Meu artigo na revista HAJA SAÙDE dos estudantes de Medicina na Universidade do Minho:
A pandemia da COVID-19, devida ao coronavírus
SARS-CoV-2, é uma das maiores epidemias dos últimos cem anos. No século XXI
tivemos, por ordem cronológica: em 2002-03, o SARS – Síndroma Respiratório
Agudo Severo, surgido na China, causado pelo SARS-CoV-1, que originou cerca de
800 mortos; em 2009-11, a gripe A ou suína, causada pelo H1N1, que pode ter provocado
meio milhão de vítimas mortais em todo o globo; em 2012, o MERS – Síndrome
Respiratória do Médio Oriente, em 2012, causado por um outro coronavírus, resultou
num número de mortos semelhante ao do SARS; em 2014-16 o Ébola, devido
ao vírus homónimo, causou
cerca de 11.000 mortos na África Ocidental. Em Portugal, circularam as notícias
de todas essas pandemias, mas quase todas elas se passaram em geografias
suficientemente distantes para não nos suscitarem grande inquietação. De facto,
só a gripe A foi uma pandemia. Causou algum susto em Portugal, mas só provocou
122 mortes, tendo sido inútil uma grande aquisição de antivirais.
Todas estas epidemias anteriores não tiveram
a letalidade de algumas epidemias do século XX. Há que destacar pela letalidade
as várias ondas de gripe: em 1918-19, «gripe espanhola» (um nome impróprio,
pois ela provavelmente teve inicio nos EUA), devida ao H1N1, que originou mais
de 50 milhões de mortos; em 1957-58, a gripe asiática, devida ao H2N2, com mais
de um milhão de mortos; e, em 1968-70, a gripe de Hong Kong, devida ao H3N2,
com um milhão de mortos. Acresce, desde 1981, a SIDA, devida ao vírus HIV, com
mais de 30 milhões de mortos em todo o mundo até hoje, uma doença do sistema
imunitário que, apesar de os seus efeitos estarem actualmente muito limitados por
campanhas preventivas e tratamentos inovadores, continua a fazer vítimas.
Em Portugal, a “gripe espanhola”, aqui
dita pneumónica, causou 135.000 mortos, um número significativo numa
população bem menor do que a de hoje. Foram três as vagas, a mais letal foi a
segunda, ao causar uma sobrereacção do sistema imunitário de jovens entre os 25
e 35 anos. A gripe asiática, vinda de Moçambique, vitimou entre nós 2050
pessoas. Mais do que a gripe de Hong Kong. A SIDA, que teve o primeiro caso
português em 1983, já causou entre nós mais de 11.000 mortos.
Na história mais antiga houve pandemias
ainda mais assustadoras. Vinda da China, chegou à Europa em 1347-51 a peste
negra, devida à bactéria Yersinia pestis, que causou cerca de 200
milhões de mortos. Esse flagelo voltou depois a eclodir por várias vezes, caso
da “terceira praga” na China em 1855. Uma outra doença terrível foi a varíola,
causada pelos vírus Variola majoris e minor, que surgiu em vários
surtos ao longo da história, com mortalidade difícil de estimar (mas, só no
século XX, causou mais de 300 milhões de mortos). Grassaram ainda: a cólera, com
meia dúzia de surtos entre 1817 e 1923, devida à bactéria Vibrio cholerae,
que causou mais de um milhão de mortos e continua a causar; a tuberculose, com
grande incidência no século XIX, devido à bactéria Mycobacterium
tuberculosis identificada em 1822 pelo alemão Robert Koch, que causou e ainda
causa muitas mortes anuais; e a gripe russa, em 1889-1890, devida ao H2N2, com um
milhão de mortos. E houve outras epidemias: o tifo, a poliomielite, o sarampo,
etc.
Em Portugal, a peste negra chegou em 1348
e ressurgiu várias vezes. Uma das últimas foi no Porto em 1899, levando ao
afastamento para Lisboa do médico Ricardo Jorge, que tinha preconizado um
cordão sanitário, e vitimando na flor da idade um outro médico famoso, Luís Câmara
Pestana. A varíola tem uma ampla história entre nós, incluindo um surto
coincidente com a pneumónica. A cólera teve entre nós vagas em 1833 e 1855-1857.
A nossa ciência e os nossos serviços de
saúde cresceram extraordinariamente à medida que aumentava o nosso conhecimento
dos microorganismos e da sua acção no nosso organismo. A medicina experimentou
um progresso contínuo: nos comportamentos (o distanciamento social, as máscaras
e a higienização já se usavam na gripe espanhola), nas vacinas e nos fármacos.
As vacinas tiveram um impressionante sucesso. O inglês Edward Jenner foi
pioneiro ao criar a vacina da varíola em 1796, que permitiu erradicar a doença em
1980. A vacina da BCG – Bacilo de Calmette e Guérin, dois franceses –
restringiu a tuberculose a partir de 1906. A vacina da pólio, devida ao
americano Jonas Salk, tem diminuído a poliomielite desde 1955 E a vacina do sarampo,
de 1963, eliminou esta doença em muitos países – tendo regressado só pela acção
perversa dos movimentos anti-vacinas.
Aprendemos muito ao longo da
história. Hoje, na luta contra a COVID-19, estamos em muito melhor posição para
vencer uma pandemia. Foi o conhecimento do código genético e da maquinaria
molecular dos seres vivos que nos permitiu fabricar tanto testes moleculares
como vacinas inovadoras baseadas no m-RNA. Os testes foram quase imediatos ao
aparecimento da doença e a vacina demorou escassos dez meses. Estes avanços
dão-nos uma enorme esperança.
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