Quem afirma (e muitos o fazem) que a Escola
não deve preparar em abstracto, através de teorias estéreis, de modelos sem aplicação directa, de princípios que de útil e funcional nada têm,deve dispensar tudo o que não decorra do contexto, do quotidiano dos alunos e que não concorra para a sua integração nos mesmos,
deve, enfim, preparar para a sociedade concreta, para a vida real,
ganha em ler o artigo de opinião da jornalista Rute Sousa Vasco, publicado ontem (aqui).
É que o contexto, a realidade, o quotidiano, a sociedade, a vida em que crianças, adolescentes e adultos estão mergulhados é cada vez mais a que ela descreve.
Assim, se não for a escola pública a procurar distanciar-se da sociedade, de modo a tentar, por via do "conhecimento poderoso", exercer uma crítica ampla e profunda à mesma, de modo a não cairmos numa nova barbárie, que outra instituição resta?
Não quer dizer que o consiga - há fortes probabilidades de não o conseguir -, mas a sua vocação de aperfeiçoamento humano indica que não se pode render ou, pior do que isso, ajudar, por diversos modos, alguns deles aparentemente justificáveis, a promovê-la.
Disse que "há fortes probabilidades de não o conseguir", pois se o ensino impedisse todas as manifestações da mesma barbárie, neste tempo em que alcançámos a escolarização plena, ou próximo disso, e em que a "educação para a cidadania" ocupa um lugar central no currículo, a civilidade teria, por certo, melhor feição.
Como diz Rute Sousa Vasco, a persistência na intenção de sermos "bons seres humanos" dá trabalho. O esforço para superarmos a barbárie, edificando-nos e edificando a humanidade, é constante. E mais trabalho dá educar alguém segundo tal intenção, para que a sociedade, o mundo possa ser melhor. E muito mais trabalho dá ainda fazer isso nas condições que a jornalista descreve e que... bem conhecemos!
Não podemos, neste ponto do raciocínio, deixar de perguntar: com todo o trabalho enunciado, o que levará a melhor: a educação escolar ou essas condições? Talvez o leitor encontre uma resposta nas palavras que se seguem, retiradas do mencionado artigo:
"(...) Reality shows e redes sociais têm em comum o valor da popularidade como referência de sucesso e a destruição de uma ideia de qualidade como fasquia de acesso ao respeito público. E ambos têm como mantra que devemos dar às pessoas aquilo que as pessoas querem – ouvimos e não julgamos (...).
Isto não começou com a televisão e também não começou com a internet. Começa e continua sempre em nós, humanos. Gostamos de ver o mórbido, o ridículo ou o simplesmente dramático (...).
Trouxeram-nos a dimensão quantitativa do que é bom. Tem muitos seguidores? É bom. Tem muitos comentários? É bom. Publica tudo sobre tudo o que mexe à sua volta? É bom. Vivemos um plebiscito diário em que a discussão sobre a qualidade do que se faz é secundária perante a exibição dos resultados de quantos viram ou partilharam ou comentaram.
Esta obsessão pela popularidade invadiu todos os domínios da nossa vida. És médico? Arranja uma conta numa rede social e fala sobre ti, os teus pacientes, a tua vida privada, os teus pensamentos privados sobre os teus doentes. O mesmo para todas as profissões e atividades que possamos pensar – ganha quem se expõe diariamente num palco sendo uma espécie de outdoor digital a acontecer no caminho dos outros (...).
Para muitos, nada disto é um problema. Cada um vê o que quer e se vemos reels, tiktoks ou reality shows que nos transformam em amebas, mas nos fazem rir ou sentir melhores seres humanos, então está tudo bem. Cada um sabe de si.
Só que não está e suspeito que estamos apenas a ver a ponta do icebergue. Se tantos não são capazes de descortinar imbecilidade e manipulação em coisas que não têm importância nenhuma, como conseguiremos que pensem mais do que 30 segundos em temas verdadeiramente sérios e que estão a mudar o nosso mundo para pior?
À banalidade do mal sucedeu a banalidade da imbecilidade. Provavelmente o cocktail mais perigoso que enfrentamos. E aqui estamos num momento da história em que idolatramos o conteúdo “autêntico” ao mesmo tempo que duvidamos de quase tudo, incluindo a realidade concreta que entra pelos olhos dentro. Tudo é um reality show.
Ser bom dá mais trabalho. Bom ser humano sem estar no campeonato da popularidade. Bom escritor sem estar no campeonato do TikTok. Bom político sem estar no campeonato da desinformação. Implica não fazer, muitas vezes, o que obviamente é popular, ou divertido, ou fácil (...)."
1 comentário:
O valor universal da bondade está em declínio acelerado nas nossas sociedades do consumo espetacular. Nas escolas, os diplomas, fáceis e obrigatórios para todos, justificam a indisciplina e a violência como meios para os alcançar!
Como é que indivíduos, "educados" num caldo de anti-conhecimento escolar, terão, como propósito de vida, serem boas pessoas?!
Por outro lado, a televisão e as redes sociais não param de nos bombardear com exemplos de cidadãos que fizeram, em poucos anos, fortunas fabulosas, porque são maus e imbecis! Na escola, só "aprenderam" que para ser mestre ou doutor, basta ser imbecil!
Resumindo e concluindo: a escola atual, onde os professores estão proibidos de ensinar, porque são funcionários às ordens dos governos, a educação cívica acabou.
Enquanto não haja alteração de política educativa, a qualidade da escola, onde estão encerrados os professores e todos os alunos menores de dezoito anos, vai de mal a pior!
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