“Poucas descobertas são mais irritantes do que
aquelas que desvendam a genealogia das ideias”.
Lord Acton
Numa altura em que os os politécnicos continuam a assestar baterias em defesa da outorgação de doutoramentos, em oposição à minha tomada de posição desacordante (evidenciada em inúmeros posts, aqui, no “De Rerum Natura” e em artigos de opinião no jornal “Público”), transcrevo uma entrevista, com o sugestivo título em epígrafe, da jornalista Catarina Navarro (“Notícias”, 14/11/2016), ao professor António Cunha, com o poder institucional da presidência do CRUP, sobre esta pretensão do ensino superior politécnico por entender que o silêncio que, por vezes, paira sobre este assunto se torna, de certo modo, perigoso para o múnus universitário e para a própria vida nacional em que ter razão não basta se essa razão for submersa em campanhas constantes de fazer valer direitos sem correspondências em deveres.
Ora, como escreveu François Chateaubriand, “toda a instituição começa por três estágios: utilidade, privilégio e abuso”. Se o o leitor estiver lembrado, sob o ponto de vista de utilidade, a criação do ensino superior politécnico obedeceu ao princípio de instalação em zonas do país carenciadas de ensino superior, e logo se instalou, de armas e bagagens, nas cidades universitárias de Lisboa, Coimbra e Porto.
Além disso, aquando da sua criação, estava estabelecido concederem, apenas, diplomas sem grau académico para daí partirem para bacharelatos, licenciaturas e mestrados defendendo, agora em jeito de cereja em cima de bolo mal cozido, o privilégio da atribuição de doutoramentos. Como diziam os latinos “alea jacta est”, ocasião soberana, portanto, para se atravessar o caudal desta temática, tendo como margens as diferentes perspectivas, até porque, como li algures, não fazer é deixar que os outros façam por nós.
Passo a transcrever a entrevista supracitada na esperança que sirva para ser debatida em comentários que, porventura, possa suscitar e que serão bem-vindos porque o silêncio só serve de argumento para escamotear e adiar a solução dos problemas:
“Há dois anos a presidir ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Cunha não entende a reivindicação dos politécnicos para outorgarem doutoramentos, que considera negativa. O rejuvenescimento do corpo docente continua por fazer porque para contratar, diz, é preciso dinheiro. E mostra-se preocupado com a ideia que o Parlamento tem de que as universidades devem ser todas iguais. Os institutos superiores politécnicos querem ministrar doutoramentos. O CRUP mostrou-se surpreso.
Não entendemos. Seria muito negativo para o sistema de ensino. O doutoramento é o elemento estrutural da atividade de investigação e tem de ser exclusivo de entidades que têm condições para o fazer. Portugal tem de se colocar no mapa como destino de formação internacional. Temos de ter uma qualidade à prova de qualquer escrutínio. E o alargamento aos politécnicos baixaria essa qualidade? Iríamos ter algo muito confuso, muito entrópico.
Acresce que, e vou dizer isto com toda a frontalidade, os números de procura das instituições politécnicas são conhecidos. Todos desejamos que haja um crescimento, mas vai ser conseguido à custa dos TeSP [Cursos Técnicos Superiores Profissionais, de dois anos]. Não tenho capacidade racional para perceber como é que uma instituição que vai ter números muito significativos de um perfil de estudantes TeSP está organizada também para conceder doutoramentos. Acredita que não avança? Sim, seria extremamente negativo para o sistema e comprometeria a nossa imagem de qualidade no mundo.
Não vejo vantagens objetivas nisso. Há um mês, o PS votou ao lado da Direita e inviabilizou um novo congelamento das propinas. A autonomia das universidades está em risco? Os equilíbrios governativos, hoje, são conseguidos através de uma maior proatividade do Parlamento. E, no caso do Ensino Superior, está a ferir gravemente a autonomia universitária, que é essencial ao nosso sistema. Face aos desafios com que estamos confrontados, as universidades precisam de ser capazes de ter projetos diferenciados.
Uma universidade que é igual às outras 15 mil que existem no mundo corre o risco de desaparecer. E tal não é exequível sem autonomia? O Parlamento tem uma visão de que as universidades devem ser todas iguais pelo facto de serem públicas. Pelo facto de serem públicas estão, sobretudo, obrigadas ao serviço público, a uma transparência total, mas devem ser diferentes porque, se não o forem, muitas não vão subsistir.
Há um ano, falava de um subfinanciamento da ordem dos 20%. Até ao final da legislatura, sabem que não haverá reforço de verbas. nem cortes, nem cativações. A estabilidade orçamental é o desejável ou o possível? Nem sei se é o possível. Não conseguimos mais, foi aquilo com que fomos confrontados. A questão da estabilidade é muito importante. E o compromisso de não nos fazerem cativações. Foi uma surpresa este ano? Era impossível. Estamos a falar de valores que em algumas universidades chegavam aos 7%, absolutamente incomportáveis.
Desse ponto de vista, é muito positivo. Temos ainda a questão, e não está a ser cumprido, da libertação de alguns espartilhos burocrático administrativos. Concretamente, a questão da Agência Nacional de Compras Públicas, uma perversidade para as universidades, e a obrigatoriedade de quando se contrata pessoal não docente ter que se recorrer ao INA [instituto que gere os funcionários públicos em situação de mobilidade).
Não aumentando o financiamento, o que é que fica para trás? Mesmo tendo em conta as palavras do Sr. Ministro [de que há uma folga para as universidades contratarem] e concordando que a situação melhorou um bocadinho, aquilo que continua a ficar para trás é o investimento no rejuvenescimento do pessoal docente. É o principal constrangimento que temos.
Então, não concorda com o ministro de que estamos perante uma oportunidade única para as universidades? Vem uma oportunidade. Até aqui, tínhamos duas dificuldades em contratar: de orçamento e de enquadramento legal. Não o podíamos fazer. Há um certo desbloqueio, mas não é uma liberdade total. É preciso que as universidades tenham dinheiro. Há um défice de docentes? Sim. Apontando para números médios nas universidades na ordem dos 12 a 15 estudantes por docente, sendo que o rácio andana ordem dos 17/18, temos cerca de 25% de docentes a menos (de um universo de 15 mil docentes. 12 mil de carreira e três mil convidados, estaremos a falar de 3750 professores].
Face às palavras de Manuel Heitor, quantos docentes irão contratar até ao final da legislatura? Falando de 2017/2018, valores da ordem dos 750 ano. Entre 1000 a 1500. Há um reforço de verbas para a ação social. Há mais dificuldades? Há um reforço porque, supostamente, vai haver um aumento de candidatos porque o Indexante dos Apoios Sociais aumentou.
Agora, e falando como reitor da Universidade do Minho, não conheço aqui um único aluno com aproveitamento que tenha abandonado o Ensino Superior por razões financeiras. Quanto valem os fundos de emergência social das universidades? Estaremos a falar de um valor superior a um milhão de euros. Mas há outros apoios: alunos envolvidos em pequenos trabalhos nas universidades, como fazer duas horas à noite na biblioteca, e que são ressarcidos financeiramente por isso, e que serão já mais de mil alunos. Mas defendem um aumento do número de bolsas. Propusemos ao Parlamento que alterasse o regulamento das propinas, no sentido de passar a permitir excecionalidades.
Situações identificadas e justificadas pelos serviços de ação social (como o aluno que não é elegível por um ou dois euros) que o diretor-geral do Ensino Superior pudesse despachar como exceções. São 100, 200,300 por ano, não é muito, mas, para essas pessoas, é muito importante. Uma via verde para alunos carenciados que ficam de fora das bolsas? Uma via para exceções, pagando a propina.
Preocupa-nos, também, os estudantes que são de fora dos grandes centros, para quem o principal custo não é a propina, mas as deslocações. Se queremos alargar a base social dos alunos que estão no Superior, é uma situação que deveria ter especial consideração, criando esquemas de ação social que permitissem suportar os custos de deslocação para alunos de famílias carenciadas” (fim de citação).
15 comentários:
Professor, mais uma vez os politécnicos... O problema do mestiço é não ser branco nem preto, isto é, é ser branco e preto. As fusões provocam sempre disfunções de identidade no produto criado. Uma terceira coisa (sem racismos).
Todos os institutos superiores deveriam ter a capacidade de promover licenciaturas, pós-graduações, mestrados e doutoramentos, porque superiores, porque públicos e porque é preciso geometrizar e regularizar os espaços de oportunidade. A verdadeira qualidade reside no elenco curricular dos cursos e respetiva viabilidade no mercado de trabalho, nos professores (que, em qualquer Superior, deveriam ter sempre doutoramento) e no serviço educativo e logístico das instituições. Deixarmo-nos, de uma vez por todas, de lobbys e do snobismo tão característico das elites académicas tradicionais.
Se analisarmos o percurso escolar em toda a linha, desde o pré-escolar até ao secundário, verificamos que a orgânica funcional dos agrupamentos se encontra direcionada para o facilitismo. Passam-se os alunos NEE’s, os do Apoio Educativo e os outros todos, com poucos exames e aferições deslocadas em anos intermédios, sem peneira nem triagem qualitativa, baixando-se fasquias até se obterem estatísticas de sucesso quase a 100%, cumprindo-se, desta forma, metas de aprendizagem surrealistas. E esta descansada horizontalidade “educativa” perpetua-se pelas licenciaturas do processo de Bolonha, no qual se poupam anos de estudo e finalmente... eis a tão almejada qualidade! A verticalidade do difícil doutoramento que só alguns deuses poderão validar... a dificuldade terminal abandonada dos paliativos eternamente tomados até aqui... Sem lógica!
Uniformizemos. Massifiquemos. Tornemos a lógica ainda mais lógica. Hoje o palco é para todos e a qualidade deve perder força para que todos possam ser e realizar os seus sonhos. Os nichos deixaram de fazer sentido. Globalização. Todos tocam, todos cantam, todos escrevem, todos doutores. A fórmula está a tornar-se comum e não é possível lutar contra portas largas e rios largos. Direitos humanos. Igualdade. Uma igualdade cumprida pela e na diferença.
Para além do mais, neste momento, vão surgindo cursos que nem sequer são académicos (como alguns no âmbito da Programação Neurolinguística), que têm certificação internacional em pouco tempo e que garantem emprego bem remunerado... Deixem lá a gravata e apostem em mangas arregaçadas.
Nem toda a felicidade passa pela faculdade, diz a poetisa sem poesia.
F.C.
Prezado F.C.: Não posso deixar de lhe agradecer o seu bem estruturado comentário. Obrigado!
Ele é uma peça importante para esta discussão por perspectivar esta temática de uma forma que não assume aspectos de ataques pessoais. E que bem se enquadram aqui os princípios defendidos por António Sérgio: "Contestar a ideia de um certo homem, ou defendida por um certo homem, não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece neste país".
E, por outro lado, não resisto a citar Ortega y Gasset (in, "A Rebelião das Massas") quando nos fala num mundo à deriva (uma deriva que assume proporções de naufrágio no que respeita a determinado Ensino Superior privado). Escreveu este pensador da nossa vizinha Espanha: “Muitos meios e saber de pouco servem: vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de realizar, porém não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido na sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnica do que nunca, afinal de contas o mundo o mundo actual vai, como o mais infeliz que tenha havido, puramente à deriva”.
Por último,impressiona-me, isso sim, a tentativa desesperada de um qualquer náufrago a tentar-se agarrar à boia da simples mudança de nome de ensino superior politécnico de Coimbra para “Universidade Técnica de Coimbra” (Rui Antunes, “Diário de Coimbra”, 10/11/2015) ou, em alternativa, “Universidade de Ciências Aplicadas” (idem, “Diário as Beiras,”05/08//2013).
Quiçá pela ausência de um necessário “esprit de corps”, o ensino politécnico busca desesperadamente títulos de nobreza académica na mudança do nome de politécnico para universidade, esta é a questão!
Corrijo o nome da jornalista e o jornal em que foi publicada a entrevista que transcrevi acima. Trata-se da jornalista Joana Amorim e o do "Jornal de Notícias". A ambos a minha desculpa pelo erro involuntário cometido.
1. Compreendo. Por vezes, os ataques pessoais não são propriamente pessoais. Assumem uma transpessoalidade que pretende atingir outro que não aquele a que se responde, tendo sido o nome pessoal o ângulo de visão coincidente. Desde já, as minhas desculpas à Raquel Lia, a quem falhei o cesto por um triz de tabela.
2. Não precisamos de fundamentação filosófica, e muito menos da iluminada vizinha espanhola, para perceber o estado caótico do mundo. Sempre foi caótico e sempre será. Refletimos coletivamente o que somos individualmente, nunca esquecendo que “a coerência é estética”, tal como dizia Fernando Pessoa.
3. Puramente à deriva estamos... Civilização, apenas tecnológica; informação desenfreada sem qualquer sabedoria; desorganização à escala global – é no que dá o “diverso” e o “múltiplo” que tão democraticamente se aprecia. Ainda, de pau e pedra, na caverna de Platão, a espreitar se Deus é sombra, a tentar perceber como nasceu a luz, de onde viemos, quem somos e para onde vamos. O mapa riscado no chão, a fingir direções, espetado de pioneses altamente estratégicos de nenhures... Pois, se não sabemos quem somos, para onde poderemos caminhar, senão à deriva e para aí?
4. “O ensino politécnico busca desesperadamente títulos de nobreza académica”... Agora, fiquei impressionada! A “nobreza académica”! Os reis do ensino e o povo do ensino... O sapatinho ligeiramente alto e pontiagudo da burguesia invejosa, a querer o salto todo da fictícia e coroada altura. Era só o que mais faltava! Sobrevive então o calço como vergonhoso resíduo da impossibilidade genética ou económica do honroso e altivo título de Doutor Sapato Régio, impedido de passadas largas e pesadas, por causa dos interstícios da calçada de pedra rústica, não vá prender-se o sapatinho manhoso da criada desdentada, deixando confessado o seu enorme e felpudo pé. Ó professor, por favor! Deixe-me ir lá abaixo ajeitar a fitinha politecnicamente académica da minha sapatilha de bailariana, sem calços nem saltos. A compasso binário de bacharel + complemento... um, dois, um dois... plié!
F.C.
Saudoso Professor Jorge Lourenço, Professor do Politécnico de Coimbra.
Um exemplo de professor, os seus alunos, a nível profissional, identificavam-se e distinguiam-se nas primeiras palavras que proferiam sobre betão. O seu trabalho na área vai ficar na história dos materiais em Portugal desde o betão leve, ao método de composição, passando por métodos de ensaios laboratoriais de massas volúmicas e terminando nas argamassas.
Não fui sua aluna, mas admiro e reconheço o seu trabalho único na área e o ser humano excecional.
Nesta altura, não diria a Nobreza, mas mais o Clero Académico, resumiam os seus trabalhos na área a uns poucos estudos “filosóficos”, com pouca ou nenhuma aplicação prática
Prezado F.C.: "Touché"! Na verdade deveria ter posto aspas na expressão “nobreza académica”. Ou talvez não? Quando a escrevi estava a lembrar-me de Camilo que tanto mal dizia dos títulos de nobreza, mas que não descansou enquanto não alcançou o título de visconde. Logo ele, um gigante da nossa Literatura! Talvez por isso, entendo, que o Politécnico não tem necessidade de “brasões” que deram azo ao dito jocoso, no estertor da Monarquia: “Foge cão, que te fazem barão! Para onde se me fazem visconde?” Brasões que atingem raias de desprestígio em grande parte do ensino universitário privado, devendo o Politécnico prestigiar-se pelo nível alcançado por determinados institutos superiores (por exemplo, engenharia), alicerçado em antigos institutos médios que lhe deram honrosa génese.
Quem tem competência para controlar a qualidade é a A3ES, quer seja no sistema Universitário ou Politécnico. O que é relevante é saber quais os requisitos para a atribuição do grau, depois quem cumpre os requisitos pode atribuir o grau. Tudo o resto é proteccionismo e alguma desonestidade intelectual.
5 estrelas , a ironia :)
Acho curioso que não se reportem os "puristas académicos", donos e senhores do conhecimento, a quem entrou no campo do ensino politécnico. Não foram as Universidades de Aveiro, Minho, UTAD, Algarve que quiserem também criar as suas escolas politécnicas? Qual é o espanto da aspiração natural dos Politécnicos em querer lecionar PhD? O Instituto Politécnico de Milão, leciona 18 doutoramentos, por exemplo. Ou será que só podemos usar como exemplos aqueles que não o são?
Atualmente há Politécnicos com mais de 70% do seu corpo docente doutorado e, pasme-se, por universidades portuguesas!!!! Se afinal estes docentes não servem é porque as tais universidades Portuguesas "da Nobreza Científica" prestaram mal o seu serviço. Ou será que aproveitaram a grande procura dos docentes do politécnicos por doutoramentos (A3ES assim obrigou) para descurar a qualidade? Se assim foi, mais uma vez péssimo serviço!!!
Mas não vou por aí, até porque continuo a acreditar que as Universidades portuguesas têm boa qualidade em geral, mas assim sendo algo está mal, ao criticar-se o seu produto final - um antagonismo só explicado com uma desmesurada falta de credibilidade no que fazem.
Talvez seja o momento dos Politécnicos mostrarem que além de serem capazes de ministrar doutoramentos, podem fazer melhor dos que as universidades.
Termino com outra questão: serão os docentes universitários que fizeram o doutoramento na universidade X, melhores do que os docentes do Politécnico que também fizeram o doutoramento na universidade X? Há aqui alguma coisa que não bate certo, desculpem a minha ignorância.... é que sou docente no Politécnico, fiz licenciatura (5 anos) numa universidade, mestrado numa universidade e PhD numa universidade, todas portuguesas e de ensino público.
Começo por escrever que descreio, e, com isso posso, eventualmente, fazer recair sobre mim o anátema de elitismo ( elitismo que, segundo António José Saraiva, “assusta muitos democratas por julgarem que as sociedades posem ser superfícies rasas”) , desta sua argumentação que transcrevo “ipsis verbis”: “Talvez seja o momento dos Politécnicos [com P maiúsculo] mostrarem que além de serem capazes de ministrar doutoramentos, podem fazer melhor que as universidades [com u minúsculo]”.
Aliás, sobre a descontrolada massificação do ensino superior em nome de uma democratização que se assumiu, em muitos casos, como mediocrização ocorre-me este testemunho de Mario Perniola (professor de Estética da Universidade “Tor Vergata” de Roma). “Os fautores da tradição, que apelam para os valores, para o classicismo, para o cânon , são postos fora de jogo por esses funâmbulos, esses equilibristas, esses acrobatas, que também querem ser eternizados no bronze ou no mármore. E quem diz que o não conseguem? Há sempre uma caterva de ingénuos prontos a escrever a história da última idiotice, a solenizar as tolices, a encontrar significados recônditos nas nulidades, a conceder entrada às imbecilidades no ensino de todas as ordens e graus, pensando que fazem obra democrática e progressista, que vão encontro dos jovens e do povo, que realizam a reunião da escola com a vida”.
Por esse facto, em nome de uma pretensa democracia, criou-se, até posso conceder, com a melhor das intenções (não nos diz o povo que de boas intenções está o inferno cheio?) um ensino superior politécnico desvirtuado, pouco-a-pouco, da finalidade para que foi criado, nunca como réplica do ensino universitário. Assim, por exemplo, escolas superiores de educação (que tiveram a sua génese em antigas escolas do magistério primário, destinadas, tão-só, a formar professores do antigo ensino primário, hoje 1.º ciclo do básico) transformaram-se numa espécie de universidades paroquiais ministrando diversos e diversificados saberes (por vezes, mais do que uma dúzia), a exemplo das faculdades! Por outro lado, alguém pode acreditar que no caso de professores do 2.ºciclo do básico do ensino ministrados nos politécnicos nas variantes, por exemplo, de Matemática/Ciências da Natureza, Português/Francês, Português/Inglês que habilitam, simultaneamente, a ministrar, quer Matemática quer Ciências da Natureza, quando aos diplomados pelas universidades se exigem mestrados separados para ministrarem Matemática ou Ciências da Natureza.
Acresce que, de uma forma em que elementos estatísticos servem de prova , os futuros diplomados pelo politécnico entram nos cursos de formação de professores com classificações menores e saem com maiores classificações. Curiosamente, representantes destas escolas é que se têm tornado vanguarda reivindicativa constante de identificação de direitos com as universidades sem os respectivos deveres ou exigências. (CONTINUA)
(Continuação) Quanto aos politécnicos, agora assoberbados, com os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (TESP), com a duração de 2 anos e sem atribuição de grau académico, em reprodução do acontecido aquando da criação do ensino politécnico que, “ex abrupto”, passou, por pressão sindical ou institucional das respectivas direcções, de um ensino de 2 anos sem grau académico a bacharelato, a licenciatura e a mestrado e agora reivindicam doutoramentos feitos com a prata da casa e em ambiente caseiro, embora por portas travessas, já existam convénios com instituições universitárias da vizinha Espanha. Ou em universidades portuguesas como o demonstram inúmeros e louváveis exemplos do corpo docente do ensino politécnico com doutoramentos feitos em claustros universitários. Em resumo, o ensino politécnico actual deve pugnar por uma identificação e prestígios próprios sem necessidade de procurar em mudanças de nome o alcance de um pretendido e falso prestígio: A César o que é de César!
P.S.: Embora reconheça que a integração dos politécnicos em universidades possa ter obedecido a questões meramente de aproveitamento de recursos humanos (docentes) e materiais (instalações), não me parece ser uma solução a ser seguida por aparentar ser um parente politécnico acolhido em casa de parente universitário. Ambos os ensinos tem a sua dignidade não beneficiando qualquer deles de uma espécie de mimetismo que lhes dê uma parecença de simples convivência!
Caro Professor,
permita-me que refira que a digitação tem destas coisas, de forma alguma quis minimizar as Universidades em favor dos politécnicos.
Quantos aos CTeSP também entendo que são uma "parasitose" no sistema de ensino superior, porquanto "não são carne nem peixe", mesmo assim, as universidades também os querem.
Quanto à vontade dos politécnicos em lecionar os doutoramentos feitos com a prata da casa, nem outra coisa pode ser diferente, pois é o que fazem as Universidades, ou não será assim? Então onde estão os rácios do corpo docente próprio, qualificado e especializado, impostos pela lei?
Podemos falar de outra realidade, carga letiva semanal - por acaso sabe que a média do número de horas letivas de um docente no politécnico onde leciono é de 14h por semana? No ensino Universitário qual é a média semanal para um Professor Associado ou Auxiliar, já para não falar num Professor Catedrático?
Quantos artigos científicos são publicados por Professores Auxiliares, Associados ou Catedráticos que não tenham por detrás a investigação de doutorandos? Que com um pouco de sorte, até são docentes do Politécnico?
Pelo devido respeito pelas diferenças, há efetivamente algo que distingue o ensino Universitário (U maiúsculo) do ensino politécnico (p minúsculo):
O caro Professor fartou-se de escrever para referir que discordava, por isto, por aquilo, com citações mais ou menos complexas, com mais ou menos argumentos, etc., etc.
Eu, na minha humildade, respondo de uma forma mais pragmática: "quando a matéria-prima escasseia, o produto torna-se mais caro. Se o produto se torna mais caro, a procura diminui e leva à crise social, o desemprego". Lei da oferta e da procura.
É esse o verdadeiro dilema, agora que já não há praticamente docentes do politécnico (a matéria-prima) para doutorar.
"Quem se agrilhoa ao passado, arrisca-se a nunca de lá sair"
Prezado Professor: No meio desta controvérsia, em que fui tratado por si, e por os outros comentadores (seja-me permitido destacar o anónimo "F. C.") com a elevação que merece a dignidade dos ensinos universitário e politécnico, seja-me permitido (sem com isso dar por encerrada, pela minha parte, uma temática que merece ser exaustivamente debatida) ter como leitmotiv de tudo isto, um pensamento, que pode justificar, todo o empenho que puseram nesta jornada os meus "compagnons de route" que quiseram, e conseguiram, que eu meditasse nos meus possíveis erros ou omissões involuntárias tendo sempre presente que "a história das ciências [substitua-se ciências por ensino superior em Portugal] tem quatro grandes objectivos: os nossos conhecimentos, as nossas opiniões, as nossas disputas, os nossos erros” (Jean Le Rond d'Alembert , 1717-1783).
Mais de um século é volvido e, mais uma vez, concordo que o passado é a plataforma para nos projectarmos no futuro colhendo os erros do passado porque “reivindicar direitos sem proclamar obrigações é querer, segundo Raymond Polin , o impossível, é jogar às utopias ou às catástrofes”. Bem nos avisou Gabriel Garcia Marquez: “tudo o que sucede, sucede por alguma razão”. E, neste particular, a razão encontro-a no facto de, há décadas para cá, a criação de cursos superiores em Portugal, para além de não ser devidamente planificada em termos a qualificativos e quantitativos , tem sido responsável por uma verdadeira babilónia entre ensino universitário e politécnico e suas fronteiras.
A própria Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) traduz o aspecto nebuloso que presidiu (intencionalmente?) a este “status quo”. Destarte, nos respectivos formulários, os ensinos universitário e politécnico pouco diferem na forma e conteúdo consentindo diversas leituras que permitem que o ensino politécnico navegue com as velas enfunadas por ventos de interesses dos seus diplomados e com a terra à vista dos sucessivos graus académicos que foram exigidos e consentidos por instituições governamentais. Quase se pode dizer que os respectivos articulados legais expressam aquilo que quis dizer e não disse e aquilo que disse e não quis dizer! Em linhas anteriores, entre comas, fiz a interrogação: “intencionalmente?” Razão encontro-a num texto de Pio Barojo quando nos relata que um determinado ministro espanhol, virando-se para o seu secretário o advertiu. “Senhor Rodriguez. Veja lá se a lei está escrita com a necessária confusão”!
Muitas vezes, não se trata de uma mera questão de nomenclatura das instituições académicas. Anos atrás, a própria Ordem dos Engenheiros não reconheceu certos cursos universitários de uma determinada universidade do interior do país permitindo, todavia, a inscrição de diplomados pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Ou seja, o nome das instituições orladas com o pórtico universitário não garante, por si só, a respectiva qualidade, assim como outras de natureza politécnica não se desprestigiam por esse facto.
Sem pretender se bota-de-elástico “agrilhoando-me ao passado”, a própria Roma Antiga estabeleceu o aforismo: “Suum cuique” (a cada um o seu)!
Na última linha deste meu comentário, rectifico "se" para ser.
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