quarta-feira, 3 de junho de 2020

HISTORIOGRAFIA ANTIJESUÍTICA EM PORTUGAL ANTES DA RESTAURAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS



Texto de José Eduardo Franco e meu, que constitui um dos capítulos do livro (com excelente design das Edições Esgotadas) FRANCO, José Eduardo ; VENTURA, Ricardo, coords. - A Sombra dos Demónios. Para uma história da cultura em negativo. Vol. 0 do Dicionário dos Antis. Lisboa: Edições Esgotadas, 2020, ISBN 9789899015050, p. 93-106.

        A história da Companhia de Jesus (doravante Companhia) está ligada à História de Portugal dos últimos 500 anos. Portugal foi a primeira monarquia a acolher e a patrocinar, através do Rei D. João III, a novíssima Ordem de Santo Inácio. Em terras lusitanas a Companhia encontrou espaço para uma afirmação fulgurante. Aqui se fundou a primeira província da Ordem em 1546 e no padroado português, espalhado por quatro continentes, multiplicaram-se as suas obras com a rápida criação de dezenas de colégios e missões. A Companhia tornou-se a ordem religiosa mais influente na corte e na alta nobreza, passando a fornecer confessores e conselheiros à família real e às famílias mais poderosas. Mas, por ironia da história, também foi a monarquia portuguesa que, em 1759, pela mão do Marquês de Pombal, iniciou a sequência de expulsões dos Jesuítas que culminariam na sua extinção universal pelo Papa Clemente XIV em 1773.

        Os Jesuítas atraíram desde cedo admiradores incondicionais; mas, por outro lado, o seu fulgurante sucesso gerou uma corrente de adversários que viam na ação da Companhia um factor de atraso e de ruína do país. Esta relação de amor-ódio reflecte-se na historiografia. Até ao século XX, é dificil encontrar avaliações equilibradas ou moderadas sobre o legado dos Jesuítas. Se quisermos hoje estudar a Companhia, necessitamos de realizar dois auto-exorcismos: o do demónio do encantamento pela organização, eficácia e obra dos Jesuítas, impingido pelos livros filojesuíticos, e o do demónio da acusação da sua ação perversa, inculcado pelos mananciais de literatura anti-jesuítica que deixaram estereótipos na cultura lusitana. É necessária uma ascese intelectual para abrir caminho a uma história crítica que nos distancie da história partidária ou história tribunal, que dividiu a historiografia portuguesa desde o Marquês de Pombal até ao século XX.[1]

        O mito jesuíta tornou-se um dos mais significativos da cultura portuguesa, congénere do mito internacional. Os seus primeiros mentores foram eclesiásticos. No Iluminismo, a tradição antijesuítica foi desenvolvida empenhadamente pelos adversários regalistas da supremacia do poder papal, para, depois, no Liberalismo e no Republicanismo, ser herdada pelas elites culturais de filiação laica e anticlerical. Nas bibliotecas e arquivos portugueses e estrangeiros, encontramos mananciais de documentação antijesuítica. A grande dificuldade está em traçar a fronteira entre o que é história e o que é literatura, pois há obras que se apresentam como de investigação histórica, mas que não passam de ficção.

        O mito negativo criado pela documentação antijesuítica inscreve-se no género mais amplos dos mitos conspiracionistas (v.g., complots templário, judeu, maçónico), desenvolve uma figuração do jesuíta como o Outro, não um estrangeiro normal, mas alguém alheio a qualquer fidelidade a não ser à sua instituição, considerada uma "máquina" geradora da ruína das nações. que visaria instalar o domínio universal da Companhia. O mito da conspiração, multipresente nas sociedades ocidentais, é um sistema de interpretação da história, no quadro do qual esta se reduz a um só princípio explicativo [2]. O mito antijesuíta, assente no receio de uma poderosa instituição de obediência ultramontana, teve em Portugal como fundador Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (doravante Pombal). Ele forjou nos seus catecismos antijesuíticos a imagem negra dos Jesuítas, dados como conspiradores. Pombal investiu na tradução desses livros nas principais línguas a fim de propagar às monarquias europeias a sua campanha contra a instituição que ele via como uma doença contagiosa corruptora da sociedade. Chamamos antijesuitismo pombalino à corrente de pensamento e de acção política que levou ao combate a uma instituição considerada chave da leitura histórica do reino.

         Na abundante literatura antijesuítica portuguesa encontram-se tratados históricos, romances, pareceres governamentais, relatórios, narrações de viagens, leis estatais, representações dos povos, tratados apologéticos, polémicas, compilações e recompilações, catecismos, tratados teológicos, sátiras, poesias, tratados jurídicos, teses académicas, editais, pastorais, sermões, programas partidários, folhetos de propaganda, conferências, crónicas jornalísticas, peças teatrais, cantigas, anedotas, orações, gravuras,caricaturas, etc. Este conjunto está marcado psicologicamente pela fobia e socialmente pelo combate contra um inimigo que se imagina em todo o lado. A posterior escola antijesuíta reeditou as teses pombalinas, enriquecendo-as com adaptações e acrescentos. Ela foi, como é natural, objecto de um forte contra-ataque dos Jesuítas. Os historiadores da Companhia elaboraram um conjunto de obras onde arrolaram documentação para desautorizar a visão oposta. Esta historiografia, que corrige muitos erros históricos dos adversários, não se exime, porém, de uma marca filojesuítica. Nelas a imagem negra da Companhia é interpretada como lenda e não como mito. A análise da imagem antijesuítica como mito é, porém, mais adequada ao seu entendimento. O estudo na perspectiva lendária torna toda a campanha antijesuítica um mero processo de falsificação, prestando-se à instrumentalização típica da história tribunal. O entendimento da imagem dos Jesuítas como mito leva-nos à compreensão do significado histórico de uma desfocagem, valorizando menos a destrinça entre o verdadeiro e o falso do que a função sociopolítica e cultural do processo de mitificação.

        A importância do mito de complot jesuítico de matriz pombalina está menos no facto de ter criado uma imagiologia mítica como construção teórica, mas mais em ter, pela força desse mito, urdido uma mentalidade antijesuítica, que reagia contra os sinais, configurações e modelos condenados por essa matriz mítica. A cultura e mentalidade antijesuíticas passaram a disseminar-se cada vez mais nas elites que lutavam contra o statu quo. Essas correntes usavam os clichés oferecidos pelo mito jesuíta, contra o regresso dos Jesuítas, ou contra manifestações da velha ordem social. O mito do jesuitismo tendeu a estilizar-se, sedimentando-se culturalmente, como explicação de um mal simplificado, determinando uma forma de reagir contra um adversário temido[3].

        Embora tenha herdado uma tradição antijesuítica, Pombal inaugurou um tempo novo ao criar uma escola ideológica. Reelaborou essa tradição, dando-lhe coesão e conteúdo para justificar as medidas de combate à Companhia. O seu esforço de estruturação exaustiva de uma visão destes religiosos, condensado em obras paradigmáticas, confere-lhe o estatuto de pai do mito dos Jesuítas. O jesuitismo, entendido como uma filosofia de acção, explicava tudo o que de negativo tinha acontecido no país desde a entrada da Companhia em Portugal. O antijesuitismo, com Pombal, deixa de ser um conjunto de manifestações esparsas, que careciam de unidade doutrinal e de eficácia. Agora, o mito, com toda a sua força simbólica e mobilizadora, emerge como um modelo explicativo global. Ele instaura uma leitura do passado que justifica as reformas do absolutismo iluminado. O mito cinzelado pelo poderoso ministro de D. José sustenta e orienta o programa político do governo.

        Pombal tornou-se uma das personagens mais controversas da história portuguesa em boa parte pela perseguição que moveu aos Jesuítas e, ligada a esta, pelo desenvolvimento de uma política regalista que conduziu à subalternização da Igreja em relação ao Estado. As explicações unilaterais dividiram, num passado não muito distante, os historiadores que se deixaram imbuir por visões ideologizadas. Os campos extremaram-se, vendo-se de um lado os autores simpatizantes do antijesuitismo a valorizarem Pombal e do outro os filojesuítas a criminalizá-lo[4]. Procuraremos desmontar o mito pombalino analisando o universo cultural, político e social, no qual ele foi construído, procurando descortinar o conjunto de motivações, oportunidades e necessidades que permitiram a emergência do complot jesuítico. Este processo ideológico. com consequências culturais de longa duração em Portugal, não pode ser visto como um mero resultado do mau carácter do ministro, mas sim, e acima de tudo, no contexto de um confronto de paradigmas culturais e políticos. O nosso fito hermenêutico será o de conhecer as motivações, compreender os problemas e analisar as soluções ensaiadas historicamente, de modo a contribuir para o cumprimento da função da História como alargamento do campo da consciência.

        Pombal sistematizou eficazmente o descontentamento em relação aos Jesuítas, surgido no Brasil. No longo reinado de D. João V, duas figuras contraminaram a influência dos Jesuítas na corte, caucionando os interesses dos colonos. Uma foi um antigo governador, Bernardo Pereira de Berredo, que desvalorizava os aborígenes. A outra foi Paulo da Silva Nunes, antigo colaborador de Berredo, que reclamou com veemência a secularização das missões. O conflito acabou por recrudescer na primeira metade do século XVIII. Um outro grande crítico dos Jesuítas foi Diogo de Conceição, que atacou, em 1738, numa petição ao monarca o sistema das missões jesuítas. Como solução reiterou a proposta de Silva Nunes de entrega das missões ao clero secular. Os Jesuítas contiveram a corrente que disputava o controlo das suas zonas de influência, mas não por muito tempo. Não conseguiram manter inclinado a seu favor o fiel da balança da corte, uma vez que os colonos acabaram por ver satisfeito o seu desejo de banir os Jesuítas. A desgraça dos Jesuítas que atingiu o seu cume com a expulsão pombalina foi o coroar de uma tendência que se vinha acentuando. O braço de ferro entre Jesuítas e colonos colocava em confronto o projecto dos colonos, que viam no esclavagismo o meio de viabilizar economicamente o território brasileiro, e os Jesuítas, que valorizavam as questões pastorais.

         A Companhia cedo percebeu que a missionação brasileira tinha contornos especiais: as comunidades locais exigiam uma estratégia de aproximação intercultural. Assim, a Companhia quis ir mais além do que o simples exercício do culto, em nome do seu programa de transformação dos homens e das sociedades. E, com o seu pragmatismo, concluiu que precisava do poder político e económico, enredando-se com isso em dilemas que os seus adversários exploraram. Não poucas vezes, para levar avante os seus projectos missionários, os Jesuítas tiveram que escolher entre expandir a missionação, o que implicava a aceitação de propriedades e a utilização de escravos, ou abdicar dessa expansão. Optaram pela via da actividade comercial de modo a sustentar a sua empresa religiosa. Seria difícil que a sua acção deixasse de incomodar uma vez que mexia com interesses no terreno. A questão económica esteve sempre no centro das controvérsias antijesuíticas no Brasil. As controvérsias de que os Jesuítas foram alvo no Brasil inocularam uma visão negativa da Companhia, que Pombal saberá usar como um espantalho para explicar os males do reino e do império.

        Para compreender o antijesuitismo de Pombal temos de olher para a dialéctica pombalismo-antipombalismo. Condicionadas pela campanha antijesuítica pombalina, muitos dos estudos sobre Pombal enfermam ideologicamente. Encontra-se tanto o maior elogio como a mais feroz crítica. Compreende-se, portanto, o pedido de Marc Bloch aos historiadores portugueses: «Pombalistas, antipombalistas, dizei-nos tão-somente quem foi Pombal»[5]. Este é um dos períodos mais marcado por «interpretações ideológicas da história», dividindo opiniões e perspectivas de recomposição do passado[6]. Devemos despir a roupagem ideológica e tentar desbravar as motivações profundas que permitam entender o mito criaado pelo pombalismo. Procuraremos fazê-lo num quadro de uma mudança da mentalidade política e social: é necessário discernir quais são «as forças sociais em presença», assim como «os meios disponíveis» e «os projectos que se desenvolviam»[7]. Além disso é necessário caracterizar a filosofia política que esteve na base da acção do Marquês.

        Não serão de desprezar as causas temperamentais da pertinácia persecutória do Marquês de Pombal. Como também não serão de desprezar as motivações económicas, dado que «a ordem inaciana possuía, em Portugal e seus domínios, grandes bens e «o erário régio encontrava-se carente, por vezes mesmo exausto e era necessário preenchê-lo»[8]. Mas o que legitima estas razões é o sistema político-ideológico que lhes subjaz e que é, aliás, alegado para justificar o programa de governo. Este ideário político exprimia-se na utopia pombalina: a reforma da nação portuguesa pelos padrões europeus, a fim de curar a frustação colectiva vinda após a gesta dos Descobrimentos. A Companhia foi elegida, no quadro deste ideário utópico-político, para ser a contra-utopia[9] explicativa, condensando a negatividade a combater. Mas este ideário utópico brota de uma teoria da natureza e do exercício do poder que orienta um projecto e uma prática política. Na questão do poder, ou melhor na razão política nas suas relações com o religioso, reside a chave para compreender o mito jesuíta.

    Obras do antijesuitismo pombalino 

        Diversos escritos se orientaram, sob o patrocínio de Pombal, para promover a política antijesuítica do Estado. Os enunciados do mito jesuíta estruturam as principais obras dessa literatura antijesuítica. Eles desdobram-se repetidamente [10], de forma quase invariável.

        Na documentação antijesuítica surgida sob a inspiração e supervisão de Pombal, sobressaem cinco obras que estabelecem o mito, apresentando o seu significado, enumerando os argumentos e definindo um estilo. Nelas se enunciam as razões do combate a uma ordem apresentada como detentora de um poder hiperbolizado, situada no lado negro da história. Todas elas são perpassadas pela obsessão antijesuítica que constitui os Jesuítas como a causa diabólica dos males nacionais. Estes libelos, que estruturam e sistematizam a doutrina na base do mito, têm todos o timbre de Pombal. O ministro tinha ao seu serviço uma equipa de intelectuais bem preparados, que muniram os seus livros com prolixa aparelhagem erudita, casuística e argumentativa, embora tivessem vindo a lume quer de forma anónima, quer com nome emprestado, quer ainda com autoria institucional, quer dizer, escondendo a influência do Marquês. Mas a unidade autoral que a unidade estilística e ideológica denuncia é confirmada por testemunhos históricos. Mesmo que Pombal não tivesse sido o redactor dessas obras, foi decerto o seu mentor, num serviço que para ele era de combate patriótico a um mal nacional. A retórica destinava-se a convencer os leitores da maldade dos Jesuítas, carregando-os com as cores mais negras.

    Relação abreviada


         A primeira obra fundadora do mito jesuíta pombalino foi um opúsculo publicado em 1757 no rescaldo da execução do Tratado dos Limites no Brasil: Relação abreviada da República que os Religiosos Jesuítas das Províncias de Portugal, e Espanha, estabeleceram nos Domínios Ultramarinos das duas Monarquias, e da guerra, que neles tem movido, e sustentado contra os Exercitos Hespanhoes, e Portugueses…[11]. Relata as obstruções levantadas pelos Jesuítas às comissões oficiais portuguesas e espanholas que realizavam no Brasil as demarcações fronteiriças. Surgiu em Lisboa, sem nome de autor, lugar e data, e sem as licenças das instituições censórias. A tiragem foi de 20.000 exemplares, o que significa na época uma divulgação maciça. Pombal enviou este libelo, que ficou conhecido por Relação abreviada, às maiores personalidades de Portugal, a fim de inculpar os Jesuítas do desastroso processo de demarcação das fronteiras e da reorganização dos seus aldeamentos missionários. Ordenou também a sua difusão pelos canais diplomáticos (o diplomata português na Santa Sé ofereceu-o ao Papa Bento XIV [12]). Depois de ter sido editada duas vezes em Lisboa, a Relação abreviada conheceu edições em francês, espanhol, alemão, italiano e latim, encontrando grande aceitação nos meios antijesuíticos europeus[13].
        
        A Relação abreviada é um relatório administrativo-militar sobre uma surpreendente descoberta feita no Brasil pelas comissões demarcatórias luso-espanholas. Os jesuítas teriam erguido uma república oculta e autónoma nos territórios missionários do Paraguai à revelia dos Estados ibéricos. Em anexo apresenta-se documentação alegadamente extraída da correspondência entre os comissários e os governos peninsulares, a qual pretende provar a narrativa. O seu conteúdo é tão curioso quanto fantástico pelo insólito da pretensa descoberta. De facto, não era novidade: reproduz o romance histórico forjado do rei Nicolau I do Paraguai que corria pela Europa[14]. Pombal inaugura assim uma campanha antijesuítica que começou a operar-se em várias frentes, na qual as medidas coactivas são subsidiadas por uma forte propaganda que extravasava o país. A Relação abreviada estabelece um dos elementos do mito de complot dos Jesuítas em Portugal: o seu projecto e um império de amplitude universal, cujo ponto de partida seria essa formidável República dos Guaranis. O empenho do governo de Pombal na divulgação do opúsculo denuncia claramente o seu autor. Tanto assim é que uma Carta Régia de 1759 confirma que o documento foi publicado por ordem do Rei, que tinha o seu ministro como mentor[15].

        A Relação abreviada inaugura o a gravidade dos juízos e o aparato retórico que marcaram a literatura antijesuítica. Torna-se uma peça-chave da campanha pombalina e uma referência incontornável da ideologia antijesuítica. O mito vai-se estender ao reino e à Europa, chegando mesmo aos cantos mais longínquos onde os Jesuítas tinham presença.

        Erros ímpios e sediciosos

        Em 1759, e na sequência da sentença proferida para condenar os presumíveis culpados do atentado ao Rei, de que os Jesuítas seriam os mentores, veio a lume novo opúsculo que denunciava as doutrinas da Companhia: Erros ímpios, e sediciosos que os Religiosos da Companhia de Jesus ensinarão aos Reos, que forão justiçados, e pretenderão Espalhar nos Póvos destes Reynos. Este pequeno texto, impresso em Lisboa por Miguel Rodrigues, tipógrafo do Cardeal Patriarca, circulou primeiro anónima e autonomamente e foi depois enviado, apenso à Carta régia de 1759, aos bispos da metrópole e do ultramar para que estes prevenissem os fiéis em relação às perniciosas doutrinas destes religiosos. O livro pretende transmitir uma imagem paradigmática do sistema moral dos Jesuítas. Pretende revelar os princípios que orientam as suas práticas e que teriam inspirado o atentado regicida.

        Neste documento são atribuídos aos jesuítas quatro conjuntos de erros sediciosos: a moral jesuítica é dada como uma forma refinada de maquiavelismo. O primeiro erro é a plausibilidade de, através de capciosos artifícios, se caluniar e difamar monarcas e governos para destruir a obra governativa. O segundo consiste em fundamentar homicídios em favor do interesse dos mandantes. Citam-se passagens de diversos teólogos que teriam pertencido à Companhia para demonstrar asserções desse erro. A possibilidade de usar mentiras para proteger a saúde, a honra e o património, constitui o terceiro erro imputado aos Jesuítas, fundamentado com citações de padresv dessa Ordem, as quais são colocadas em oposição teólogos e doutores da Igreja. O libelo completa-se com o quarto erro com base numa carta que um bispo antijesuíta espanhol teria dirigido em 1649 ao Papa. A Companhia é acusada de possuir uma dimensão secreta, orientada por «constituições particulares» e «ocultas», que é considerado ilegal e anticanónico. Nas «Instituições impenetráveis, e que esconde todo o mais que pertence ao seu governo, como se fosse um mistério», só um pequeno grupo de iniciados de entre os membros da Companhia têm acesso: congeminam-se aí os mais hediondos crimes e produzem os mais degradantes erros contra o Estado e a sociedade. Depois da denunciar a ilegalidade e imoralidade desta organização secreta, imputa aos iniciados a congeminação da monstruosa moral jesuítica e a sua concretização em Portugal no atentado regicida, naquele «horroríssimo insulto».

        Para fundamentar as acusações ao governo secreto da Companhia, o documento inspira-se num dos mais denegridores catecismos europeus escritos contra os Jesuítas no século anterior: os célebres Monita Secreta[16]. A Companhia é apresentada como uma organização críptica, cujos íntimos segredos só são acessíveis a iniciados. Denominar-se-iam a si próprios e aos não jesuítas de modo sugestivo: Os Jesuítas seriam os «Nossos» e os outros seriam os «Externos». Os Nossos estariam sempre em concorrência com os Externos, a fim de beneficiar a sua instituição. Também invoca uma série de autoridades antijesuíticas, para mostrar que os seus avisos e profecias eram exactos e que o governo português tinha desmascarado a já grave extensão do domínio jesuítico.

        Este libelo contra a moral e a organização dos Jesuítas assenta em ilações sem fundamento, tanto mais que uma parte dos autores que são alegados doutrinadores jesuítas não fizeram parte da Ordem. Ele exerceu, porém, forte influência na modelação da opinião eclesiástica e secular[17]. Os bispos extraíram daí a ideografia para armar a sua pregação e as suas pastorais.

        Dedução cronológica e analítica

        Os dois livros anteriores, publicados na primeira década do governo pombalino, foram na década seguinte incorporadas ou disseminadas[18] na volumosa obra que podemos considerar a bíblia do antijesuitismo pombalino: a Dedução cronológica e analítica. Este obra foi publicado pela primeira vez em três tomos, luxuosamente encadernados, em 1767 e 1768, sendo feita uma segunda impressão em cinco volumes em 1768, num total de 1387 páginas. Foi editada em Lisboa com «Privilégio Real» por Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Ofício, sem problema de licença, pois o governo já controlava os organismos censórios. O subtítulo elucida o seu sentido: Na qual se manifesta pela sucessiva serie de cada hum dos Reynados da Monarquia Portuguesa, que decorrerão desde o governo do Senhor Rey D. João III até o presente, os horrorosos estragos, que a ‘Companhia’ denominada de ‘Jesus’ fez em Portugal, e todos seus Domínios por hum Plano, e systema por ella inalteravelmente seguido desde que entrou neste Reyno, até que delle foi proscripta, e expulsa pela justa, sabia, e providente Ley de 3 de Setembro de 1759. A obra era atribuída ao Doutor José de Seabra da Silva, Chanceler da Casa da Suplicação e Procurador da Coroa.

        A primeira parte analisa a história portuguesa nos últimos dois séculos, pretendendo provar que a decadência das instituições políticas do reino se devia aos Jesuítas. A segunda parte da obra é dedicada à acção nefasta dos Jesuítas no seio da Igreja, que teria conduzido esta a um estado de declínio: Na qual se manifesta o que sucessivamente passou nas diferentes épocas da Igreja sobre a censura, proibição e impressão de livros: demonstrando-se os intoleráveis prejuízo, que com o abuso dellas se tem feito à mesma Igreja de Deos, a todas as monarquias, a todos os Estados soberanos, e ao socego público de todo o universo. Descreve as perversões dos Jesuítas que poriam em causa a Igreja e reflecte o intento do ideário regalista de retirar prerrogativas à Igreja. O último tomo contém alegadas provas, englobando documentação diversa, recolhida, segundo é dito, nos Arquivos do Reino.

        Embora a obra ostente como autor Seabra da Silva, na realidade, a sua idealização e direcção foi de Pombal, provavelmente com a colaboração, além de Seabra da Silva, de Frei Manuel do Cenáculo e de António Pereira de Figueiredo. Tal conclusão é abonada por vários testemunhos, a começar pelo do próprio Seabra da Silva que era um das testas-de-ferro da política antijesuítica: Após ter sido exilado no Ultramar por Pombal, confessou não ter sido ele o autor, tendo sido antes mero colaborador[19]. A mesma autoria pombalina é reiterada numa carta do Pe. António Pereira de Figueiredo, outro colaborador íntimo e sempre fiel de Pombal, dirigida a um seu confrade oratoriano em Goa, em 1771[20] e o mesmo é confirmado por Frei Cenáculo no seu Diário[21]. E, se dúvidas houvesse, existe a prova paleográfica da autoria pombalina da obra que é dada pelo manuscrito original, que contém correcções e acrescentos escritos pelo próprio Pombal[22].

        A Dedução Cronológica conheceu em língua portuguesa duas impressões de milhares de exemplares entrados nos circuitos livreiros e enviados pelo Marquês às autoridades civis e religiosas do Reino e colónias. No plano internacional, foram feitas várias traduções e impressões integrais e parciais destes volumes, a expensas do governo português. Destaque-se a tradução em latim por Pereira de Figueiredo[23]. Em italiano conhecem-se duas edições feitas para encharcar os meios curiais das razões pombalinas[24]. Foram feitas ainda edições em francês[25], alemão[26] e espanhol[27].. Mas o mais espantoso foi a preocupação de Pombal em promover a tradução de um resumo em língua chinesa[28]. Nas traduções da Dedução Cronológica, os responsáveis tendem a apresentá-la como um modelo para os leitores se precaverem dos jesuítas, como afirma em prefácio o tradutor espanhol

        Este monumento da literatura antijesuítica, que já foi qualificada como a obra «peut-être le plus important de tous ceux qui ont été publiés contre la Compagnie de Jésus»[29] não pode ser desenquadrado da tensão que, ao longo da década de 60, se adensou entre Portugal e a Cúria Romana. Este desacordo subiu ao rubro com o defraudar das expectativas portuguesas ao saírem os breves filojesuíticos de Clemente XIII. A Dedução Cronológica pretendia legitimar, por um lado, a expulsão daquela Ordem de Portugal, que tinha sido seguida por outras monarquias e, por outro, mostrar, de forma exaustiva, as razões que tinham motivado tal medida de modo a inculcar a necessidade de lhe dar aplicação universal.
        
        A Dedução Cronológica é, entre as obras da literatura antijesuítica pombalina, aquela que, de forma mais extensiva e elaborada, sistematiza os vectores ideológicos do mito da Companhia. Escreve Borges de Macedo que «com a Dedução Cronológica inaugurou-se uma historiografia oficial abertamente partidária e que continuou até aos nossos dias»[30]. Reflectem-se, nestes volumes, as teses sobre a fundamentação e prática do absolutismo e regalismo. Esse manual do antijesuitismo português, onde se entrelaçam as fundamentações jurídica, canónica e histórica, é, acima de tudo, uma obra ideológico-política[31], que visa afirmar o poder supremo do Rei, que prevalece não só sobre a Igreja, mas também sobre a nobreza. Só a monarquia absoluta seria garante da restauração da dignidade do reino e da consumação da utopia das Luzes em Portugal, por contraste a um passado que se devia revogar. É uma obra arquitectada para advogar teses, perfilando dogmaticamente as conclusões mais coadunadas aos idealizados interesses do reino.

        Além do impacto que a obra teve na construção da imagem negativa dos Jesuítas, a sua influência transbordou a época. Não foi só a obra fundadora do mito jesuítico, mas também um modelo para o antijesuitismo pós-pombalino. Marca um ciclo novo, um ciclo anti-reaccionário, antiobscurantista, antiescolástico. No fundo, instaurará uma mundividência e uma historiografia. Aliás, em grande medida o antijesuitismo viverá da reverberação da Dedução Cronológica.

         Compêndio histórico

        O Marquês patrocinou e supervisionou uma obra essencial para a avaliação negativa da acção pedagógica dos Jesuítas desenvolvida a partir da Universidade de Coimbra: o Compendio historico do estado da universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuítas, saído em 1771[32]. O paradigma educativo que a reforma pombalina queria substituir é ali identificado com o jesuitismo pedagógico e este com a escolástica que teria feito mergulhar as letras e as ciências lusitanas numa escuridão que urgia desfazer por uma reforma radical. Nesse relatório são averiguadas as causas do declínio do ensino e da ciência naquela universidade, constituída como fonte da decadência no ensino em geral.

        O livro, de autoria colectiva, como o primeiro trabalho da Junta de Providência Literária, que tinha sido instituída pela Carta régia de 1770, imputa à orientação pedagógica da Companhia o desprestígio em que teria tombado a Universidade. A obra veio a público para apoiar o Estado na reforma universitária. O texto volume de quase 500 páginas relata os «estragos» e os «estratagemas» que os regulares inacianos teriam feito e usado desde o seu estabelecimento em Portugal[33]. Na primeira parte, faz-se a análise diacrónica da decadência do ensino universitário[34]. Na segunda, analisam-se os prejuízos nas várias cátedras e cursos. O esquema histórico-ideológico de análise é decalcado do da Dedução Cronológica. Além da perspectiva ser idêntica, idênticas são as conclusões, transitando até algumas passagens ipsis verbis. A obra apresenta um Apendix enumerando as «atrocidades» cometidas pelos Jesuítas.

        Na ideação deste relatório participaram alguns dos membros mais bem preparados da Junta, dirigida pelo Marquês: Frei Manuel do Cenáculo[35], da Ordem de São Francisco, Bispo de Beja e Presidente da Real Mesa Censória, Francisco de Lemos Pereira Coutinho, deputado da Inquisição e Reitor da Universidade de Coimbra desde 1770 e futuro Bispo de Zenópolis, e o Desembargador José de Seabra da Silva. A redacção do Apendix foi atribuída ao Pe. Pereira de Figueiredo, como este recorda em carta a Frei Cenáculo em 1774[36]. O título original era Appendix ao capítulo segundo da segunda parte para servir de supplemento ao sexto dos Estragos e Impedimentos que a Sociedade Jesuítica fez e acumulou para corromper e impossibilitar e estado da Jurisprudência canónica e civil com a introdução e propagação da Moral de Aristóteles[37]. Este trabalho, que circulou impresso separadamente[38], é quase uma cópia do libelo francês Assertions des Jésuites que apareceu em 1766 em Paris[39]. A versão de Figueiredo chegou a ser editada em latim com o patrocínio real, mas sem indicação de autor[40]. A obra apresenta-se como uma recolha de máximas que expressam as doutrinas atribuídas à cogitação maligna dos padres da Companhia. Não são citações de obras de Jesuítas, mas um sumário cujo conteúdo é acomodado para o fim de macular o património intelectual e científico dos professores da Companhia. O Appendix de Figueiredo está organizado em 22 atrocidades, acrescentando aos da obra similar francesa aquelas que teriam sido realizadas em Portugal: a Companhia teria instrumentalizado a confissão para conquistar professores e alunos para as suas doutrinas «mundanas, carnais e horrorosas» e, em Coimbra, teria havido imposição da ética e da metafísica de Aristóteles.

        A actuação pedagógica dos mestres jesuítas deturparia a moral cristã. A ruína da Universidade teria começado em 1598, quando saíram novos Estatutos, atribuídos aos Jesuítas. A fonte dessa ruína teria sido a opção pela moral de Aristóteles, «filósofo pagão», que teria pervertido a vida universitária e degradado as Letras e as Ciências. Isto concorda com o que vai ser dito nos novos Estatutos que foram também redigidos pela referida Junta[41] e editados no ano seguinte ao do Compêndio. Por isso, o Compêndio, o seu Appendix e os Estatutos formam um todo que marca uma nova etapa do ensino universitário em Portugal[42]. A ética de Aristóteles é classificada como «indigna das escolas cristã” e os Jesuítas tinham pretendido «corromper os espíritos de todo o universo para o dominar» [43]. Estes documentos imputam aos Jesuítas a total responsabilidade pelo ensino universitário até Pombal e fazem deles mentores e gestores desta instituição. No entanto, os Jesuítas só estivessem incumbidos das escolas menores, que funcionavam no Colégio das Artes.

         Regimento Pombalino da Inquisição

           O modelo do antijesuitismo pombalino também está patente no Regimento pombalino do Santo Ofício [44]. Inserido no programa de reforma da censura e do sistema de vigilância da ortodoxia religiosa e moral em Portugal, já encetada com a criação da Real Mesa Censória e completada com este último regimento da Inquisição, pretende colocar nas mãos do Estado estas poderosas instituições de controlo social.

        O Regimento é introduzido por uma instrução do cardeal Cunha, «Arcebispo de Évora, do Conselho de Estado e Gabinete d’El-Rei, Regedor das Justiças e Inquisidor Geral nestes Reinos e Senhorios de Portugal». O texto está organizado em três livros. O primeiro trata «dos ministros e oficiais do Santo Ofício e das coisas que nele há-de haver para expedição do seu ministério»; o segundo legisla a «forma e ordem por que hão-de ser processados os réus de delitos que pertencem ao conhecimento do Santo Ofício» e o terceiro estabelece uma tipologia criminológica e define as penalidades. A edição é completada com o Alvará Régio que aprova a nova legislação, seguido da promulgação como Lei de Pombal, corroborada por João Baptista de Araújo e José Basílio da Gama, a quem é atribuída a redacção[45]. De facto, este Regimento foi redigido sob os auspícios de Pombal[46] pelo brasileiro Basílio da Gama, autor do poema épico antijesuítico Uraguai. O documento é apresentado como necessário para limpar a má imagem que Portugal tinha na Europa, que o via como um país obscurantista subjugado pela Inquisição.

        No Regimento a Companhia é esvurmada, sendo-lhe atribuída toda a responsabilidade pela legislação e procedimentos que fizeram deste Tribunal um símbolo de terror. A história persecutória da Inquisição não teria sido mais do que um instrumento do jesuitismo para oprimir o país. O novo regimento deveria completar o projecto pombalino de iluminar o Reino e combater o «império das trevas» perpetrado pelos Jesuítas. Esta obra institui um dos temas do mito jesuíta: a íntima aliança entre Jesuítas e a Inquisição na demolição do prestígio nacional.

        Análise da literatura antijesuítica pombalina

         As peças da literatura pombalina caracterizam-se por um estilo que, juntamente com o modelo hermenêutico que instituem, se reproduz numa série de outros textos. O estilo é prolixo e monótono, recheado de uma adjectivação metaforizante, todo ele orientado para distinguir dois mundos irreconciliáveis: a luz e as trevas, o bem e o mal, a doença e a saúde[47]. A doutrina veiculada por essa literatura cinde maniqueisticamente um passado que se quer apagar de um futuro que se quer abrir. Produzidas no quadro do exacerbamento do absolutismo em Portugal, estas obras reflectem a crença de que o Estado está acima de qualquer crítica. Como obras estruturantes do mito dos Jesuítas, elas não só fundam um estilo literário como criam um esquema de interpretação que deveria orientar a leitura da realidade sócio-política, cultural, religiosa e educativa, apelando a um reformismo urgente, precisamente o oposto do jesuitismo. Havendo duas imagens oficiais em confronto, uma considerada a superação da outra, os Jesuítas teriam de ser o alvo cimeiro das reformas instituídas pela vontade iluminada do soberano e do seu ministro.

         O mito pombalino dos Jesuítas consubstancia-se numa leitura dogmática da história de Portugal. Transpõe-se para a história do Reino a acção nefasta dos Jesuítas iniciada no Brasil. É dada uma amplitude maior ao projecto secreto de dominação universal atribuído à Companhia, situando a sua génese nos primórdios da Ordem e atribuindo-lhe um crescendo até ao tempo das Luzes. A prossecução deste plano é apresentada como uma epopeia negativa por oposição à epopeia positiva que a nação portuguesa teria realizado até à chegada dos jesuítas[48]. A Relação abreviada pretendeu denunciar o avanço da concretização do dito plano jesuítico nos planos sócio-político e económico. Os Erros ímpios equiseram desvelar o esteio dos princípios teológico-morais na base da praxis da Companhia. A Dedução cronológica operacionaliza o conceito do complot dos Jesuítas, aplicando-o à história do Reino e integrando na longa duração a acção conspiracionista para explicar a decadência de Portugal. Finalmente, o Compêndio e o Regimento destinam-se a mudar radicalmente duas instituições nacionais.

        Esta historiologia assenta numa visão mítica do passado, em que todos os males são atribuídos a uma só entidade. Ao projecto malevolente dos jesuítas é atribuído um poder desmedido. Nesta construção, a palavra «maquinação», que aparece abundantemente, tem um sentido conspiracionista, ligado à destruição das instituições sociais. O discurso que forma esta «história exemplar» é tipicamente iluminista, cindindo a história entre o bem e o mal, através dos binómios luz/trevas, progresso/decadência, obscurantismo/iluminismo, etc.[49]

        O argumento estruturante desta visão da história do reino é elencado logo no início da Dedução cronológica. Concebe-se aqui uma idade de ouro que florescia quando os primeiros jesuítas entraram em Portugal. Os padres que chegaram a Portugal, em conivência de interesses com o resto do grupo, teriam desencadeado uma idade de decadência em Portugal. A Dedução Cronológica caracteriza num tom requisitório esta acção decadentista. A actividade da Companhia é comparada a uma campanha militar, com o fim de arruinar o reino e submetê-lo ao domínio da Ordem. Esta analogia é bem clara pelo uso dos termos «invasão», «domínio», «subjugação», «destruição», «guerra sem tréguas», «armas”. «Maquinação» ganha o sentido de «máquina de guerra», a ideia de que a Ordem seria um monstruoso engenho, de que os seus membros seriam peças, em obediência ao Padre Geral.

        Recordando os ataques contra a Companhia desde a sua génese, depositados na memória da tradição antijesuítica, o autor daquela obra salienta que o seu críptico plano destruidor já tinha sido gizado desde há algum tempo. Embora a degeneração da Companhia seja colocada na sua génese, Pombal não toca na santidade de Santo Inácio, para não contraditar o juízo oficial da Igreja. Assim, o início da decadência da Companhia é atribuído ao seu sucessor, Diogo Laynes, de origem judaica, o desvirtuamento do projecto inaciano.

        A acção jesuítica é associada à semântica da doença. A decomposição do «corpo glorioso» de Portugal, nos antípodas da epopeia mítica do Reino de Portugal (ao qual a historiografia patriótica conferia a dignidade de reino eleito pelos Céus), é atribuído ao trabalho educativo dos Jesuítas. A partir do ensino eles teriam feito decair todos os sectores do reino. Além de instrumentalizarem a educação, teriam procurado lugares influentes junto dos monarcas e dos grandes do reino para, pelo dolo e pela intriga, realizarem o seu plano.

         Esta antiepopeia jesuítica era inspirada pela sua moral antinómica da moral cristã, guiada pela aspiração de domínio universal, de que Portugal seria rampa de lançamento. É deste diabólico plano, metodicamente levado a cabo pela conspiração contra as autoridades legítimas, que Pombal se erige como denunciador: «E todos os principais Autores da corrompida moral dos ditos chamados Jesuítas, manifestando que eles especulativa e praticamente ensinaram e executaram sempre (por um sistema uniforme e sucessivamente seguido por quase duzentos anos) as abomináveis atrocidades; de arruinarem com calúnias todas quantas pessoas intentam tirar do seu caminho; de prestarem e aconselharem para os fins dos seus interesses falsos juramentos; de armarem os povos contra os seus soberanos para destruírem o público e reduzirem o mundo a uma monarcomaquia, na qual não haja suprema autoridade que possa coibi-los (...)»[50].

        No início do reinado de D. José, a Companhia teria atingido o ponto máximo da sua epopeia demolidora. Tinha reunido as condições para edificar o seu domínio sobre as ruínas do império português. Mas, pela determinação de um rei iluminado e dos seus esclarecidos ministros, o curso da destruição jesuítica tinha sido estancado. Entre outras acções maléficas no início deste reinado, destacam-se o atentado contra o rei em 1758. Este atentado teria sido congeminado pelo «sinédrio» secreto da Ordem, num acto de desespero. Com D. José, ter-se-ia começado a «reparar os estragos» que os Jesuítas tinham causado no reino. Tal renovatio temporum assentaria no tema mais relevante da filosofia absolutista: o reforço da autoridade régia. Pela concentração de poderes tinha sido promovida a restauração do reino com vista ao regresso da idade de ouro.

        A inauguração em 1775 da estátua do Rei D. José I, com o medalhão mostrando o seu ministro, constituiu a apoteose do governo pombalino e do seu líder. A estátua, símbolo das luzes, foi erguida no centro do Terreiro do Paço em Lisboa erguido das cinzas do terramoto. E, como nota Lúcio d’Azevedo: «sob a figura do soberano era o ministro divinizado»[51]. Este monumento ao pombalismo significa a nova idade de ouro. O monarca em pose equestre não era mais do que uma eminência simbólica, sob a sombra da qual, o Marquês foi o verdadeiro mentor, lutando contra os obstáculos representados pelas serpentes que o cavalo real calca. A estampa em bronze da figura do Marquês no monumento real denuncia a paternidade da reforma política aqui celebrada.
    
        Nas Observações secretíssimas de Pombal dirigidas ao Rei em 1775, o ministro tece um panegírico à sua obra aprofundando o significado da dita inauguração[52]. Declara concretizada a utopia das Luzes em Portugal. Pombal, embora atribua a sua obra ao rei[53], afirma o triunfo da idade da razão por contraponto à idade das trevas. Subentende que, com o seu governo, se verificou uma refundação da nacionalidade, atingindo uma plenitude histórica. O ministro afirma que a reforma teria causado «assombro a todas as nações nacionais e estrangeiras»[54]. Apresenta exemplos de áreas de progresso: a economia, as artes liberais, a educação, o comércio, a harmonia social, o respeito pelas instituições e pela autoridade do Estado. Esse discurso encomiástico contrastava com as dificuldades reais da sociedade portuguesa. Muitas das reformas revelaram-se incapazes de debelar a crise económica que grassou nos últimos anos de D. José. No entanto, a política pombalina deverá ser avaliada mais no longo do que no curto ou médio prazo: Pombal teve, sem dúvida, o mérito de insuflar de forma irreversível nos espíritos os novos ventos políticos em voga na Europa[55].

        Tanto na Dedução cronológica como nas Observações secretíssimas Pombal apresenta a história nacional consubstanciada em três idades: a idade de ouro anterior aos Jesuítas, a idade de ferro durante a presença destes, e a idade luminosa erigida pela política pombalina. O ministro de D. José constrói uma história mítica, na qual, com base em pressupostos ideológicos, o passado é reconstruído para inculcar a moderna visão. O conceito de história que subjaz à construção desta visão do passado está bem claro na Dedução cronológica: é uma história tribunal, na qual as conclusões são condicionadas pelo intuito ideológico. A imagem é construída dialecticamente, contrapondo o presente e o passado. É nesta encenação discursiva que se desenha o grito de refundação da nacionalidade nos moldes iluministas. Em suma, a visão da história que brota do mito pombalino dos Jesuítas põe em confronto dois mitos: o da idade jesuítica e o da idade das luzes. Trata-se de uma verdadeira heteropia.

        A cultura e a mentalidade antijesuíticas passaram a disseminar-se nas elites e nas correntes mais progressistas, perdurando a matriz pombalina. Exemplo uma tradução manuscrita de uma obra italiana anónima de 1800 com o título O jesuíta errante, ou cartas do Padre Afonso, jesuíta português ao Geral da sua Ordem em Roma. É um conjunto de cartas atribuídas a um jesuíta português[56], onde se incriminam os Jesuítas. O tradutor português, também anónimo, declara «uma antipatia, a mais decidida, a tudo o que tem nome de eclesiástico»[57]. Assiste-se aqui a um primeiro deslize do antijesuitismo para o anticlericalismo. O tradutor pretende dizer «duas palavras deste animal, que chama jesuíta», acrescentando que acha não ser «mal posto no rancho dos animais». Salienta que a ordem foi concebida por Inácio num estado de debilidade mental para demonizar toda a acção posterior. Chega a afirmar que os Jesuítas nunca tiveram a intenção de combater os infiéis, mas apenas a de difundir a raça jesuítica. Pela primeira vez em Portugal, os Jesuítas são figurados como uma nova raça. O autor identifica o espírito jesuíta com o Demónio: «Foi, sem dúvida, um jesuíta o que deu a Eva o pomo fatal, de que seu marido não comeria senão por conselho de um jesuíta.”[58].

           Em resumo: O mito jesuíta construído por Pombal foi fruto do seu tempo. A supressão da Companhia em Portugal e mais tarde em todo o globo corresponde a uma fase de crise profunda do poder da Igreja. No apogeu da Idade da Razão, os ministros das monarquias católicas arrebataram do Papa o documento eliminador dos Jesuítas. Foi mais do que a extinção de uma das mais fortes ordens da Igreja Católica: foi a subjugação da Igreja aos Estados. A abolição dos Jesuítas representa, de facto, uma redefinição das relações Igreja-Estado e um avanço na secularização.


NOTAS:

[1] Ver Jorge Borges de Macedo, Vias de expressão da cultura e da sociedade portuguesa nos séculos XVII e XVIII, Separata da Revista da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, Lisboa, 1968, pp. 345-364; e idem, O Marquês de Pombal (1699-1782), Lisboa, 1982.

[2] Cf. Lucian Boia, op. cit., p. 192 e ss.

[3] Michel Leroy, Le mythe jésuite, op. cit., pp. 368-369 ; e cf. M. Soullard, Les Jésuites en question. Écrites polémiques de 1815 à nos jours, Paris, 1982.

[4] E.g., Menendez Pelayo chama obra de canibais à obra política de Pombal. V. Gustavo Cordeiro Ramos, “A propósito das comemorações do 4.º Centenário da extinta universidade de Évora”, in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Vol. 45, fasc. III, p. 215. Alguns viram-se nas medidas antijesuíticas uma conspiração contra a Igreja, dada a alegada filiação maçónica do Marquês. V.g. A. Neves da Costa, Pombal. Mentira histórica, Lisboa, 1968. O jesuíta António Lopes procurou explicar psiquiatricamente a pertinácia antijesuítica do Marquês. Cf. António Lopes, Enigma Pombal. Nova documentação. Tentativa de interpretação, Lisboa, 2002.

[5] Apelo registado por Joel Serrão, “Repensar Pombal”, in Maria Helena Carvalho dos Santos (coord.), Pombal revisitado, Vol. I, Lisboa, 1984, p. 353.

[6] Luís Reis Torgal, História e ideologia, op. cit., p. 47.

[7] Jorge Borges de Macedo, op. cit., p. 16. Macedo alerta para a urgência dos historiadores superarem a tradição na qual as histórias do Marquês não passavam de um prolongamento da Dedução Cronológica e Analítica. Ibidem, p. 16.

[8] Manuel Antunes, «O Marquês de Pombal e os Jesuítas», in Como interpretar Pombal?, op. cit., p. 132.

[9] Ver Luís Filipe Barreto, “Utopia e heteropia”, in Brotéria, Vol. 106, 1978, pp. 275-279.

[10] Durand apresenta a repetição como a função típica que advém da própria estrutura do mito: «Le mythe est un répétition rythmique, avec de légères variantes, d’une création». Ibidem, p. 417. Ver também Vilfredo Pareto, Mythes et idéologies, Paris, 1966.

[11] Edições mais recentes deste documento pombalino saíram no Brasil: República jesuítica ultramarina, Porto Alegre, 1989; Idem, Os Jesuítas do Brasil, Paraguai e Uruguai segundo (...). Documento de 1757, Bahia, s.d.. Foi feita uma transcrição da Relação abreviada no Apêndice da obra de José Caeiro, s.j., História da Expulsão, op. cit., Vol. I, pp. 315-330.

[12] Cf. Collecção dos Negócios de Roma, op. cit., p. 41 e ss.

[13] Cf. Publicações do Ministro de D. José I, APPCJ, pasta 615, nº 2. Além de uma 2.ª edição feita em Lisboa nas oficinas de Miguel Rodrigues em 1758, saíram diversas edições com variações titulares, e.g. La République des Jésuites, ou le Paraguay renversée contenent une Relation authentique de la Guerre que ces Religieux ont osé soutenir contre les Monarques d’ Espagne & de Portugal en Amerique (…), A Amsterdam, 1758 ; e Relazione breve della Republica che i religiosi gesuiti delle province di Portogallo (...), Lisboa, 1757 (2ª ed. Lugano, 1759).

[14] V. F. Mateos, Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia de Paraguaay, según los documentos originales del Archivo General de Índias, Madrid, 1949.

[15] Cf. Collecção dos negócios de Roma, parte I, p. 78;

[16] Ibidem.

[17] As invectivas deste libelo foram traduzidas e integradas noutros documentos que sustentaram a campanha antijesuítica internacional, como: Les jésuites criminels de leze magesté dans la théorie et dans la pratique, Haye, 1759.

[18] A Relação abreviada aparece no volume de provas relativa à primeira parte da Dedução cronológica, como a prova LXI.

[19] Cf. J. Barbosa Canaes Figueiredo Castello-Branco, Estudos biographicos ou noticias das pessoas retratadas nos quadros históricos pertencentes à Biblioteca Nacional de Lisboa, Lisboa, 1854, p. 313; e ver “Cópia do Aviso em que D. Maria I manda vir do degredo a José de Seabra da Sylva”, BNL, Secção de reservados, cód. 10971.

[20] Carta de 24 de Abril de 1771, António Pereira de Figueiredo; Luís António Verney, Cartas aos Padres da Congregação do Oratório, Nova Goa, 1858, p. 15.

[21] Em Janeiro de 1768 Frei Cenáculo aponta que Pombal lhe tinha mandado a II parte da «sua» Dedução Cronológica. Informação de António Lopes, Vieira, o Encoberto, op. cit., p. 24.

[22] Cf. BNL, Colecção pombalina, códs. 444-446. Ver ilustração n.º 4. Além disso, o facto de Pombal ter outras obras com títulos e estilo semelhantes é outro argumento em favor desta autoria, como a Dedução chronologica de algumas infracções dos Tratados de paz, praticados pelos ingleses. Cf. BNL, Secção de reservados, cód. 13287.

[23] Josephi de Seabra Sivii, Deductio chronologica analytica (...), Olisipone, 1771.

[24] Idem, Deduzione cronologica e analitica, in cui, per la sucessiva serie di tutti governi della Monarchia portoghese, decorsi dal Re D. Giovanni III tino al presente (...),3 Vols., In Lisbona, Lisboa, 1767. E uma 2.ª edição feita com passagens da Dedução juntamente com o processo que conduziu à incriminação dos jesuítas no atentado ao Rei: Idem, Prove, e confessioni autentiche, estratte dal Processo che dimonstrano la reità de’ gesuiti nell’attentato regicidio di S.M. Fedelissima D. Giuseppe II, re di Portogallo: e compendio di quanto è passato nel suo regno (...), Venezia, 1768.

[25] Idem, Recueil chronologique et analytique de tout ce qu’a fait en Portugal la Société dite de Jésus, depuis son entrée dans ce royaune, en 1540, jusqu'à son expulsion en 1759, 3 Vols., Lisbonne, 1769.

[26] Idem, Vorstellung der Umstände, in welchen sich die Portugiesische Monarhie befindet, seit die Gesellshaft Jesu aus Frankreich und Spanien verbannt ist, Wittenberg, s.n., 1770.

[27] Doctor Joseph de Seabra da Sylva, Deducion chronologica y analitica (...), Traducida del idioma portugues por el Doctor Joseph Maymó y Ribes, abogado del colegio de esta Corte, (3 Tomos), Madrid, 1768, prólogo.

[28] Da tradução chinesa foi encarregado Frei Juan Rodriguez, que primeiro compilou um sumário adequado à realidade chinesa, e traduzido com o título de Espelho Moral. Cf. “Dedução chronologica vertida em Chinês”, in Archivo Universal, 3ª Série, Nº 19, Maio, 1860; pp. 322-323; e cf. ANTT, Livros das Monções, Nº 152, fl. 242.

[29] Augustin Theiner, Histoire du Pontificat de Clément XIV, D’après des documents inédits des Archives Secrètes du Vatican, Tomo I, Paris, 1852, p. 94.

[30] Jorge Borges de Macedo, “Marquês de Pombal”, in Joel Serrão (dir.), op. cit., Vol. V, pp. 113.

[31] José Sebastião da Silva Dias, Pombalismo e teoria política, op. cit., p. 10. Deve-se juntar esta obra de Pombal à Tentativa Teológica de Pereira de Figueiredo para formar o grupo dos tratados do ultra-regalismo português.

[32] Desta obra fez-se uma primeira edição luxuosa “na régia oficina tipográfica” em 1771, sendo no ano seguinte feita segunda impressão noutro formato para facilitar a divulgação.

[33] Também aqui o extenso título resume o conteúdo da obra: Compendio histórico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados Jesuítas e dos estragos feitos nas sciencias e nos professores, e Directores que a regiam pelas maquinações e publicações dos novos estatutos por elles fabricados, Lisboa, 1771.

[34] Ibidem, pp. 1-96.

[35] Este eclesiástico informa, no seu Diário, informa que se reuniam na casa do Marquês ou do Cardeal Cunha. Teófilo Braga transcreveu esse Diário na sua História da Universidade de Coimbra, op. cit., Vol. III, pp. 398-414.

[36] Cf. BPE, cód. CXI/2-11, nº1.

[37] BPE, cód. CXI/2-11, nº1.

[38] Doutrinas da Igreja sacrilegamente offendidas pelas atrocidades da moral jesuítica, que foram expostas no ‘Appendix’ do Compendio Historico, e deduzidas pela mesma ordem numeral do referido ‘Appendix’, para servirem de correcção aos abomináveis erros, e execrandas impiedades daquella pretendida Moral, inventada pela Sociedade Jesuítica para a Conquista, e destruição de todos os Reinos, e Estados Soberanos; Lisboa, 1772.

[39] Cf. Recueil par ordre de dates, de tous les Arrêts du Parlement de Paris, déclarations, Edits, Lettres Patents du Roi, autres Pieces, concernant les ci-devant soi-disan Jésuites, Tomo II, A Paris, 1762.

[40] Probationes appendicis breviario historico subjectae .Existe um exemplar na BPE, cód. CXI/2-11, nº 1.

[41] Estatutos da Universidade de Coimbra, compilados debaixo da imediata e suprema inspecção de El-Rei D. José I, Nosso Senhor para a restauração das Sciencias, e Artes Liberais nestes reinos, e todos os seus domínios ultimamente roborados por Sua Majestade na sua Lei de 28 de Agosto deste presente anno, Lisboa, 1772, p. 107. Estão organizados em três livros: o primeiro sobre Teologia, o segundo sobre Direito e o terceiro sobre Ciências.

[42] Cf. Joaquim Ferreira Gomes, “A reforma pombalina da Universidade”, in Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano VI, Coimbra, 1972, pp. 25-63; e Idem, “Pombal e a reforma da Universidade”, in Brotéria, Vol. 114, Lisboa, 1982, pp. 536-552.

[43] Estatutos da Universidade, op. cit., p. 90. Quer o Compêndio histórico quer os Estatutos foram traduzidos para latim por Pereira de Figueiredo com o fito de mostrar à Europa a renovação portuguesa.

[44] Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal, ordenando com o Real Beneplácito, e Regio auxílio pelo Eminentissimo, e Reverendissimo Senhor Cardeal da Cunha, dos Conselhos de Estado, e Gabinete de Sua Majestade, e Inquisidor Geral nestes Reinos, em em todos os seus domínios, Lisboa, 1774. No frontispício da edição pontificam as armas reais, denotando estatatização desta instituição.

[45] V. Raul Rego, O último Regimento da Inquisição portuguesa, Lisboa, 1971. Em 1811 foi feita uma impressão do regimento pombalino da Inquisição no livro de Hipólito José Pereira Furtado. Este jornalista dá-nos uma «Narrativa da perseguição» de que foi alvo e coloca em apêndice os regimentos inquisitoriais de 1640 e de 1774.

[46] Pereira Caldas escreveu que «passa, no entanto, como certo, que o ditara o Marquês de Pombal escrevendo-o o oficial de Secretaria do reino José Basílio da Gama”. Pereira Caldas, Os Regimentos da Inquisição em Portugal, Braga, 1877, p. 5; e cf. Jácome Ratton, Recordações (...) sobre ocorrências do seu tempo em Portugal (...) 1747 [até] 1810, 2ª ed., coord. J. M. Teixeira de Carvalho, Lisboa, 1920.

[47] Cf. Gilbert Durand, Les structures, op. cit.; e Michel Leroy, Mythe, religion et politique, op. cit.

[48] Usamos aqui a termo de epopeia negativa por oposição à epopeia da fundação e afirmação da nacionalidade portuguesa e da sua exaltação na época dos Descobrimentos.

[49] V. Pedro Calafate, “A Filosofia da História”, in Pedro Calafate (dir.), op. cit., Vol. III, pp. 23-44.

[50] Ibidem, pp. VI-VII.

[51] João Lúcio d’Azevedo, O Marquês de Pombal, op. cit., p. 320.

[52] Cf. “Observações secretíssimas do Marquez de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo na ocasião da Inauguração da Estatua Equestre no dia 6 de Junho de 1775, e entregues por ele mesmo 8 dias depois ao Senhor Rei D. José I”, in Marquez de Pombal, Cartas e outras obras selectas, 4ª ed., Tomo I, Lisboa, 1848, pp. 15-39.

[53] Neste discurso panegírico do rei, a era de prosperidade é atribuída aos méritos dele, como não podia deixar de ser. Mas Pombal sabia que lhe eram dirigidas as críticas e os louvores pelas transformações no país. O seu protagonismo está nas entrelinhas pelo excessivo esforço em salientar a sua negação. João Lúcio d’Azevedo, O Marquês de Pombal, op. cit., p. 321

[54] Ibidem, p. 17.

[55] Muitas das leis pombalinas foram, de facto, inovadoras: e.g. a reforma universitária, a estatização da censura e a limitação da Inquisição, a abolição do esclavagismo no reino, a centralização da Fazenda Pública e a uniformização da fiscalização, etc.. Símbolo da política pombalina foi a reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Cf. Kenneth Maxwell, O Marquês de Pombal, op. cit., pp. 36 e ss., e Joaquim Veríssimo Serrão, O Marquês de Pombal, op. cit., cap. XII.

[56] Conhece-se apenas a edição em francês: Le jesuite errant ou lettres du P. Alphonse, jesuite portugais, au Général de son Ordre, à Rome, avec les reponses de ce dernier, sur la conspiration de Lisbonne & ses effets (traduit de l’Italien), par le ch** E.S.R.I.S., A Rome, s.l.

[57] “O jesuita errante ou cartas do padre Affonso, jesuíta portuguez ao geral da sua Ordem em Roma: com as respostas deste, sobre a conjuração de Lisboa, e seus cruéis efeitos, por ch. Xxx. D.E.S.R.T.S., En Rome, 1800”, ACL, Manuscritos vermelhos, cód. 854, fl. 20.

[58] Ibidem, fl. 22.

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