conde
de Ficalho, 1891, vol.I, pp.343-348).
O bangue,
uma semente que Ruano, o interlocutor de Garcia d´Orta nos Colóquios, confunde
com a do linho alcanave, o cânhamo,
embora um pouco mais pequena e menos branca, que “os Índios comem pera ajudarse
e comprazer às mulheres” (Conde de Ficalho, 1891, vol.I, pp.95-98). É, de
facto, a semente da chamada Cannabis
Sativa da nomenclatura de Linneu, espécie a que também pertence o linho em
questão. A mezinha que leva este nome faz-se
do pó das folhas pisadas da planta bangue, uma planta muito parecida com o
linho, juntando-lhe um pouco de areca
verde. A poção assim preparada “embebeda e faz estar fora de si”. Nesta
preparação, muitas boticas, particularmente entre os Mouros, usam juntar um
pouco de cravo, e outros cânfora de Bornéu,
ou também ambre, almisque ou amfiam; o proveito que tiram desta mistura é levar aqueles que a
tomam a “ficarem fora de si, como enlevados sem nenhum cuidado e
prazimenteiros, e alguns rir hum riso parvo”. E, acrescenta Garcia d´Orta, ter ouvido dizer a “muitas mulheres que, quando
hião ver algum homem, pêra estar com choquarerias e graciosas o tomavão”, e que
também “os grandes capitães, antiguamente acustumavão embebedarse com vinho ou
com amfiam, ou com este bangue, pêra se esquecerem de seus trabalhos, e nam
cuidarem, e poderem dormir” (Conde de Ficalho, 1891, vol.I, p.97).
A árvore triste, uma árvore que tão bem
cheira e que Garcia d´Orta diz não ter encontrado em lugar algum fora de
Goa. (Conde de Ficalho, 1891, vol.I, pp.
69-72). Cristóvão da Costa (1525-1593), no seu Tratado de las Drogas y
Medicinas de las Índias Orientales (Burgos, 1578) descreve-a em pormenor. Clusius, nas suas notas ao texto
de Garcia d´Orta, apresenta o desenho de um ramo florido desta curiosa planta.
Curiosa pelo nome que leva; e curiosa pelas lendas que lhe estão associadas. É
uma planta que em terras da Índia, os nativos designam por mogory e têm por planta
sagrada, procedente do céu, donde Krishna a trouxe a sua mulher por causa do
fino perfume de suas flores. Estas cheiram a flor de laranjeira e seus comeres
são cheirosos, como cheirosa é a água que delas se prepara. Na classificação de
Linneu, são flores dum jasmim, o Jasminum
Sambac, usadas na preparação de
perfumes e com que as mulheres hindus fabricam coroas que colocam sobre
a cabeça em ocasiões festivas. O seu estranha nome vem-lhe duma lenda em que se
diz ter ela origens na filha de um grande senhor, Parizataco de seu nome, que tendo-se “enamorado do sol, a deixou
depois de ter com ella conversação, por amores doutra; e ella se matou e foy
queimada e da cinza se gerou esta árvore” (Conde de Ficalho, 1891, vol.I, p.71)
Os
jambolões, os frutos da Eugénia jambolana, uma árvore da família
das mirtáceas, muito comum na Índia. O nome vem-lhes do nome por que são
comerciados em Bombaim, jambúl. A
árvore que os dá tem folhas que se assemelham às folhas do medronheiro. Parecem-se
com azeitonas, embora muito mais azedos que estas. A sua cor é feita de branco
e vermelho, que os assemelha também a essas bogalhas grandes conhecidas por
maçãs de cuco. Têm cheiro a água rosada e um sabor que embora agradável, não
incita muito o gosto por se tratar de um fruto muito aquoso. Embora
comestíveis, não são fruta muito sadia. Com eles se parecem os jambos e as jamgomas, frutos de feição oval, do tamanho de ameixas, de plantas
da mesma espécie, respectivamente, a eugenia
malaccensis e a flacourtia
cataphiracta, com flores roxas e muito bem cheirosas e folhas “como hum
ferro de lança, grande e larguo, e de hum verde muito aprazível”. Duns e doutros e das flores das árvores que
os dão se fazem boas conservas (Conde de Ficalho, 1891, vol.II, pp.24-26).
Os
tamarindos, os tamarindi dos Árabes que com este nome se referem às tâmaras da
Índia. A árvore que os dá é grande como o freixo, a nogueira ou o castanheiro,
com madeira rija e não porosa, muito folhosa e ramosa, no que se distingue das
tamareiras do Norte de África. Têm dentro caroços. Quando verdes são bastante
azedos mas mesmo assim de bom sabor. Os caroços não servem para nada; a polpa come-se
muito bem com um pouco de açúcar e serve para preparar infusões medicamentosas,
seja com água, seja com azeite de coco, com bons efeitos digestivos e laxantes,
purgando, no dizer dos maometanos, o “sistema de bílis e humores adustos”, pois
facilmente digerem e evacuam o humor colérico, incidem e cortam o humor
freimatico. E também para preparar conservas e boas bebidas refrigerantes As
folhas da árvore de que provêm servem também para preparar infusões para cura
das erisipelas. Pelo seu agradável sabor azedo, estas infusões servem para substituir
o vinagre nos comeres. Todavia, não se deve confundir os tamarindos com os datiles
do catálogo de Dioscórides, embora possam ter com eles algumas parecenças:
estes são os frutos das tamareiras do norte de África que embora diferentes,
apresentam, de facto, algumas parecenças com as tâmaras da Índia. (Conde de
Ficalho, 1891, vol.II, pp.319-324).
O turbit é o tiguar dos Canarins de Goa, uma pequena planta rasteira, com uma
raiz muito pequena e pouco profunda, e um tronco pouco comprido e pouco grosso,
não muito maior que um dedo. Uma planta da família das convolvuláceas, a Ipomaea Turpethum. As suas folhas são
lobadas como as da malva francesa. As suas flores são bastante grandes. Nasce e
cresce nas terras marítimas, mas não muito perto do mar. O seu sabor é insípido
quando se colhe. A droga comercializada com o mesmo nome consiste na raiz e
parte inferior do caule, cortados em bocados, de cor acinzentada por fora e
branca no interior, contendo uma resina amarelada. Desconhecida dos gregos e
dos latinos, era um medicamento de grande reputação, nas terras do Oriente,
vastamente usado como purgante da bílis e do humor fleumático. (Conde de
Ficalho, 1891, vol.II, pp.327-343)
A tutia, um preparado vegetal ou um óxido
metálico? Séculos antes de os Portugueses terem chegado à Índia e terem
começado a trazer para a Europa nova matéria médica, especialmente a de origem
vegetal, já Marco Pólo se havia referido a uma mezinha que dava pelo nome de tutia, a tutia da região de Kerman, não longe de Ormuz. Era um preparado obtido a partir de uma certa terra
que ali havia, queimada em grandes fornalhas. Nessa sua referência, Marco Pólo
diz que essa mezinha outra coisa não seria
que o espodio ou pomfolix
dos Antigos Gregos, com diferente grau de pureza. Num caso e noutro,
tratar-se-ia de um óxido impuro de zinco. Acontece que no século XII, Geardo de
Cremona (1114-1187), ao traduzir para latim algumas obras Árabes, nomeadamente
as de Avicena, traduziu por espódio o tabaxir
da matéria médica arábica, uma espécie de leite ou sumo existente em certas
plantas, v.g., em algumas canas que invernou durante bastante tempo. Ficou-se
assim, a partir de então, a designar pelo mesmo nome duas mezinhas totalmente
diferentes: uma de origem mineral, o pomfolix
ou espodio dos Gregos; outra de
origem vegetal, o tabaxir ou espódio dos árabes. No seu Colóquio LI (Conde de Ficalho, 1891, vol.II, pp.301-307),
Garcia d´Orta refere esta distinção e
pugna pelo necessário esclarecimento para que se não confundam os dois tipos de
matéria médica. E deixa claro que o termo espódio,
sem mais, deve ser reservado para o espódio dos Gregos, isto é, o pomfolix que Marco Pólo identifica como
sendo a tutia em grau de purificação mais
elevado. Neste ponto, Garcia d´Orta discorda de Marco Pólo referindo que a tutia é um preparado vegetal que se faz
na Pérsia a partir da cinza da casca de uma árvore chamada goan, uma árvore cujo fruto comestível é também conhecido por goan. Garcia d´Orta conclui este assunto
afirmando que a tutia que é levada da
Pérsia a Ormuz e daqui a outras parte da Arábia, a Alexandria, a Portugal e
demais partes da Europa, em muitas naus, é este preparado vegetal e não o
preparado mineral dos Antigos Gregos, o pomfolix
com que a identificou Marco Polo (Conde
de Ficalho, 1891, vol.II, pp.359-360).
Finalmente,
à míngua do espaço e tempo de que dispomos, a zedoria, essa mezinha que Avicena trata em dois
substanciosos capítulos, com o nome de geiduar
e Serapio num só, com o nome de zerumbet.
Trata-se de um só nome para o preparado medicamentoso feito do rizoma de duas
diferentes plantas do mesmo género e família, a curcuma zedoaria e a curcuma
zerumbet, ambas muito vulgares na Índia Meridional, ainda que Garcia d´Orta
diga que elas se trazem de Seni, porque “na Índia não nascem estas raízes,
senam na China”. A primeira é a zedoaria amarela; a segunda, a zedoaria
cinzenta. O preparado medicinal que delas se faz é muito usado em casos de
envenenamentos e mordeduras de cobra, e também como condimento e especiaria e
outros (Conde de Ficalho, 1891, vol.II, pp.363-368).
6. Epílogo e Conclusão – Toda esta nova e exótica matéria médica descoberta e explorada nos
Descobrimentos ao longo dos sécs. XV e XVI e continuada nos séculos seguintes,
ocuparia um grande número de páginas da Origem
da Lingoa Portuguesa de Duarte Nunes de Leão, caso ao tempo em que a
preparou já estivesse suficientemente consagrada e pronta para a necessária
difusão. Com toda a naturalidade, entrou rapidamente no elenco da Farmacopeia
Portuguesa, e, através dela, na Farmacopeia da Europa, com seus nomes, locais
de origem e mezinhas que usando-a, era possível preparar (Pina, 1939;1945;1961;
Sousa Dias,1993).
De
facto, em Portugal, Zacuto Lusitano na De
Medicorum Principium Historia (Lusitano, 1629), na Praxis Medica (Lusitano, 1634) e na Pharmacopoea Elegantíssima (Lusitano, 1667); Duarte Madeira Arrais no
Tratado das Virtudes dos Óleos de
Enxofre, Vitríolo, Philosophorum, Alecrim, Salva e Agoa (Arrais, 1648) e no
Método de conhecer e curar o morbo gálico
(Arrais, 1674); Curvo Semmedo na
já referida Polyanthea Medicinal (Semmedo,
1716) com especial relevo para a Memoria
dos remédios exquisitos que da Índia e outras partes vém a este reino, em que
se declaram as suas virtudes publicada como Anexo, com algumas variantes,
na maioria das edições da Polyanthea,
com começo na edição de 1716, na qual se enumeram mais de setenta desses
remédios; e também os autores das Farmacopeias portuguesas que se seguiram à Polyanthea de Curvo de Semmedo que já
acima relacionámos, todos mencionam e assumem a teriaca brasílica, africana e
Oriental. João Vigier adicionou à sua Farmacopeia Ulissiponense de 1716 um Tratado das Virtudes, e descrições de
Diversas plantas, e partes de animais do Brasil, e das mais partes da América,
ou Índia Ocidental, de algumas do Oriente, descobertas no último século,
tiradas de Guilherme Piso, Monardes, Clúsio, Acosta e outros” e ainda um Vocabulário Universal, Latino e Português,
de todos os nomes dos Simples, assim dos Antigos como dos que ultimamente se
descobriram na Índia Oriental, e Ocidental, ou Brasil. E, dois anos depois,
faria publicar, a sua História das
plantas da Europa e das mais uzadas que vêm de Ásia, de África e da América,
uma obra em “dois volumes portáteis de algibeira (…) como em hum corpo
abreviado, o que em obras anteriores tinha já publicado com tanta extensão” (Vigier,
1718, p.vi), nela apresentando o elenco dessas plantas, seguindo a ordem e
classificação do Pinax de Gaspard Bauhino, recopilado e mandado imprimir por
Nicolas Deville. Cada um dos dois Tomos desta História contém seis Livros com seis divisões cada, onde são
referidas 616 diferentes plantas, consagrando na linguagem portuguesa os seus
nomes indígenas. Para muitas delas, são referidos também os nomes Latinos,
Franceses, Espanhóis, Italianos e Alemães. Nela encontramos não só a
consagração dos nomes indígenas na terminologia da nossa Língua, como também a
descrição das principais características dessas plantas, acompanhadas do
respectivo desenho, o lugar donde vêm nascem e crescem e as virtudes medicinais
a que podem servir. Do longo elenco, podem anotar-se os juncos aromáticos de
Alexandria e o albafor da Síria e do Egipto (Liv.I, Div.II), os jacintos e os cálamos
aromáticos do Oriente (Liv.II, Div.I), a mostarda e a eruca da Ásia, a salsa-parrilha
das Honduras, da Índia Ocidental e da China (Liv.III, Div.I), o ruibarbo da
Etiópia, das Índias Orientais e dos Chins (Liv.III, Div.IV), as dormideiras
(papoilas) dos Gregos (Liv.V, Div.I), o azebre ou aloés dos Gregos, Árabes e
Canarins (liv. VII, Div.V), a alcatira da Ásia (Liv.X. Div.VI), a cana fístula
e a siringa da India, a noz moscada e a pimenta das Índias Orientais, os
sicómoros do Egipto (Liv. XI, Div. I-III), os figos da Índia, o estoraque da
Sicília e da Síria e o mirto da Alemanha (Liv.XII, Div.I-VI).
Na
sequência das considerações que aqui deixamos, é-nos lícito concluir que caso
Nunes de Leão tivesse querido apresentar na sua Origem da Língua Portuguesa, à semelhança do que fez para alguns
dos vocábulos tomados dos Àrabes, dos Franceses, dos Alemães, etc, Tabelas com
vocábulos vindos do Brasil, da África e das Índias, por via da matéria médica trazida
pelos Descobrimentos ao Reino de Portugal, não lhe teria faltado por onde
escolher; e o muito espaço e tempo de que dispusesse para o efeito, nunca seriam
demasiados. Não era esse, todavia, o objectivo da sua obra, sem tergiversar na
sua convicção de que “muitos mais são os negócios que os vocábulos e como os
conceptos dos homens são infinitos e as palavras finitas, necessariamente as
inventamos, ou buscamos e tomamos emprestadas de outras gentes”. Perante a “necessidade
de inovar e tomar emprestados” os vocabulos da nossa língua, não sendo de todo
ajuizado que “depois de achado o trigo e os manjares que oje temos, tornemos a
comer a lande e bolotas, e frutos sylvestres, como a principio dizem os Poetas
que fazião os primeiros homens” (Nunes de Leão, 1784, pp. 131-135).
Sem
tempo nem espaço para elaborar e apresentar essas tabelas, Nunes de Leão faz
questão de “dar algumas lembranças para a eleição que devemos fazer “ do grande
elenco das palavras que o tempo traz e leva pelas variadas maneiras que foi
enumerando no seu tratado. Ao bom falante se pede que se guarde de palavras
antigas e desacostumadas caídas em desuso, como se não usam as moedas que
deixaram de circular, na certeza de que a principal virtude e requisito do uso
que delas se faça é a clareza: a clareza no significado, clareza na composição,
clareza na pronúncia (Nunes de Leão, 1784, pp.141-142).
Ao
tempo em que a matéria médica a que se referiam esses muitos e novos vocábulos
objecto do presente trabalho era comercializada e usada no dia a dia, as muitas
dezenas dos seus termos que encontramos nas nossas Farmacopeias dos séculos
XVII-XVIII eram de utilização obrigatória. Naturalmente, com o avançar da
ciência química, tornou-se um vocabulário caído em desuso, salvo algumas
excepções. A história da Língua não pode, todavia, ignorá-lo.
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autor, em 1704 e em 1716. Seguiram-se-lhe a Pharmacopea Lusitana de D.
Caetano de Santo António, editada em 1704 e reeditada em 1711, 1725 e 1754; a Pharmacopea
Uyissiponense de Joam Vigier, editada em 1716; a Pharmacopea Tubalense de Manuel Rodrigues Coelho,
editada em 1735; o Thesouro Apollíneo Galenico, Chimico e Chirurgico de
Joam Vigier, editado em 1745 que não levando também o nome de farmacopeia o é
de facto, pois se trata, como se lê no título extenso, de um “compêndio de
remédios para ricos e pobres”, contendo a “individuação dos remédios simplices,
compostos e químicos”; a Pharmacopea
Portuense de António Rodrigues Portugal, editada em 1766; a Pharmacopea
Mediana do inglês Ricardo Mead, editada em 1768 pelo mesmo António
Rodrigues Portugal; a Pharmacopea Dogmática do boticário do Convento beneditino de Santo Tirso, Frei João Jesus
Maria, editada em 1772; e, já depois da Reforma Pombalina da Universidade de
Coimbra, a Farmacopeia Lisbonense, publicada em 1785 e re-editada em
1802, a primeira farmacopeia com rótulo de oficial, organizada por Manuel
Henriques Paiva.
O manuscrito do Padre Fernão Cardim com este título foi roubado pelo
corsário inglês Francis Cook tendo ido depois parar às mãos de Samuel Purchas,
em 1601, quando o aprisionou, no seu regresso do Brasil. Tornado público por
Purchas, em inglês, encontramo-lo hoje, editado em português, em 1925, no Rio
de Janeiro, com o título Tratados da
Terra e Gente do Brasil.