Hoje (11 de Fevereiro) celebra-se o Dia
Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência (International Day of Women
and Girls in Science), parte da agenda de 2017 para um desenvolvimento
sustentável das Nações Unidas.
Porquê
celebrar as Mulheres e Raparigas na Ciência?
Existem consideravelmente menos mulheres do
que homens a trabalhar em ciência; um problema que, apesar de estar a ser
mitigado, insiste em arrastar-se. Ora se a actividade científica é uma parte
integral no desenvolvimento sustentável e educação, o envolvimento das mulheres
é também parte de um movimento de equidade de género onde persistem a falta de
ídolos e a ideologia do masculino.
Isto não é uma opinião. Muitos trabalhos científicos
exploram estes ‘vieses’ (biases) explícitos e implícitos da equidade dos
géneros. No mês passado o jornal Nature publicou um comentário onde demonstra
que apenas 20% das tarefas de revisão de manuscritos por pares (peer review)
são desempenhados por mulheres (Lerback &
Hanson 2017). Na discussão, os autores especulam que isto
se deve a um número inferior de convites para revisão, mas também a uma maior
taxa de declínio por parte das mulheres. Da mesma forma, o número de convites e
a taxa de aceitação para palestras orais lideradas por mulheres no IV Congresso
Ibérico de Ecologia ocorrido em Coimbra (2015) foi inferior quando comparado
com o sexo masculino (DeSoto et al. 2016). Isto pode, à primeira vista, parecer
leviano mas estes dados espelham um considerável problema: a participação em
revisão de manuscritos, revisão de financiamento, e em palestras em encontros
científicos permite exposição (e com ela a possibilidade de causar uma boa impressão)
aos editores, aos painéis de cientistas seniores e ao resto da comunidade
científica. Sendo esta exposição reflectida em futuros convites, atribuição de
fundos, nomeação para cargos mais elevados, possíveis colaborações, mas acima
de tudo o reconhecimento de uma carreira científica.
As causas deste viés são várias e complexas. A
subestimação sistemática (na maior parte inconsciente) das mulheres na ciência,
tecnologia, engenharia e matemática (STEM), conhecida como Matilda Effect (Rossiter
1993) desempenha um papel importante na avaliação das mulheres. Estudos onde currículos
e trabalhos científicos idênticos são atribuídos a indivíduos dos dois sexos
demonstram que todos os avaliadores, tanto homens como mulheres, consideraram as
mulheres menos competentes e qualificadas (Moss-Racusin et al 2012;.
Knobloch-Westerwick et al. 2013). Isso pode resultar num abandono da carreira
científica devido, em parte, a um insucesso nos processos de seleção. Mais
ainda, a maternidade parece reduzir as chances de ascensão na carreira, enquanto
que a paternidade não parece penalizar os homens (Wolfinger, 2008). A falta de
modelos femininos em posições de topo também pode reduzir a autoconfiança das
mulheres, resultando num aumento da insegurança na exposição de trabalhos a colegas
(Latu et al. 2013).
Viés
em Portugal?
Um artigo do Público (Serafim 2017) destaca dados da Direcção-Geral de
Estatísticas da Educação que apontam que em 2014 44,3% do corpo científico
Português era constituído por mulheres – uma posição favorável no ranking Europeu
– contrastando, por exemplo, a Alemanha onde apenas 22,7% dos cientistas são
mulheres. Portugal registou também um aumento de mulheres a fazer doutoramento,
de 42% para 54% entre 2004 e 2012.
Num índice composto, o ‘The Global Gender Gap
Report 2014’ coloca Portugal na 39º posição num total de 142 países com uma
pontuação de 0.724 (1= igualdade plena; 0 = in iniquidade). Este índice é
composto por 4 índices: Participação Económica = 0.719; Obtenção de Educação =
0.993; Saúde e Sobrevivência = 0.972; Poder político = 0.212; revelando um ‘tecto
de vidro’ ocorrente em Portugal.
O conceito de tecto de vidro refere-se a
dificuldades na progressão na carreira para posições de maior responsabilidade
e poder. Níveis elevados de educação e emprego em fases iniciais da carreira
podem mascarar estas desigualdades que se revelam sobretudo em posições de topo
(Poder político = 0.212; Obtenção de educação = 0.993). Por exemplo, na
Academia Portuguesa apenas existem 37,8% de investigadoras coordenadoras e
22,5% Professoras Catedráticas (Delicado &
Alves 2013).
O relatório ‘The Gender Challenge in Research
Funding: Assessing the European national scences’ aponta Portugal enquanto um
país “relativamente inactivo na igualdade de financiamento na investigação”,
apontando a escassez de iniciativas e pronunciadas lacunas entre géneros
(página 69; conclusões). Este relatório evidencia o problema do tecto de
vidro reportando taxas inferiores a 20%
no que toca à participação de mulheres em quadros científicos (comités
executivos, comités de revisão, …).
Uma manga Portuguesa, com
certeza!
O vídeo
que acompanha esta publicação mostra o poder que as palavras e do encorajamento
no percurso de uma rapariga – onde desde cedo é encorajada a ‘não se sujar’, a
‘não se magoar’ e é estimulada pela sua beleza invés das suas capacidades
mentais. Uma publicação na revista Science de Janeiro demonstra que raparigas
com 6 anos de idade já demonstram um preconceito para com as suas capacidades (Bian et al.
2017). No abstract lê-se “Especificamente,
raparigas com 6 anos de idade apresentam uma menor probabilidade do que rapazes
[da mesma idade] para acreditar que membros do seu género são “mesmo, mesmo,
inteligentes” (“really, really smart”). Raparigas desta idade começam a evitar
actividades para crianças que são “mesmo, mesmo, inteligentes” (“really, really
smart”).”
Para se combater esta tendência, é preciso que
estes vieses nas crianças sejam mitigados desde cedo. Por exemplo, iniciativas
como a de Ana Veríssimo, uma investigadora Portuguesa no Japão, com destaque no
Público, que criou uma manga que visa
encorajar as raparigas a seguir uma formação científica (Serafim 2017). Na história, quatro protagonistas
especializadas em diferentes áreas de conhecimento vivem aventuras científicas
onde, mistério após mistério, demonstram as suas capacidades e habilidades em
resolver problemas. Nesta notícia, a investigadora destaca que apenas 15% da
ciência nipónica é conduzida por mulheres.
Modelos Portugueses?
Dos 605 milhões de euros
atribuídos a 314 cientistas pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) no
final de 2016, 11 milhões de euros foram atribuídos a 6 mulheres Portuguesas
e/ou associadas a centros de investigação Portugueses (Firmino 2016): Sara Magalhães do Centro de
Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, FCULisboa; Silvia Rodríguez do Centro
de Estudos Sociais da UCoimbra; Alexandra Marques e Ana Rita Cruz Duarte da UMinho;
Susana Chuva de Sousa Lopes do Centro Médico da ULeiden; e Ranata Basto do Instituto
Curie em Paris. Os concursos ERC premiam a excelência na investigação Europeia,
sendo um bom indicador de qualidade científica e revelam que as actuais cientistas
portuguesas têm potencial. Resta-nos criar um mundo melhor para as cientistas
vindouras.
Lucía DeSoto (Investigadora pós-doutorada
no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e na Universidade de
Lausanne)
José Cerca de Oliveira (Investigador no Museu de
História Natural de Oslo)
Bibliografia:
Bian,
L., Leslie, S.-J. & Cimpian, A., 2017. Gender stereotypes about
intellectual ability emerge early and influence children’s interests. Science, 391.
Delicado, A. &
Alves, N. de A., 2013. “Fugas de Cérebros”, “Tetos de Vidro” e “Fugas na
Canalização”: mulheres, ciência e mobilidade. Para um debate sobre
Mobilidade e Fuga de Cérebros, pp.8–31.
DeSoto, L., Torices, R.,
Broennimann, O., Guisan, A., Rodríguez-Echeverría, S. 2016. ¿Existe un sesgo en
la participación y visibilidad de las mujeres en ecología? Una comparación
entre los congresos ibérico y suizo. Ecosistemas 25:105-111.
European Commission. 2009.
The gender challenge in research funding - Assessing the European national
scenes. Publications Office of the European Union, Luxemburgo.
European
Commission. 2013. She Figures 2012. Gender in Research and Innovation.
Statistics and Indicators. Publications Office of the European Union,
Luxemburgo.
World
Economic Forum. 2014. The
Global Gender Gap Report 2014. Publications Office of the World
Economic Forum, Switzerland.
Firmino, T., 2016. Mais
de 11 milhões de euros vão para seis mulheres da ciência portuguesa. Público.
Available at: https://www.publico.pt/2016/12/13/ciencia/noticia/mais-de-11-milhoes-de-euros-vao-para-seis-mulheres-da-ciencia-portuguesa-1754603
[Accessed January 30, 2017].
Knobloch-Westerwick,
S., Glynn, C.J., Huge, M. 2013. The Matilda Effect in Science Communication: An
Experiment on Gender Bias in Publication Quality Perceptions and Collaboration
Interest. Science Communi- cation 35: 603 - 625.
Lerback,
J. & Hanson, B., 2017. Journals invite too few women to referee. Nature,
541.
Latu,
I.M., Mast, M.S., Lammers, J., Bombari, D. 2013. Successful female leaders
empower women’s behavior in leadership tasks. Journal of Ex- perimental Social
Psychology 49: 444-448.
Moss-Racusin,
C.A., Dovidio, J.F., Brescoll, V.L., Graham, M.J., Handelsman, J. 2012. Science
faculty’s subtle gender biases favor male students. Proceedings of the National
Academy of Sciences 109: 16474-16479.
Serafim, T., 2017. Há
menos mulheres do que homens na ciência, o que fazer? Uma série de manga.
Available at: https://www.publico.pt/2017/01/16/ciencia/noticia/ha-menos-mulheres-do-que-homens-na-ciencia-o-que-fazer-uma-serie-de-manga-1758258
[Accessed January 30, 2017].
Wolfinger NH, Mason
MA, Goulden M. 2008. Problems in the Pipeline: Gender, Marriage, and Fertility
in the Ivory Tower. The Journal of Higher
Ed- ucation 79: 388–405.
4 comentários:
Parem de gozar com as mulheres.
Qualquer dia inventam o dia internacional dos pretos na Ciência, dos Ciganos na Ciência, dos Chineses na Ciência, dos Pernetas, dos cegos dos surdos mudos, etc. etc.
Eu discordo. Para mim homens, mulheres, ciganos, pretos, cegos etc. são tudo pessoas. Mas há muita gente com jeito para o paternalismo e ... há quem goste de tirar algum proveito disso.
Estou de acordo. As mulheres são inferiores aos homens fisicamente e por isso há provas femininas e masculinas. Intelectualmente penso que são iguais pelo que não necessitam de facilitamento.
Joana Alves
De facto há muito oportunismo. Só falam em quotas para mulheres em cargos bem pagos. Primeiro na política, agora na administração de empresas. Para cargos de baixa categoria ou trabalhos difíceis (mineiras!!) nem pensar em quotas para nós. Isto é um tanto repugnante e poucas pessoas o dizem. O que vale é que a imensa maioria das mulheres não quer saber disso. Só as que aspiram e têm hipótese de serem escolhidas é que enchem a boca com as quotas. Percebe-se.
Antónia Cunha
Anonimo das 11:33. Diria mais, só alguns homens, as cegas/autistas e as que não aspiram a ser escolhidas é que não se apercebem do problema. O argumento de mineiras é completamente falacioso, porque o que está em causa é uma capacidade intlectual e não fisica, porque nessa é obvio que estamos em desvantagem. Ou não reparou que no desporto existe masculino e feminino e nenhuma mulher reenvidicou que assim não seja?
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