quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A fraude da água em que a homeopatia se afoga

Artigo de opinião de Carlos Fiolhais e meu, publicado no PÚBLICO de hoje.

Fernando Belo assinou no PÚBLICO em 18 de Fevereiro um artigo de opinião, no qual insiste na apologia da homeopatia com base numa fraude científica. 

Belo cita um texto do autor principal da fraude, o francês Jacques Benveniste, que curiosamente se intitula “A minha verdade sobre a 'memória da água'”. Nisso concordamos: é a “verdade” dele, que nada tem a ver com o conhecimento científico. Belo evoca ainda declarações de Luc Montagnier e de Brian Josephon, em apoio à causa homeopática da memória da água. Montagnier ganhou em 2008 o Nobel pela descoberta do vírus HIV nos anos 80 e não por divagações sobre a “memória” da água quando tinha quase 80 anos. Josephson ganhou o Nobel da Física em 1973 por um trabalho sobre condutividade nos anos 60 e não por todo um conjunto de ideias delirantes que tem vindo a apresentar após o Prémio. Não é a autoridade de Benveniste, Montagnier, Josephson ou de quem quer que seja que prova a existência de algo que não existe. Os cientistas podem ter opiniões, mas a ciência não são opiniões de cientistas. Para passarem a ser conhecimento científico, essas opiniões têm que ser fundamentadas com provas experimentais e estas têm de ser confirmadas por outros grupos de investigação. Não é seguramente o caso das experiências da memória da água de Benveniste.

A fraude da memória da água está descrita no nosso livro “Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência” (Gradiva, 2012). O trabalho, que analisava uma reacção alérgica designada por desgranulação dos basófilos, foi publicado na Nature a 30 de Junho de 1988. O  extraordinário no artigo de Beneviste et al. é a afirmação de que essa reacção era desencadeada em basófilos (células de sangue) por um alérgeno, quando este se encontrava numa diluição tão grande como as usadas em remédios homeopáticos. Ou seja: os autores alegavam que uma solução do alergéno em que já não há nenhuma molécula deste é capaz de originar uma reacção alérgica. Imagine-se que uma pessoa apanha uma bebedeira com uma garrafa de vinho, em que o vinho foi diluído a ponto de não haver qualquer vinho na garrafa, mas apenas água… que se lembra do vinho. Do ponto de vista da segurança rodoviária, esta substituição do vinho tem todo o nosso apoio. Mas, como toda a gente sabe, água não é vinho.

As experiências tiveram de ser repetidas na presença de uma comissão de peritos, que incluía o editor da Nature, John Maddox, o investigador de fraudes científicas Walter Stewart e o ilusionista James Randi. Maddox suspeitava que a explicação dos resultados extraordinários poderia residir num truque de prestidigitação, ou seja, alguém adicionava de um modo imperceptível uma quantidade apreciável de alérgeno às amostras (enquanto distraía a comissão de peritos com um tubo de ensaio, por exemplo). Numa primeira fase, a equipa de Benveniste reclamou ter replicado os resultados. Foi então que a comissão pediu aos investigadores que realizassem um ensaio às cegas. Os tubos contendo as várias diluições foram levados para uma sala à parte onde apenas estava a comissão de peritos. Estes removeram a identificação de cada tubo e substituíram-na por um código. A correspondência entre cada amostra e o código foi colocada num envelope fechado, colado no tecto do laboratório. Foi então feita uma experiência em que os operadores não sabiam que amostras correspondiam a que diluições. Os resultados extraordinários não se confirmaram. De algum modo, conscientemente ou não, a equipa de Benveniste tinha viciado a experiência, de modo a obter os resultados que lhes interessavam. Um mês depois, foi publicado na Nature um artigo sobre o assunto com um título elucidativo: “As experiências com diluições elevadas são um equívoco”.

Apesar de desacreditado pela comunidade científica, como é aliás habitual nestes casos, Benveniste não se ficou. Criou uma área a que chamou biologia digital, segundo a qual as moléculas comunicam entre si através de sinais electromagnéticos de baixa frequência, passíveis de serem gravados. Segundo ele, essas gravações seriam capazes de provocar reacções biológicas. Benveniste chegou a alegar que conseguia enviar essas “assinaturas electromagnéticas” das moléculas através da Internet. Em 1999 a Fundação Randi ofereceu um milhão de dólares a quem conseguisse demonstrar, em condições experimentais controladas, a transferência da “assinatura electromagnética de uma molécula” através da Internet. O prémio continua por reclamar. Não sabemos se um milhão de dólares é coisa que interesse a Fernando Belo. Nós, se houvesse maneira de demonstrar essa assinatura de uma forma honesta, não hesitaríamos.

Uma palavra sobre a “unificação dos saberes”, ponto de partida do artigo de Belo: Concordamos que tal unidade deve ser procurada, mas não à custa da admissão de erros grosseiros. Unificar saberes é louvável. Unificar saberes e pseudo-saberes é um disparate.  

9 comentários:

Anónimo disse...

Acho que a continuar assim, irá acabar enxovalhado, Sr. Marçal. Toda a gente sabe que escreveu vários livros, e agora tem de defender a sua princesa, mas a falta de argumentos da sua parte em relação à homeopatia demonstra que é só uma birra..
- Agora é porque o Luc Montagnier é velho?
- Que ridículo, isto está a cair muito baixo Sr. Marçal, estes verbetes estão realmente obsoletos!
- E recorrer à defesa da sua causa com a Fundação Randi ou o "amazing" Randi, um conhecido velho trapaceiro, é tão mau ou pior do que alguém que se diz cientista aconselhar o grande público a busca informação científica na Wikipédia.
Tenha paciência!

Anónimo disse...

Nada confunde mais os “Cientistas” do que a singeleza da Homeopatia e suas Dinamizações.
“Alguém” ensinou no passado que na Natureza nada se perde e tudo se transforma, pelo menos no nosso sistema gravitacional.
Caso contrário haveria lugar a situações de tal forma inusitadas que escapariam ao controlo da dita Ciência.
Não será por mero acaso que o Cerne foi construído da forma como o foi.
Muito teria a Homeopatia a ganhar com investigação séria da parte dos Cientistas, mas o que se assiste são citações e mais citações, ainda que se reconheça alguma criatividade, quando se evoca a chávena virada ao contrário para a cura da gripe em duas semanas.
Claro que também o “suicídio homeopático” no Príncipe Real em Lisboa utilizou um preparado homeopático destinado à gripe em plena época de gripe, não terá sido por mero acaso, mas……….
Um dos vectores de possível investigação é com os chamados semi-condutores, pois “aparentemente” não há “reacção” alguma a um ciclo de 220 alternos que passam a 220 contínuos, sem que sequer haja “aquecimento” no semi-condutor. Acresce o facto de que só se sabe que este “efeito” existe sem que se conheça a “razão”.
Descoberto este “fenómeno” será de extrapolar para as dinamizações homeopáticas pois estamos muito próximos dessa realidade.
Mas talvez uma outra forma seja muito mais simples de se entender.
A “soma” justifica plenamente.
Vejamos uma dada substancia que possui 10 princípios activos.
10-1=9+1=10; ou seja nas reacções químicas, para se “separar” UM UNITÁRIO, este unitário matéria, “agrega” em si a “energia” utilizada para o separar.
Assim temos: 10-1=1+(9 energia) +9- (1 energia) =10 e assim temos o equilíbrio do Universo Garantido.
E também em si encerra um vector de investigação quanto aos efeitos adversos tão irritantes na formulação dos Medicamentos.
Depois é só seguir a “linha de pensamento” e descobrir que a Homeopatia potenciada tem todo o sentido, pelo menos Matematicamente falando.
O “Drama” da Ciência continua quando se tenta “reproduzir” resultados.
Ninguém afirmou que em Homeopatia há repetição de resultados e muito menos quando se tenta uma “escala de valores” não aplicável.
Sempre se afirmou em Homeopatia, que cada caso é um caso, ainda que seja possível haver um “padrão”.
Cada Humano é diferente, ainda que todos possuem cérebro, em alguns humanos nem isso existe, ou “o que lá está”, não valida comportamentos tidos como humanos, mas existe o humano.
Cada Humano, possui o fígado abaixo do Diafragma do lado direito.
Mas se este Padrão é observável em todo o ser deixamos de ser “Humano”, só porque por exemplo nos pássaros há o mesmo padrão de localização do fígado, ainda que sejam de espécies bem distintas?
Da mesma forma terá a Ciência de aceitar que a Homeopatia possui um padrão próprio e fiável, pois se há resultados quando se respeita o “Similibus” o drama está desfeito.
Pensem nisso da próxima vez que falarem em Homeopatia.
Pensar faz bem à Saúde do cérebro.
Fernando Neves
AMENA

Anónimo disse...

LOL
Problemas na saúde britânica? A astrologia resolve
http://observador.pt/2015/02/25/problemas-na-saude-britanica-astrologia-resolve/
Um deputado diz que a astrologia poderia resolver a crise que se vive no sistema de saúde britânico. E considera que quem não acredita nela é "ignorante", "supersticioso" e "racista".

SATANUCHO disse...

Mas porque é que a memoria da agua só funciona para a homeopatetice? Imagino que as moleculas de aguas com tal extraordinaria memoria se deveriam «lembrar» de tudo, não? Lembrar-se-iam certamente de todos os aperelhos digestivos que circularam, todos os autoclismos que invadiram e todos os escrotos de aparelhos urinarios em que viajaram. De todos os peixes que as engoliram se lembrariam, de todas as gotas de chuva que formaram e de todas as sarjetas em que viajaram, de todos os esgotos e estações de tratamento que visitaram, enfim.... se a agua se lembrasse de todas as porcarias que já fez estavamos bem arranjados, felizmente que milagrosamente só se lembra da homeopatia.

João Portela disse...

Aproveito este comentário para agradecer todo o esforço da vossa parte para combater a pseudo-ciência.

Quanto à homeopatia, parece-me que os resultados experimentais são claros.
É-me dificil compreender como é que algumas pessoas insistem em acreditar na mesma contra todas as evidências, queixando-se sempre da uma espécie de conspiração por parte da comunidade ciêntifica.

Às pessoas que vendem produtos homeopáticos e que acreditam na eficácia dos mesmos só tenho o seguinte a dizer: providenciem resultados experimentais sérios e replicaveis que eu mudarei de ideias; até lá deixem de vender producos cuja eficácia não foi comprovada, senão correm o risco de serem confundidos com charlatões.

Anónimo disse...

A água lembra-se sim, pelo que a água secundária é bem diferente da primária, tão abundante no manto terrestre. Sastanunho, você nem sabe como o que afirma é verdade - estavamos realmente tramados, sim!

Anónimo disse...

É boa.Não tinha pensado nisso.Eis a solução para os dispendiosos serviços de saúde.A solução mesmo à mão.Astrologia,águas decantadas,bruxaria,cartas,e o que mais ocorrer.Mestres Bingo e Bango promovidos a ministros das saúdes.

Anónimo disse...

Bem visto. A retórica desta gente é já amplamente conhecida e assenta essencialmente no pressuposto de que ciência esteja livre de manipulação. Prova disso está nas referidas experiências levadas a cabo "às-cegas." Com que então o factor humano não conta. Então, será o acaso que responde pelo sucesso de um resultado? Quando chegarem à conclusão de que estão a usar de uma trapaça em nome da "ciência" será tarde, por já terem enfrentado o completo descrédito.

Anónimo disse...

Estudos duplamente cegos impedem alterações manipuladas quer dos pacientes quer dos médicos, assegurando que qualquer resultado significativo se deverá ao tratamento em causa. Que parte disto não é ciência?

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...