Meu artigo no mais recente JL (na imagem o quarto do Hotel Glória onde Einstein pernoitopu durante a sua estada do Rio; foto tirada por mim pois já fiquei no mesmo hotel):
No dia 11 de Março de 1925, fez agora precisamente cem anos, Albert Einstein (1879-1955), o cientista mais famoso do século XX (mais do que isso, a «pessoa do século», escolhida pela revista Time em 1999), passou por Lisboa. Essa visita curta foi a única que fez a Portugal. Einstein ia a bordo do navio alemão Cap Polonio numa viagem que, partindo de Hamburgo, no Norte de Alemanha, tinha como destino a América do Sul, designadamente Buenos Aires, na Argentina, Montevideu, no Uruguai, e Rio de Janeiro, no Brasil (aquele navio fazia essa carreira regularmente). O convite foi feito por instituições académicas daqueles países, e a escala em Lisboa fazia parte do itinerário.
Einstein aproveitou a paragem para fazer uma rápida visita à capital portuguesa, que ele descreve no seu diário de viagem, transcrito no vol. 14 dos seus Collected Papers (Princeton University Press, 2015), e que foi traduzido do original alemão para português do Brasil, numa edição que foi publicada pela editora Record, do Brasil (Os Diários de Viagem de Albert Einstein. América do Sul 1925, org. Ze’ev Rosenkranz, 2024). Dessas notas de viagem, embora Einstein não refira os nomes dos monumentos, conclui-se pela sua descrição que ele esteve no Castelo de São Jorge e no Mosteiro dos Jerónimos. Sobre a cidade escreveu no seu diário: «Dá uma impressão maltrapilha mas simpática. A vida parece correr confortável, bonacheirona, sem pressa ou mesmo objectivo ou consciência. Por toda a parte nos consciencializamos da cultura antiga.» O que mais o impressionou foram as varinas, que vendiam o peixe na rua. Escreveu: «Vendedora de peixe fotografada com um cesto de peixe na cabeça, gesto orgulhoso, maroto». Einstein tirou fotografias delas. Para quem quiser ter uma ideia de como eram essas figuras na época, bastará olhar para os desenhos de Stuart Carvalhais (1887-1961), pintor e caricaturista que estava no auge nos anos de 1920. O artista casou com uma varina, uma mulher do povo, praticamente analfabeta: tinha, portanto, uma modelo em casa. Em 2005, quando, no quadro do Ano Internacional da Física, tive oportunidade de organizar na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a exposição «Einstein entre nós» (em cuja inauguração esteve o então ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José Mariano Gago. 1948-2015), pedi ao grafista para incluir no cartaz com uma grande fotografia de Einstein um desenho de Stuart Carvalhais com uma varina e uma imagem do Cap Polonio.
Nesse ano de 1925, Fernando Pessoa (1888-1935) passeava pela Baixa de Lisboa. Foi o ano do surgimento de Alberto Caeiro. Teria sido curioso se se tivesse cruzado com o génio da Física (Pessoa tinha, na sua biblioteca, livros sobre a teoria da relatividade de Einstein). Mas a verdade é que Einstein viajava incógnito. A comunidade científica nacional era muito reduzida e Einstein não se tinha feito anunciar. Apesar de já ser mundialmente famoso e de ter um rosto muito conhecido, ninguém reparou nele em Lisboa. Num tempo em que a Primeira República caminhava rapidamente para o fim, a ciência era quase uma inexistência. No entanto, um português famoso, o Almirante Gago Coutinho (1869-1959), estava no Rio de Janeiro na audiência de uma palestra de Einstein (o seu afastamento do país teria a ver com a sua vontade de não querer ser Presidente da República, ele que tinha ganho fama por ter realizado, com Sacadura Cabral , 1881-1924, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul em 1922). O facto de Gago Coutinho ter escutado Einstein no Rio de Janeiro, numa palestra em francês, não o impediu de ter tomado posições críticas da teoria da relatividade. Não foi, de resto, o único: o catedrático de Matemática da Universidade de Coimbra, Francisco da Costa Lobo (1864-1945), tomou também posições antirelativistas, que levaram a polémica com colegas seus. Numa sua faceta mais positiva, foi Costa Lobo quem instalou um equipamento de observação do Sol no Observatório Astronómico da sua Universidade em 1925.
Por que razão decidiu Einstein, naquele ano, entre 4 de Março e 1 de Junho, realizar uma viagem marítima, que o deixou no final extenuado («mais morto do que vivo», na sua própria expressão, no final da diário). Einstein gostava de conhecer o mundo. Entre 2022 e 2023 tinha empreendido uma viagem, mais longa, ao Japão (com visitas à Palestina e a Espanha no regresso). Traduzi para português o diário dessa viagem (Os Diários de Viagem de Albert Einstein, Extremo Oriente, Palestina e Espanha 1922-23, org. Ze’ev Rosenkranz, Gradiva, 2023) Foi nessa viagem, numa escala em Xangai, que soube que lhe tinha sido atribuído o prémio Nobel da Física de 2021, atribuído um ano depois da data normal não pela sua teoria da relatividade, mas sim pela sua explicação do efeito fotoeléctrico em 1925, introduzindo a noção de «grão de luz» (ou fotão). No Rio, Einstein haveria de apresentar uma comunicação científica sobre esses quanta, num trabalho que redigiu no quarto 400 do Hotel Glória que já tive ocasião de visitar (há uma placa que divulga a estada do hóspede ilustre). Na viagem ao Extremo Oriente, Einstein teve a companhia de Elsa Einstein (1876-1936), a sua segunda mulher que era também sua prima. Mas, na viagem à América do Sul, Elsa já não o acompanhou, nem nenhuma das suas duas enteadas, Ilse e Margot. O diário destinava-se a ser lido por elas e não a ser publicado, pelo que o estilo é informal. Por que viajou sozinho? O motivo foi bastante prosaico: o cientista tinha tido um affaire com a sua secretária, de apenas 23 anos (ele fez 46 anos a 14 de Março de 1925, três dias depois de sair de Lisboa), e queria distanciar-se dessa relação, que abalou o ambiente doméstico. De Lisboa manda uma carta à mãe da sua ex-amante dizendo «quero poupar a senhora e a sua filha a qualquer decepção.» De facto, Einstein tinha um lado mulherengo. Não lhe escapou nem a visão das varinas portuguesas nem o charme de uma escritora austríaca Else Jerusalém (1876-1943), autora de textos sobre a sexualidade feminina, que ele encontrou no navio e a quem designou, no diário, por «pantera».
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