“A ginástica não é uma questão de circo nem de barraca de feira, é uma alta e grave questão de educação nacional.” (Ramalho Ortigão, 1836-1915).
Numa importante e extensa
entrevista
a duas páginas inteiras, intitulada “Educação Física é o elo mais fraco”, de Alexandra Prado Coelho a Nuno Ferro, presidente da Sociedade
Portuguesa de Educação Física, por este é criticado o
“desinvestimento cada vez maior desta
disciplina nas Escolas” (Público, 03/01/2015). Entre outras coisas, o referido desinvestimento reporta-se ao facto do Decreto-Lei 139/2012,
de 5 de Julho, ter reduzido a carga horária da Educação Física no 3.º ciclo do ensino básico e no secundário que passou de 180 minutos semanais para 150 minutos.
Este statu
quo justifica o título deste meu artigo sobre a ignorância do Ministério da Educação no que respeita ao
papel da disciplina de Educação Física nas escolas. Aliás, ignorância secular que mereceu farpas de Ramalho Ortigão, escritor que mais se bateu pela exercitação
física da juventude. Avant la lettre,
este vulto das letras portuguesas iluminou com o archote de polémica prosa, ateado
por centelhas de génio, a defesa pertinaz do exercício físico, chamando a atenção da Câmara dos Pares para um estudo demonstrativo que os exercícios ginásticos eram úteis
não só ao desenvolvimento físico dos alunos por, nas escolas inglesas em que se
introduziu a ginástica, os alunos
aprenderem mais e em menos tempos do que nas aquelas em que ela não existia.
Em nosso tempo,
trabalhos realizados, na década de 50,
em França (Vanves) viriam a demonstrar a influência benéfica da Educação Física no
rendimento escolar dos alunos. O Dr. Max
Fourestier, médico escolar, responsável pela divisão de tempos iguais destinados
às disciplinas ditas intelectuais e às práticas gimnodesportivas, não se exime
em declarar: “Com métodos pedagogicamente novos não criaríamos apenas uma raça
fisiologicamente nova. Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais
fraternos uns com os outros”.
Década depois, foi
realizado, por professores do então Instituto Nacional de Educação Física
(actual Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa) um trabalho de investigação,
intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual”, a que foi
atribuído o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências
Médicas de Lisboa, de colaboração com o Laboratório Pfizer (1963), “com o
objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde
em Portugal”. Incidiu este trabalho sobre os benefícios dos exercícios de ginástica na melhoria do
poder de concentração dos funcionários encarregados de proceder ao escrutínio dos boletins do Totobola e sobre essa mesma influência na melhoria da
fadiga intelectual de 36 crianças do
ensino primário sujeitas a provas de ditado.
Com respaldo na
autoridade científica dos seus autores, professores da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, Carlos Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel
Teixeira Veríssimo e João Páscoa Pinheiro, transcrevo excertos de um documento,
datado de 10/07/2012, dirigido ao Ministro da Educação Nuno Crato, em que são
tecidas críticas às “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário”
(que reduz a carga horária da disciplina de Educação Física). A páginas tantas, escrevem os seus subscritores:
“São vários os benefícios que o exercício físico promove, contrariando as chamadas doenças da civilização como a obesidade, a diabetes melitus, a depressão, as doenças cardiovasculares isquémicas e o cancro, que são na realidade as epidemias do século XXI. Também numa sociedade em que a esperança de vida aumentou, o exercício físico é fundamental para um envelhecimento saudável, designadamente para que curse sem incapacidade física ou mental.As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado par valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida.Prover a actividade física nas escolas é, pois, contribuir para uma sociedade mais saudável e, por conseguinte, ter uma saúde mais custo-efectiva no futuro. A promoção da actividade física permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na saúde”.
Por tudo isto, inevitável
a pergunta: deverá a Educação Física dos
escolares portugueses continuar ajoujada ao peso de resquícios de falsos
preconceitos que a subalternizem relativamente a outras disciplinas
curriculares promovendo, desta forma, o
seu empobrecimento por diminuição da
horas curriculares a ela destinadas? Dando crédito aos testemunhos aqui deixados, não. Definitivamente não…a
menos que a intenção do Ministério da Educação seja recriar eusébiozinhos, saídos
da pena queirosiana, “molengões, tristonhos e de pernas flácidas habituados a
memorizar todas as coisas do saber!”.
12 comentários:
Como professor de Educação Física, poderá questionar-se a minha imparcialidade, mas não posso deixar de felicitar a relevância e a lucidez desta publicação; bem haja ao autor.
Serão inúmeras as evidências dos benefícios e competências promovidas nos diferentes domínios do indivíduo pela prática regular de atividade física e desportiva. Estas serão palavras gastas mas com conteúdo perene.
Para aqueles que olham para a que$tão com outro$ olho$, posso citar "A promoção da actividade física permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na saúde".
Os recentes episódios nas urgências hospitalares terão tido como protagonistas mais frequentes pessoas da "4ª idade"; cidadãos com mais anos de vida, mas também com mais anos com menor qualidade de vida.
Será uma verdade aceite que um indivíduo fisicamente ativo, além de aumentar a sua esperança de vida aumenta também a sua esperança de vida com qualidade. Ora, cidadãos com este estilo de vida, para além de mais produtivos enquanto laboralmente ativos, e por isso "melhores contribuintes", na sua "4ª idade", e antes também, farão menos despesas ao SNS, não deixando de ser, também, simpáticos por não contribuírem para o “folclore” dos telejornais!
Aos meus alunos digo, questionem eles o que questionarem, que a prática de atividade física e desportiva só tem vantagens e benefícios. No nosso tempo só terá um contratempo: o tempo necessário; mas também ele um investimento que dará mais tempo para ter tempo.
Ricardo Santos
Professor de Educação Física do 3.º Ciclo e Secundário
Agradeço as palavras iniciais que me foram por si endereçadas, aproveitando a oportunidade que me é dada para duas adendas ao meu post:
1. Infelizmente, vivemos numa sociedade apegada a um ultrapassado dualismo cartesiano: “res extensa” e “res cogitans”. E isto apesar da crítica que lhe é feita pelo filósofo da nossa contemporaneidade, Jean-Fançois Lyotard, quando escreve: “Toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que quer o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez”. Ou como eu costumo dizer, com amarga ironia: Os músculos ( que Almada- Negreiros endeusou ao proclamar: “É preciso criar a adoração dos músculos”) estão na razão inversa da inteligência!!!
2. Quanto aos benefícios da Educação Física no que tange à Saúde (temática que serviu de título ao meu livro, “Educação Física Ciência ao Serviço da Saúde Pública”, edição da Sociedade de Estudos de Moçambique, 1973), trago à colação a campanha nacional de Iona Compagnola, antiga ministra de Estado de “Fitness” e do Desporto do Canadá, com o seguinte fundamento: “Despendem-se neste país milhões de dólares com a assistência médica e nós sabemos que 40 % destas despesas resultam totalmente inúteis. Vamos gastar parte desse dinheiro na motivação das pessoas para que participem em qualquer actividade física”
Em Portugal temos um ministério da Educação que desconhecendo, ou fingindo desconhecer, estes factos deles faz orelhas moucas como se tratassem de palavras loucas. Loucura é, isso sim, diminuir os tempos escolares da disciplina de Educação Física. Pode afirmar-se que a mais dominante preocupação de qualquer governo deve ser um sólido índice de saúde da sua população. Escreveu o Professor da Faculdade de Medicina de Coimbra Serras e Silva ( 1868-1956): “‘Os fracos, disse alguém, estão sempre prontos a uivar como os lobos, a roncar como os burros e a balir como os carneiros”. Será esse o destino que se perspectiva para os jovens nacionais?
Quinta-feira à tarde, uma mãe ao ir buscar o seu filho à escola olhava os ténis do seu filho e dizia "já tens os sapatos rotos, tenho de os levar ao sapateiro" Na verdade não tinham concerto. Na sexta-feira, a criança tinha uns ténis com 2 ou 3 números acima. Pode esta criança fazer Educação Física? A Educação Física não será cada vez mais um "luxo" a que os pobres estão condenados por exclusão?
Nuno Crato, sabe bem os benefícios da actividade física, disso não tenho dúvida nenhuma, mas não é responsável pela pobreza do país... talvez não recolha dela os benefícios que o senhor Sócrates recolhia pois que a praticou desenvergonhadamente nos quatro cantos do mundo (quem não se lembra das corridas na Casa Branca). Sim, praticou-a e deu-a a conhecer, mas condenou milhões à pobreza, e consequentemente à Educação Física. A responsabilidade a quem a tem.
Cumprimentos cordiais, professor Rui Baptista.
Os efeitos da carência económica dos alunos não tem apenas reflexo nas aulas de Educação Física. Atrevia-me, até, a dizer que ela assume proporções tantas ou maiores nas ditas cadeiras intelectuais ao serem exigidos dispendiosos manuais escolares que mudam de ano para ano e a corrida às reprografias escolares do ensino secundário para dela regressarem os alunos com resmas de fotocópias diárias pagas a bom preço. Poderá, porventura, um aluno com fome, em salas de aula gélidas, etc., retirar proveito dessas aulas? Ocorre-me, a propósito, um escritor que escreveu que uma boa biblioteca exige ao lado uma boa cozinha. E um outro que disse que uma boa pista de atletismo convida a correr.
Quanto falo dos benefícios da Educação Física percepciono esta actividade curricular, a exemplo de todas outras, com os alunos suficientemente alimentados e de posse do respectivo e necessário material escolar.
E já que falamos do “show-off” de Sócrates a correr em locais, nacionais ou estrangeiros de boa visibilidade pública é “vício” que, segundo os media, continua a cultivar em Évora. Quanto a Nuno Crato - a fazer fé em palavras insitas no seu comentário, conhecer os “benefícios da actividade física” - mais o responsabiliza por ter permitido que os tempos a ela destinado nas escolas fosse reduzido numa sociedade cada vez mais achacada das já chamadas doenças hipocinéticas, tendo como etiologia a falta de movimento duma sociedade industrializada e computorizada em que “a força muscular do homem e dos animais domésticos produz 1% de toda a energia produzida e consumida na Terra, quando em meados do século XIX, produzia 94%” (Alexander Berg, Ph. D. Computer Science).
Agradecendo o seu comentário engenheiro Ildefonso Dias, envio-lhe cumprimentos amistosos.
Errata: Na 1ª linha do 1º § do meu comentário anterior, onde escrevi "tem" rectifico para "têm".
Professor Rui Baptista, não posso deixar de lhe dizer que hoje só posso ter simpatia por Nuno Crato, e admito que talvez ele até esteja a fazer um bom trabalho em face das limitações orçamentais impostas. O que não invalida que se façam criticas, muitas justas, como a que o professor Rui Baptista aqui deixa e com a qual eu também concordo.
O problema, professor Rui Baptista, é que os tiranos e verdugos deste país estão sempre à espreita, e são muitos. E se não estivermos com a máxima concentração estamos a contribuir para por a cáfila do P$ no Governo. É esse o perigo para o país. É uma máfia enorme, um polvo, como se pode ver pelo numero, e personalidades, que vão ao Alentejo.
Em baixo fica a noticia em que Jorge Coelho e Paulo Pedroso (dois tiranos, que deviam estar bem guardados e não estão).
http://www.publico.pt/politica/noticia/jorge-coelho-diz-que-nuno-crato-e-o-pior-ministro-da-educacao-desde-o-25-de-abril-1685422
Cordialmente,
Caro Engenheiro Ildefonso Dias: É sempre um prazer trocar opiniões com quem me respeita e eu respeito. Obrigado, portanto, pelo seu comentário que em muito poderá ter contribuído para desfazer possíveis e insanáveis divergências. E já que me dá dada oportunidade, em vez de eu ter atribuído a culpa a Nuno Crato a devesse, preferivelmente, ter atribuído ao ministério da Educação, um autêntico buraco negro que aprisiona com a sua gravidade as boas medidas tomadas pelos titulares que nele têm vindo a ocupar o 10.º andar da 5 de Outubro. E isto para já não falar na Fenprof que, às escuras ou às claras, têm sido o grande entrave de um ensino com os melhores e mais habilitados docentes.
E aqui, mais uma vez, evoco a necessidade de uma Ordem dos Professores que ponha cobro à desordem que serve interesses injustificados e injustificáveis.
Um abraço cordial.
Na última linha do penúltimo parágrafo, substituir têm por tem.
Professor Rui Baptista, como será o sentimento daqueles que lutaram por algo em que acreditaram, (no seu caso a Ordem dos Professores) quando confrontados com a realidade do País, julgando estar (ainda que às tantas lhes surgissem as duvidas!) numa democracia? Num jogo viciado, que não nunca poderiam vencer com os seus argumentos e a força convicta das suas palavras. Bom ou Mau!
Cordialmente,
Engenheiro Ildefonso Dias: Se me permite, embora correndo o risco de me tornar juiz em causa própria (ou melhor, numa causa que diz respeito aos professores em geral), ao final do seu comentário, acrescentarei: PÉSSIMO!
Cordialmente,
Concordo no geral... e na esperança que a educação física tenha um dia a atenção merecida... pergunto.... Qual educação física!? Reafirmo... gostava imenso que fosse uma disciplina nuclear com a mesma importância que um Português ou uma Matemática. Não há quaisquer dúvidas sobre a influência de um corpo são sobre as capacidades de estudo. Mas volto a pergunta... Qual "educação" física? Não a vi... não reconheço a disciplina como "educativa" do corpo. Sinto que existe um desprezo imenso de muitos professores de "Educação" Física pela própria disciplina. Talvez o próprio programa esteja por si só mal elaborado e, naturalmente, desanime muitos dos professores... Não sei.. não questiono... mas "Educação" não é... Talvez Educação Desportiva... sim... será mais isso... Gostava imenso que fossemos educados a estimar o nosso físico... perceber como é devemos fazer uma força, como levantar um peso, como me levantar de um sitio qualquer sem prejudicar diariamente o corpo... não sei se me consigo fazer entender... mas fica a minha ignorância.. sim.. porque sou ignorante. Não porque não tenha prestado atenção, ou por algum desinteresse... simplesmente não tive educação física... já desportos conheço muitos, e as suas regras e até os posso praticar... mas sempre, e como a maioria, da forma mais incorreta e prejudicial para o meu físico. Sim... porque ninguém me explicou na altura que devia ter sido explicado.
Lamento se coloquei algo em causa ou não... mas sinceramente... é necessária essa disciplina.... mas como é lecionada... mais vale nem existir.
Prezado anónimo: Pelo interesse que reconheço ao seu comentário, estou a redigir um post em que gostaria de dar uma resposta difícil às questões complexas por si levantadas. Ainda hoje penso publicá-lo.
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