sexta-feira, 4 de agosto de 2023

MODOS DE MORRER ou NEM TODAS AS MORTES SÃO SUAVES OU GLORIOSAS

Por Eugénio Lisboa

Depois de uma vida gloriosa, de poeta, dramaturgo, romancista ou filósofo, seria de justiça uma boa morte, cheia de luz e serena ou dramática beleza. Infelizmente, os deuses são, por vezes, estupidamente brincalhões e acabam por não ter graça nenhuma. 

Vejamos só alguns dos muitos exemplos que há. Dou também o exemplo de Mark Twain, por ser muito curioso, embora, neste caso, o desejo do autor tenha sido satisfeito e tenha tido uma morte muito interessante. 
O poeta grego Anacreonte morreu, engasgando-se numa semente de uva. 
O poeta grego Terpander encontrava-se a cantar uma das suas canções, quando alguém lhe atirou um figo, que lhe foi entupir a traqueia. Morreu engasgado, o que é totalmente desajustado a quem sempre viveu da palavra e para a palavra. 
Luciano “O Blasfemo” morreu à boca raivosa de uma matilha de cães, diz-se que devido à sua irreverência religiosa. 
O grande dramaturgo grego Eurípedes também morreu retalhado por cães raivosos, embora haja quem opte por outra versão: teria morrido às mãos de um colectivo de mulheres furiosas, devido a uma das suas peças de teatro. 
Heráclito teve uma morte mal cheirosa, quando se cobriu com excremento de vaca, para se aquecer e secar. 
O conhecido historiador grego Políbio morreu aos 82 anos, por ter caído desastradamente de um cavalo. 
O dramaturgo Menandro, nadando no Pireu, teve um ataque de caimbras e morreu afogado. 
O escritor romano Lucrécio endoideceu por ter tomado um afrodisíaco e suicidou-se. 
Depois de ter escrito um tratado sobre os prazeres do palato, o poeta romano Quintus Ennius morreu de gota.
O poeta chinês Li Po (c. 700-762) caiu de um barco e afogou-se, quando tentava beijar o reflexo da lua na água. 
O dramaturgo e poeta Ben Jonson (1572-1637) disse que queria ser enterrado “de pé”. O rei James I tomou-o à letra e Jonson encontra-se enterrado de pé, na Abadia de Westminster. 
Molière morreu poucas horas depois de ter representado o papel de um hipocondríaco. Durante a peça, cuspiu sangue, mas continuou galhardamente a representar. A peça era sua e intitulava-se LE MALADE IMAGINAIRE. 
O grande poeta russo Alexandre Pushkine morreu, como se sabe, em duelo. 
Também morreu em duelo outro poeta russo, Lermontov, que, inspirado por Pushkine, escrevera o poema SOBRE A MORTE DE UM POETA. 
O grande romancista inglês, William Thackeray, autor, entre outros romances, de A FEIRA DAS VAIDADES, morreu por ser glutão. 
O grande ficcionista e humorista americano Mark Twain nasceu em 1835, ano em que apareceu o cometa Halley e morreu, tal como previra e desejara, quando o cometa reapareceu em 1910. Entretanto, escrevera: “Será o maior desapontamento da minha vida, se eu não me for embora com o cometa Halley. Tenho a certeza de que o Altíssimo disse: ‘Ora aqui estão dois irresponsáveis malucos: apareceram juntos, devem desaparecer juntos’.” 
O poeta revolucionário russo Sergei Esenin (1895-1925) cortou os pulsos, escreveu um poema com o seu próprio sangue e, depois, enforcou-se.
Eugénio Lisboa

2 comentários:

APS disse...

Eugénio de Andrade também não teve sorte com o seu lento e longo declínio.

Eugénio Lisboa disse...

Há, evidentemente, muito mais casos. citei só alguns. As mortes, ou são todas um escândalo, ou a coisa mais natural do mundo. Mas diferem, no seu formato. Foi só para isso que chamei a atenção. Lamentei profundamente a longa agonia de Eugénio de Andrade, enorme poeta.

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