Parte do meu texto do livro "O Fim do Mundo em Cuecas" (Editora Desassossego), com organização do Hugo van der Ding, que acaba de sair. Recomendo o livro por ser não só muito divertido como muito informativo. É uma óptima para dar a si ou a outros antes que o mundo acabe! O problema do fim do mundo é que depois não há mais prendas...
O
fim do mundo já foi anunciado inúmeras vezes por todo o tipo de profetas. E, no
entanto, o mundo ainda cá está. Apesar de nunca terem faltado profetas da
desgraça — neste caso, a última de todas as desgraças —, o facto é que ele,
para o bem e para o mal, permanece. O mundo tem-se revelado muito resistente.
Parece estar para lavar e durar, resistindo a epidemias, guerras e alterações
climáticas. Os profetas do fim do mundo é que têm morrido, isto é, têm tido o seu
fim do mundo pessoal. Mas, como profetizar é próprio do Homem, não faltam nem
faltarão novos profetas com novas profecias. O fim do mundo tem futuro: só no
caso, cientificamente pouco provável, de o mundo acabar é que os profetas
acabarão de vez. Nesse caso, eles nem estarão cá para se gabarem da única vez em
que as suas profecias acertaram.
Os
relatos do fim do mundo são tão antigos quanto as mais primitivas civilizações.
Logo no início da Bíblia encontra-se descrito um quase fim do mundo, baseado
numa versão judaica de um mito tão antigo quanto persistente: a história do
dilúvio contada no Génesis é, ao fim e ao cabo, um fim do mundo falhado.
E ainda bem que falhou, pois o mundo tinha acabado de nascer e ainda não tinha
mostrado o que valia. Por intervenção divina, Noé e a sua grande arca foram
salvos da gigantesca inundação. O arco-íris que apareceu a Noé no fim foi o
sinal da «velha aliança» entre Deus e o Homem, que passou a ser uma espécie de
«seguro de vida» da Humanidade.
No
final da Bíblia surge descrito o fim do mundo a sério, bem pior do que o
dilúvio universal. A história do Apocalipse, contada por S. João (ou
alguém por ele, pois S. João já tinha morrido no final do século i, quando o livro foi escrito, com base
em tradições pré-cristãs), é particularmente aterradora: quatro cavaleiros
espalham a peste, a guerra, a fome e a morte a uma escala que faz empalidecer
tudo que, desse género, temos visto até agora: só no cinema é que há coisas
parecidas. Houve «granizo e fogo misturados
com sangue, que foram lançados sobre a Terra» e também «caiu do céu uma grande estrela que ardia
como uma tocha chamejante». E a banda sonora, além dos trovões e gritos,
inclui trombetas tocadas por anjos. De facto, este fim do mundo não é bem o fim
de tudo, porque as almas humanas merecedoras de vida eterna continuarão a viver
na presença de Deus. Para os cristãos, o fim do mundo não é exactamente o fim
do mundo, apenas o início de um mundo novo e interminável.
Apresento
aqui uma breve história do fim do mundo nos tempos cristãos. No tempo contado
convencionalmente a partir da data de nascimento de Jesus Cristo (há um
paradoxo no calendário que usamos: Cristo nasceu, muito provavelmente, no ano
4. a. C.), houve, por causa dos profetas, momentos de séria preocupação com o
fim do mundo, ou pelo menos com o fim da Humanidade, que é a parte do fim do
mundo que mais preocupa os humanos.
No
século ii, o historiador e
viajante cristão Sextus Julius Africanus (c. 160–c. 240) sustentou que a
Criação tinha ocorrido em 5500 a. C. e que o fim do mundo seria no ano 500,
portanto no ano 6000. Seria marcado pela segunda vinda de Cristo à Terra. A mesma posição tomou o seu contemporâneo
Hipólito de Roma (c. 170–c. 235), que foi canonizado. Há algo de sábio nestas
profecias, como haverá noutras: a antecedência é tanta que o próprio não vai
poder saber se tinha ou não razão.
No
final do primeiro milénio houve uma enorme vaga de temor do fim do mundo. O
papa francês Silvestre II (c. 950–1003) terá celebrado a missa de Natal do ano
999 em Roma, com muita gente a pensar que o mundo ia acabar. Viveu-se um
ambiente de misticismo e pânico colectivos: perante a iminência do Apocalipse,
os cristãos arrependiam-se dos pecados que tinham cometido ao mesmo tempo que
libertavam os seus animais domésticos para que estes pudessem eventualmente
sobreviver aos donos. Sobreviveram todos, pelo que os donos tiveram de andar
atrás dos animais. Houve quem dissesse que afinal o fim de tudo deveria ser
1000 anos depois da morte de Cristo, o que adiava o Apocalipse por 33 anos.
Quem lá chegou pôde verificar que era afinal mais uma profecia baldada.
Embora
de menores proporções, uma vaga semelhante de milenarismo ocorreu nos anos
anteriores a 2000, com o medo de que o mundo acabasse na passagem de 31 de
Dezembro de 1999 para 1 de Janeiro de 2000. Eu estava lá e não vi nada de
especial, além de um maior fogo-de-artifício (eram foguetes em vez de
trombetas!). Ninguém parecia muito arrependido pelos pecados cometidos, como a
turba 1000 anos antes, nem tinha soltado os animais domésticos. De facto, a
entrada no novo século e milénio teve lugar apenas um ano depois, pela simples
razão de que um século tem 100 anos, um milénio 1000 e não houve qualquer ano
zero. Um bug no registo da data nos sistemas informáticos foi muito
anunciado e, por isso, temido, mas revelou-se um grande flop. O tempo
continuou a fluir normalmente nos relógios dos computadores.
O
papa Inocêncio III (c. 1160–1216) previu que o mundo acabaria 666 anos após a
ascensão do Islão, que segundo ele teria sido em 618: portanto, o Apocalipse
seria em 1284. Tal como muitos outros, foi sábio ao morrer antes da data
pretensamente fatídica. O número 666 é o «número da besta», um dragão de sete
cabeças que encarna o Mal, no Apocalipse de S. João. Tem, por isso, um
tenebroso significado esotérico. No ano 1666 registou-se em Inglaterra o grande
incêndio de Londres e uma epidemia de peste bubónica, o que podem ser vistos
como um apocalipse local. De facto, incêndios e pestes não tinham faltado antes
na Europa e não haveriam de faltar depois. Uma grande peste chegou à Europa,
vinda da China, em 1347, havendo quem pensasse que era o fim do mundo. E outras
haveriam de chegar: em 2019, a COVID-19, também de origem chinesa, rapidamente
se tornou global. A ressonância diabólica do 666 ainda é visível na
contemporaneidade: a Intel, em 1999, em vez do chip Pentium IIII 666, de
666 MHz, lançou o Pentium III 667.
O
matemático e astrónomo renascentista alemão Johannes Mueller de Königsberg
(1436–1476), mais conhecido por Regiomontanus, previu o fim do mundo para o ano
de 1588. Na geração seguinte, o monge reformador seu compatriota Martinho
Lutero (1483–1546), que era muito entendido na Bíblia, indicou 1600 como o limite
máximo para o mundo, um prazo com uma base teológica, mas compatível com a data
do astrónomo.
No
seu El Libro de las Profecías (escrito entre 1501 e 1502), que
parte de uma compilação de citações bíblicas, o navegador italiano Cristóvão
Colombo (1451–1506), que em 1492 tinha sido o primeiro europeu a chegar à
América (um feito que, segundo ele, estava anunciado nas Sagradas Escrituras),
previu que o mundo acabaria em 1658. Sustentou que o mundo foi criado em 5343
a. C. e duraria 7000 anos. Como não há ano zero, isso significa que o fim
chegaria em 1658. Mas Colombo não tinha a certeza: também poderia ser 1656.
Mais uma vez, esteve longe de poder assistir, pois faleceu pouco depois de
escrever o seu livro.
Alguns
astrólogos de Londres previram que haveria uma enorme cheia das águas do Tamisa
em 1 de Fevereiro de 1524, com base no alinhamento de sete planetas. Perante o
fracasso da profecia (de facto, o ano de 1524 foi muito mais seco do que era
costume), usaram uma táctica usual nestes casos: adiaram a profecia em cem
anos.
O
médico, astrólogo e vidente francês Michel de Nostredame (1503–1566), mais
conhecido por Nostradamus, escreveu o livro Les Prophécies, publicado
pela primeira vez em 1555 e ainda hoje em circulação. Numa das suas profecias,
em quadras, que entraram na cultura popular, fala de Julho de 1999 como o tempo
do «terror do céu». Os estudiosos concordam que as profecias de Nostradamus são
muito vagas, servindo bem para encaixar nas mais variadas circunstâncias e nos
mais diversos propósitos. O último eclipse total do Sol do milénio, ocorrido na
quarta-feira dia 11 de Agosto de 1999, deu alento à profecia de
Nostradamus. O fenómeno só pôde ser observado plenamente numa estreita
faixa, com cerca de 120 quilómetros, que se estendeu entre a costa oriental
americana e o Norte da Índia. Em Portugal, o eclipse foi visto como sendo parcial.
Em todo o caso, o ano do fim do século e do milénio foi, como referi,
inteiramente banal.
Os
falsos profetas foram, em alguns casos, pessoas com conhecimentos de ciência.
Houve até algumas previsões feitas por cientistas. Por exemplo, o matemático
inglês John Napier (1550–1617), inventor dos logaritmos, previu o fim do mundo
primeiro para 1688 e depois para 1700 (refez os cálculos), no livro que
publicou em 1593, A Plaine Discovery, baseado no Apocalipse de S.
João. De novo: teve o cuidado de datar a catástrofe para décadas muito
posteriores ao seu tempo de vida, já que os profetas preferem estar ausentes
quando é manifesto o seu fracasso. Há quem diga que «falso profeta» é um
pleonasmo, uma vez que todos os profetas são falsos: só por acaso acertam.
Verdadeiramente sábio foi o futebolista português João Pinto, que um dia
afirmou: «Prognósticos só depois do jogo.»
Longe
de atenuar os receios do fim do mundo, os avanços da astronomia acentuaram-nos.
O matemático suíço Jacob Bernoulli (1654–1705), descobridor do número e=2,718…
(a base dos chamados logaritmos naturais) e autor da lei dos grandes números da
estatística, previu que um cometa ia destruir o nosso planeta em 5 de Abril de
1719. Esta é uma das modalidades mais comuns de apocalipse — a queda de um
cometa ou, em alternativa, de um asteroide — mas até agora todas as previsões
desse tipo têm falhado estrondosamente. Já vimos um cometa cair em Júpiter (o Shoemaker-Levy
9, em 1994), de modo semelhante à queda da estrela no Apocalipse,
mas na Terra ainda não, até porque era preciso pontaria. E quanto aos asteroides
só têm caído, nos tempos históricos, alguns bastante pequenos e, por isso, não
muito perigosos. O maior caiu na Rússia em 1908, em Tunguska, na Sibéria. Devia
ter cerca de 50 metros e desintegrou-se numa explosão na atmosfera, destruindo floresta,
mas sem provocar uma cratera.
O
físico inglês Isaac Newton (1642–1727), que tinha um lado alquímico, teológico e
místico (por ele mantido secreto!), fez em 1704 uns cálculos do fim do mundo,
que não publicou, onde previu a sua ocorrência para o ano 2060. Não se baseou
na astronomia, mas nas profecias do Livro de Daniel do Antigo
Testamento. Ainda vamos ter de esperar umas décadas para ver se os cálculos
do autor do cálculo infinitesimal falharam. Numa base mais científica, Newton
temia que a força da gravidade pudesse colocar as estrelas em colisão umas com
as outras, imaginando por isso que seria necessária uma intervenção divina. De
facto, a regra geral no Universo é o afastamento das galáxias (agrupamentos de
estrelas; o conceito é posterior a Newton) e não de colisão, apesar de a força
de gravitação universal de Newton ser atractiva. O físico não fazia qualquer ideia
de que houve um início explosivo do Universo: as colisões galácticas, que
existem, seriam decerto mais frequentes se não tivesse havido o Big Bang,
o evento primordial que colocou o Universo em expansão. Sabemos hoje que o
Universo não é eterno para trás, mas, tudo o indica, é eterno para a frente,
isto é, existiu o Big Bang, há 14 mil milhões de anos, mas não existirá
um Big Crunch. As distâncias entre as galáxias serão cada vez maiores.
O
astrónomo e matemático inglês Edmond Halley (1656–1742), contemporâneo de
Newton (de quem, aliás, foi amigo), previu, com base nas leis de Newton, o
regresso do cometa que hoje tem o seu nome para o ano de 1758 (tinha passado em
1682 e passaria em 1759: um erro de somenos). A passagem de cometas sempre foi
associada à ocorrência de catástrofes, ainda que menores do que o total fim do
mundo. Eu já vi passar o Halley, em 1986, e nada houve de especial (bem,
nesse ano houve — coincidência — o desastre de Chernobyl e o acidente do vaivém
Challenger) a não ser, claro, a passagem do cometa, que só acontece com
um ciclo de 75/76 anos. Ele voltará, pontualmente, em 2061 e eu, para ser
franco, já não conto voltar a vê-lo. Em 1986 foi o fim do Halley para
mim…
Em
Portugal ocorreu o grande terramoto de Lisboa, em 1 de Novembro de 1755, que
foi associado ao fim do mundo. Passados seis anos, o jesuíta italiano Gabriel
Malagrida foi queimado pela Inquisição depois de garrotado, na praça do Rossio,
por dizer que se tratava de um castigo divino, sendo imperiosa uma reforma dos
costumes. Contrariava assim as visões naturalistas da catástrofe, propaladas
pelas autoridades laicas. Foi o último condenado à morte da Inquisição entre
nós, uma instituição que só acabaria em 1821. O desastre de Lisboa proporcionou
visões dignas do Apocalipse: um imponente tsunami, fortes abalos, pavorosos
incêndios, enormíssima aflição. Calcula-se que tenham morrido cerca de 30.000
pessoas no que foi até agora o terramoto mais mortífero na Europa. Vários
escritores famosos escreveram sobre a tragédia que destruiu quase por completo
uma cidade então próspera: Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e,
mais tarde, Johann Wolfgang von Goethe. Nunca Portugal tinha andado tanto nas
bocas do mundo e também nunca mais voltou a andar. Além de terem começado,
entre nós, estudos de sismologia, começou também uma acesa discussão teológica
sobre a origem do Mal. Seria Deus ou seriam os homens os responsáveis pela
catástrofe?
No
quadro da teologia, o teólogo, místico, filósofo, cientista e inventor sueco
(um polímato como já não há hoje) Emanuel Swedenborg (1688–1772) defendeu que o
Juízo Final tinha ocorrido em 1757, portanto durante a sua vida. Era graças a
esse evento que ele podia visitar os céus e conversar com anjos e demónios.
Como sobreviveu ele ao fim do mundo? Tinha sido um «fim do mundo» meramente espiritual,
ocorrido no «Mundo dos Espíritos», a meio caminho entre o Céu e o Inferno. O
sueco criou um rito maçónico baseado no Génesis e, depois dele, apareceu
a «Igreja Nova» ou «Swedenborgianismo». De certo modo é uma seita, aparentada
às muitas que pululam no mundo de hoje, algumas delas com ideias apocalípticas.
Depois
da previsão certeira de Halley, os cometas ficaram na moda. Os receios sobre a
passagem de cometas manifestaram-se de modo tão exacerbado que, em 1773, o
astrónomo francês Jérôme Lalande (1732–1807) não conseguiu apresentar na
Academia de Ciências de Paris as suas Reflexions sur les cometes que peuvent
se approcher de la Terre, porque correu o boato que aí se previa a queda de
um cometa em 20 de Maio de 1773. Foi um oficial de polícia que, para
evitar a agitação social, pediu para ver o documento. Claro que era fake
news: o polícia não encontrou nada de alarmante e mandou que o escrito
fosse imediatamente publicado para apaziguar os ânimos.
Os
escritos apocalípticos começaram no Romantismo — uma reacção artística ao
triunfo da ciência iluminista. O criador foi o escritor francês Jean-Baptiste
de Grainville (1746–1805), autor de Le Dernier Homme, saído em 1805,
pouco depois da sua morte, devida a suicídio (pode-se dizer que previu o seu
fim). Esse poema em prosa é a primeira obra de fantasia científica. Pouco
depois, a escritora inglesa Mary Shelley (1797–1851) publicava o aterrador Frankenstein
or The Modern Prometheus (1818), anonimamente, pois nesse tempo as
mulheres não tinham voz. A mesma Shelley escreveu em 1826 The Last Man, um
romance de ficção distópica na mesma linha escatológica de Grainville. A
história acaba com um homem e um cão como últimos exemplares das respectivas
espécies no ano 2100. Lembrando-nos de que se trata de uma obra ficcional,
teremos de esperar mais umas décadas para ver se ela tem alguma semelhança com
a realidade.
No
século xix, a ênfase das previsões
do fim do mundo passou a ser colocada mais na Natureza e não tanto em Deus. O apocalipse
deixou de ser religioso para passar a ser profano. Transitou para o foro da
ciência. O século xix foi o século
da termodinâmica, a ciência do calor. De acordo com a Segunda Lei da
Termodinâmica, formulada a meio desse século por três físicos, o irlandês
William Thomson (1775–1833), o britânico Lord Kelvin (1824–1907) e o
alemão Rudolf Clausius (1822–1888), a entropia ou desordem de um sistema isolado
aumenta espontaneamente. Essa é a única lei da física que permite distinguir o passado
do futuro. Maior desordem significa espalhamento de calor e impossibilidade de
o aproveitar para o trabalho de máquinas térmicas. Na segunda metade do século xix falava-se da morte térmica do
Universo, que significava o fim de todos os fenómenos físicos. O erro maior
neste raciocínio é supor que o Universo é um sistema isolado: está isolado de
quê?
Foi
também no século xix que se
começou a perceber a antiga história da Terra (a estimativa actual é que tenha
4,5 mil milhões de anos) e também a quase tão antiga história da vida (3,5 mil
milhões de anos), com os trabalhos dos naturalistas ingleses Charles Lyell
(1797–1875) e Charles Darwin (1809–1882), respectivamente autores de The
Principles of Geology (1830–1833) e The Origin of Species (1859),
obras seminais da geologia e da biologia modernas. A história natural tinha-se
desenvolvido extraordinariamente no século xviii
e passou a haver princípios organizadores: a vida tinha estado em mudança
permanente numa Terra também ela em devir constante. Em particular tinham-se
encontrado fósseis, que eram vestígios de espécies desaparecidas. Tudo levava a
crer que a extinção de algumas espécies estava associada a inundações,
explosões vulcânicas, sismos ou outros cataclismos naturais. Sabemos hoje que
os dinossauros extinguiram-se há cerca de 65 milhões de anos, no final do
Cretáceo: terá sido um grande meteorito caído na península do Iucatão, no golfo
do México, acompanhado provavelmente por um aumento da actividade vulcânica,
que alterou o clima global (a erupção do monte Tambora, na Indonésia, em 1815,
é exemplo de um evento local que causou alterações climáticas globais),
impedindo não só os grandes sáurios, como muitas outras espécies, de
sobreviver. Para eles foi o fim do mundo. O médico e naturalista francês
Georges Cuvier (1769–1832) tinha estudado as extinções documentadas pelos
fósseis, tendo proposto a ocorrência de catástrofes localizadas no espaço e no tempo.
Essas ideias catastrofistas foram
contrariadas por teses uniformistas, estando a verdade algures no meio. A Terra
e a vida sofreram uma evolução lenta com episódios dramáticos. E no futuro
poderão voltar a ocorrer situações difíceis…
Dado
o maior interesse pela ciência, começou, no século xix, a florescer a ficção científica. O francês Camille
Flammarion (1842–1925), astrónomo e grande divulgador da ciência (apesar de ser
dado ao espiritismo), publicou em 1894 o romance La Fin du Monde, que
ainda hoje está em circulação, no qual descreve uma sociedade do século xxv. No livro presta homenagem a
Grainville, reconhecendo-o como predecessor. Noutros escritos de divulgação,
Flammarion previu que a reaparição do cometa Halley em 1910 impregnaria
quimicamente a atmosfera, «extinguindo eventualmente a vida no planeta». Nessa
época vendiam-se «pílulas do cometa» para proteger contra gases tóxicos. O
facto de a ciência ter passado a compreender melhor as catástrofes naturais não
impediu os temores apocalípticos por parte do público. Também em Portugal se
temeu o Halley, que apareceu meses antes da instauração da república.
Em
1945, a Segunda Guerra Mundial terminou com um fim do mundo localizado nas
cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui, cuja origem foi a libertação da
energia nuclear do urânio e do plutónio. A Guerra Fria que se seguiu baseou-se
no equilíbrio do terror: a paz foi mantida para evitar o Apocalipse. No final
do século xx, o astrofísico e
divulgador de ciência norte-americano Carl Sagan (1934–1996) preocupou-se com o
apocalipse que podia advir de um conflito nuclear, que ele pensava ser possível
no cenário das Star Wars desenhado por Ronald Reagan. Sagan estudou o «Inverno
nuclear», isto é, as alterações climáticas globais após o uso maciço de armas
nucleares.
Hoje
em dia vivemos com o receio de um desastre ambiental, uma ideia de que, de
certo modo, foi pioneira a bióloga e ambientalista norte-americana Rachel
Carson (1907–1964), autora de Silent Spring (1962), ao alertar para os
riscos que a actividade humana coloca ao ambiente. O principal risco vem do
sobreaquecimento do planeta em resultado da emissão de gases com efeito de
estufa, principalmente o dióxido de carbono. Vários relatórios do Painel
Internacional das Alterações Climáticas (IPCC), organismo das Nações Unidas
criado em 1988, documentam a situação e traçam cenários futuros. Este eventual
fim do mundo tem tudo que ver com a ciência e a tecnologia, uma vez que resulta
de uma civilização de base científico-tecnológica.
(,,.)