Por Eugénio Lisboa
O comunismo, como todas
as religiões reveladas,
é largamente feito de profecias.
H. L. Mencken
é largamente feito de profecias.
H. L. Mencken
O que o grande humorista americano disse do comunismo pode também dizer-se de muita linguagem alegadamente crítica, que grassa em meios intelectuais, dentro e fora das universidades. Em vez de uma prosa lavada, escorreita e isenta de miasmas oraculares, uma prosa que visa iluminar e não obscurecer, temos, frequentemente, um delírio obscurantista, que tenta iluminar um quarto escuro, apagando a luz e mergulhando-o numa triunfal escuridão.
A prosa de Agustina é muitas vezes – demasiadas vezes – desta natureza obscurantista, sibilina, fazendo supor grandezas abissais, onde se encontra apenas o delírio do arbitrário. E o escrever sobre Agustina convoca, um igual número de vezes, uma prosa crítica que nada ilumina, antes obscurece mais o já de si obscuro. Também se chama a isto “linguagem”. Eu prefiro pensar que a linguagem serve para esclarecer e não para confundir.
Como dizia António Sérgio, com aquela intrépida inteligência que ainda hoje lhe não perdoam os cultores e amantes da prosa arrebicada, um eclipse do sol é uma obscuridade, mas a explicação científica de um eclipse deve ser uma claridade.
Um bom professor deve ser um senhor que esclarece e não que obscurece. Os grandes e lendários professores, como Ortega y Gasset ou Bergson, enchiam as suas aulas até à rua, com a sua linguagem lavada, despretensiosa e sedutora. Por outras palavras, enchiam as salas e as almas de luz.
Quando deparo, por todo o lado, com fraseado delirante que aspira a frenesi mais ou menos oracular, desanimo, quanto ao futuro do milieu intelectual lusíada. Ainda hoje, num artigo dedicado ao centenário do grande poeta Mário Cesariny, num prestigioso diário lisboeta, leio isto e empalideço:
“Quando olhamos as suas pinturas, sabemos que há nelas um segredo sagrado e uma potência electromagnética que as torna ímanes do Deus desmedido que apenas se aproxima de nós – e existe – naquelas cores que o fazem nosso ou naquelas formas que o fazem dele.”
Se, a partir deste arrazoado frenético e epilético, alguma coisa se fica a saber da pintura de Cesariny e do que nela podemos encontrar, agradeço o favor de mo explicarem, mas em linguagem que me não ponha a mim epilético.
Cada vez mais a linguagem crítica prevalecente anda mais preocupada com espanejar-se, “criativamente”, do que com esclarecer empenhadamente o objecto estudado. Em tomar de assalto o palco que, de direito, lhe não pertence.
Pede-se humildade: entender e fazer entender. Acrobacias parolas de linguagem não ajudam.
Eugénio Lisboa
5 comentários:
Concordo totalmente com o que diz Eugénio Lisboa. Mas, há sempre um "mas", o uso do termo "epilético" para sublinhar o "frenético" é, além de deselegante, errado. As "pessoas com epilepsia" não são assim! Procurando esclarecer ou iluminar os vossos leitores, permitam-me recomendar a leitura das minhas "Crónicas", um livrinho de distribuição gratuita, descarregável daqui https://1drv.ms/b/s!AnJ_gG_nBTqCpUJxvbt8z_RrUUX6?e=C8Vmlv
O Eugénio Lisboa merece sempre leitura atenta, para estímulo e benefício de quem o lê, sendo um dos seus merecimentos mais óbvios saber escrever sem concessões e sem frouxidão a certos gregarismos proselitistas que, tradicionalmente, se designavam por capelas, freguesias, famílias, confrarias, amiguismos, compadrios, partidos, seitas, movimentos, clubes, grupos de influência, propagandistas, pregadores, fazedores de opinião, panfletários, pregoeiros, enfim, vendedores de água fresca em feiras de verão.
A minha avó, analfabeta, mas excelente pessoa, humilde e insubmissa, não tinha tempo a perder com esses prestidigitadores e mandava-os apanhar vento fresco. A missa em latim é que ela não dispensava.
Acompanhei-a bastantes vezes a missas e cerimónias religiosas em latim, que a deixavam beatificada ao ponto de eu também me sentir transportado para outra dimensão e lamentar o regresso a casa. E nunca precisamos de saber traduzir aquela música para a nossa língua.
Aliás, quando as missas e as cerimónias religiosas passaram a ser em português, muitos paroquianos perderam o sentido do sagrado e do mistério que as envolvia, como se, de repente, o sagrado e o mistério deixassem de existir. Onde havia, pelo menos dois mundos, de repente, passou a haver apenas um, e não era o mais interessante. Os próprios sacerdotes coravam como se, fora do latim, aparecessem despidos.
Sempre aprendi muito a lembrar esses tempos dos meus avós, mais talvez do que suporiam eles próprios.
A minha avó podia ter aprendido muito com esses vendedores ambulantes, espécie de nefelibatas a quem ela, depreciativamente, mandava apanhar vento fresco. É que, ao contrário da minha avó, que era analfabeta, eles sabiam muito, eram muito sabidos. Tudo isto parece estranho e contraditório, mas tem a ver com as linguagens.
Para um carpinteiro profissional é muito mais fácil fazer uma cadeira do que explicar e ensinar a fazê-la.
Poucos carpinteiros profissionais aceitariam o trabalho de ensinar a fazer cadeiras.
Caro Rosalvo, tem toda a razão, nem eu me meteria a fazer diagnósticos, ceifando em seara alheia. Mas compreenderá que o meu "epilético" é uma metáfora e não um diagnóstico médico. De qualquer modo, agradeço-lhe o comentário sereno e informativo.
Caro Carlos Ricardo Soares, é sempre bom ler um comentário sereno, bem educado, inteligente e oportuno, sem preconceitos de qualquer ideologia que tudo vicia e desconversa, à partida. Ver um soneto sobre a infinitude do universo ou sobre as contradições da condição humana lido à luz dos malefícios do capitalismo, confesso que me deixa confuso, perturbado e desiludido. Pergunto: valerá a pena escrever para um público que não sabe ler ou que não quer saber ler? Um público que não está minimamente interessado em poesia, mas apenas em vender o peixe estragado de uma qualquer ideologia? Será possível um diálogo frutuoso com quem só quer desconversar, ou catalogar, em vez de compreender? Em ver burgueses decadentes ou malfeitores escondidos no armário ou debaixo da cama?
Aconselham-me e eu, às vezes, também me aconselho a não responder. Porém, embora o desprezo de um silêncio possa ser eficaz, custa-me exercer o direito a esse desprezo, porque não gosto de desprezar. E, por outro lado, sempre gostei de esclarecer. O facto, todavia, é que, para o esclarecimento se tornar efectivo, é preciso boa fé da parte de quem argumenta. Querer compreender não é o mesmo que "querer ganhar a todo o custo". Um combate de ideias pode e deve ser leal e, sobretudo, não deve fazer-se arguindo com "clichés".
Mais uma vez, muito obrigado.
A verdade às vezes gera ódio.
Terêncio
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