quarta-feira, 2 de agosto de 2023

EÇA NO PANTEÃO NÃO TEM ADESÃO

 Por Eugénio Lisboa

Somos um país de modas mais ou menos efémeras. De vez em quando, descobrimos uma moda nova e pomo-la de serviço, sem rei nem roque. 

Durante décadas e décadas, ninguém se preocupou com o Panteão, nem sequer se lembrou de que ele existia. Mas quando alguém se lembrou dele, já nem sei a propósito de quê ou de quem, o Panteão passou a ser o prato de arroz doce de todos os banquetes culturais. Estar ou não estar no Panteão, eis a questão. Quando uma personalidade de algum destaque cultural, científico, desportivo, militar ou político morria, aqui d’El-Rei que deve ir para o Panteão. À falta de melhor manjar, a comunicação social pegava neste e os opinantes ganhavam o dia. Tema qualquer serve, como diria a grande Irene Lisboa. 

Propunha-se levianamente despachar para aquele sítio feioso e pouco acolhedor os restos mortais de alguém, sem realmente se ter em conta se esse teria de facto sido um desejo do falecido ou dos seus próximos, em representação dele. Ora não é difícil supor que um Pascoais preferiria, de longe, ficar no Marão, um Régio, em Vila do Conde, um Ferreira de Castro, em Ossela ou Sintra, um Camilo, em S. Miguel de Seide ou Porto, um Torga, em S. Martinho de Anta e um Eça, em Tormes. Isto, para dar só alguns exemplos.

Se a autorização final deve caber ao Parlamento, a iniciativa da trasladação deve competir aos familiares, em consulta com os conhecedores profundos da obra e das idiossincrasias do falecido. 

Pensar que o Panteão é o desejo ardente dos notáveis é ignorar o enorme poder de atracção que outros locais, carregados de magnetismo emocional, possam ter tido para o ilustre falecido. Por exemplo, ser enterrado na terra natal, ou na terra em que se foi feliz ou junto do companheiro ou companheira de toda uma vida. Tais sítios são pólos de atracção muito mais poderosos do que um Panteão álgido, hostil e escassamente visitado. 

Um Panteão, perdoem-me a franqueza rude, é mais um depósito pouco atraente do que um lugar aprazível, para final de percurso. A grande maioria dos grandes de França não se encontram sepultados no Panteão, estão no Père Lachaise ou noutros cemitérios onde preferiram ficar sepultados.

Esta gritaria recente, para se enviar Eusébio, Amália, Sophia, para o Panteão, faz parte do nosso irredimível provincianismo, que não é capaz de ver para além de falsos cenários. Em Portugal, quando verificamos TODAS as personalidades de alto relevo, que nunca tiveram lugar no Panteão Nacional, apetece mesmo lá não estar. 

A anunciada e próxima futura trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós para o Panteão Nacional é uma perfeita aberração e, ao que sei, não obteve a devida aprovação de quem de direito. Foi uma ideia oportunista e provinciana de alguém que é hoje ministro e que provavelmente conhece mal a obra e a personalidade do autor de O CRIME DO PADRE AMARO, mas conhece bem a arte de se tornar visível, à boleia de uma péssima ideia. 

No Panteão de Paris, estão apenas os restos mortais de 75 personalidades, e a esmagadora maioria dos grandes escritores franceses não está lá. Dos escritores do século XX está lá só UM, André Malraux, e não estão lá Anatole France, André Gide, Marcel Proust, Henry de Montherlant, Romain Rolland, Paul Valéry, Paul Claudel, Colette, Georges Duhamel, Roger Martin du Gard, François Mauriac, Julien Green, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Aragon, Jean Giraudoux, Marcel Aymé, Maurice Barrès, Antoine de Saint-Exupéry, Jean Anouilh, Raymond Queneau, Jacques Prévert, Jules Supervielle, Saint-John Perse, Jean Giono, Georges Simenon, etc. 

NÃO ESTAR no Panteão está portanto longe de ser uma humilhação ou apenas razão de melancolia. Digamos que a melhor companhia até está cá fora e é cá fora, em Tormes, que Eça deve ficar. E ficará muito bem: estou certo de que assim o diria, se pudesse falar. 

Eugénio Lisboa

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